sexta-feira, 29 de março de 2013

Blog para quem gosta de livros: O Espanador



Os 80 anos de Philip Roth, O Mágico de Oz ou histórias do nosso sertão. Sem deixar de lado, claro, a ficção de Arthur C. Clarke. Tudo é assunto para quem tem os livros como paixão! Para conhecer este aconchegante recanto da internet, clique aqui.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Geologia do léxico

Não, não minha querida. Esse silêncio todo que mura humores entre a gente nos últimos passeios não é timidez, falta de assunto ou outras indiferenças vazias.

Na geologia das terras ficam as camadas mais antigas lá embaixo. O que o vento soprou ontem é coberto pelo que o vento trouxe ontem. Isso porque nos continentes o nascimento é de fora para dentro. De cima para baixo. Dos ventos para o chão. Da chuva das montanhas para os fundos dos vales.

Na geologia das palavras ocorre o contrário. Porque as palavras nascem lá dentro da gente e assim dá-se que as mais novas estão lá no fundo, dentro, cobertas pelas mais antigas. Daí que, logicamente, só mesmo tendo dito as palavras mais antigas é que as novas poderão encontrar um caminho à superfície do mundo. Assemelha-se mais à mecânica do vulcão que a das planícies costeiras.

Com isso se entende meus silêncios, querida amiga. São muitas palavras velhas, nunca ditas, soterrando as palavras novas.

terça-feira, 26 de março de 2013

Garupa

Ela, justamente ela, ele nunca levava de moto. Já aconteceu sim uma carona ou outra, mas evitava ao máximo. Gostava de levar pessoas na garupa e certamente gostaria de levá-la. Ser abraçado por ela. Estar perto dela. Mas não queria correr o risco. E se, bem com ela, algum acidente acontecesse? E se ela se machucasse? Ele não poderia viver tranquilo nunca mais. Não tinha estrutura para isso. Arranjava sempre uma desculpa. Esqueci o capacete. Estou com a mochila, não há espaço. Ela queria andar um pouco de moto com ele, gostava da aventura e gostava do amigo. Mas ele a queria por perto o tempo todo e nunca soube como lidar com o gigantismo desse desespero.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Alimentação saudável

Um lanche quente. Era o que eu queria. Nada de comida fria. Um lanche com queijo derretido. Um hamburger. Ou um pedaço de carne, peito de peru. Pouco importa. Um lanche quente no pão francês, pão fresquinho, com aquela casca amarelo-pão quebrando, toda trincadinha como aquelas marcas no chão do sertão. Preparei. Comi. Depois uma sobremesa doce e fria. Sorvete. Perfeito. E, por fim, um pouco de água.

A alimentação precisava respeitar essa ordem precisa. Jogar em um liquidificador tudo junto, água, sorvete e um lanche quente no pão francês e alimentar-se da maçaroca resultante soa para todos os sensatos algo pateticamente repulsivo. Somos uma máquina estranha. Porque no estômago, efetivamente, tudo se mistura. Os poucos minutos que separam a ingestão de uma coisa ou outra não são suficientes para separar a comida no estômago. O que significa que, para fins de nutrição, a mistura não é ofensiva. Mas para fins de degustação, de apreciação, isso faz toda a diferença do mundo.

Somos uma máquina estranha. Quanto à alimentação, é óbvio que a absorvemos assim. Mas muito mais do mundo é artificialmente segmentado em nossas degustações diárias e se torna impossível pensar a vida de outra forma. O mundo é um só, mas jamais conseguiremos efetivamente vê-lo assim. Assim como a necessidade nutricional é composta por um só conjunto de alimentos variados, mas não podemos absorver estes alimentos de uma vez, misturados. Precisamos segmentá-los em parcialidades.

Você conhece uma pessoa. Não pode absorver suas verdades todas de uma vez. Precisa escolher se vai degustar primeiro a aparência, depois as histórias contadas por ela, depois as histórias contadas pelos outros, depois a rica observação quieta de suas atitudes. Como trata o garçon. Como responde à mãe sobre assuntos triviais.

A verdade do mundo. Há uma guerra acontecendo em algum lugar. Há uma pessoa ajudando um necessitado. Alguém faz uma gentileza aqui. Um assassinato segue em marcha ali. Um animal devora outro num canto. Noutro há uma fera prenha dando a luz. Uma criança joga video-game em seu quarto de apartamento alheia a toda a cidade ao seu redor. Que parte do mundo você quer degustar agora?

Assim como as refeições do estômago, vale observar, para uma alma verdadeiramente saudável uma refeição balanceada é necessária. Ainda que a alimentação siga esse fracionamento exagerado, necessário ao paladar mas artificial ao estômago, os diversos tipos de nutrientes devem ser absorvidos. Ainda que só possamos experiementar este ou aquele aspecto do mundo, da vida, das pessoas, a cada vez, para uma existência saudável e balanceada de tempos em tempos todos os tipos de mundos, verdades e pessoas, devem ser devidamente apreciados.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Quase aos 30

Conversas com amigos na mesa da lanchonete. Falar mal da menina que pegava todo mundo na faculdade e ao mesmo tempo não ficava com ninguém. Sentimentalmente indecisa. E dava toda a atenção do mundo para os homens e não queria ficar perto de nenhuma das outras mulheres. Falar sobre roupas de trabalho. O cara que vai com a gravata estranha. Que não sabe combinar calça com blazer. Sapato com meia. Pessoas que não conseguem experimentar um pouco de formalidade sem reinventar o ridículo. Trabalho. Quais as pendências atuais. Chefes legais. Chefes chatos. Histórias de reuniões sem objetivo. De pessoas com boas frases feitas. De pessoas que não conseguem abrir a boca com sucesso. Piadas. As piadas de sempre. Quais as carreiras presentes na mesa? Engenheiros, advogados, gente de computação, um empresário. Os estereótipos de sempre, sob a forma de piada. Assuntos aleatórios. Música. Música sempre é um assunto aleatório. Cérebro, um artigo que alguém leu na revista nerd da semana passada. Como era mesmo a história daquela menina que beijava todo mundo? A conta. A conta, por favor. E não nos esqueçamos de cantar parabéns à aniversariante. Pode ser na calçada mesmo.

terça-feira, 12 de março de 2013

Plástica

Ela, Célia, já tem uma filha. A menina está quase em idade de prestar vestibular. Se chama Luisa. Célia é divorciada, mas não quer saber de ficar sozinha. Arrumou um novo namorado. Não sem antes fazer plástica nos seios. Aproveitou as férias, período em que está longe dos comentários do trabalho e em que é possível repousar. Mas a vaidade não se conteve já ao primeiro telefonema com a secretária amiga dela. Não, contava Célia, não fui viajar não porque fiz uma operação, estou bem, é coisa de estética. Coisa de estética, ela diz, plástica nos seios, pensa a outra. E a fofoca se espalha. Confiante e de namorado novo, Célia agora não quer que a filha faça apenas engenharia civil, quer que faça arquitetura ou teatro, quer a ela uma vida de prazer artístico, pois descobrir que todos os prazeres da vida são assim, meio artísticos. Era como se a filha, derivação sua, obra sua, tivesse também seios novos, uma nova alma, mais acabada, mais perfeita, mais capaz e mais merecedora. A filha não conectava as duas coisas. Imaginava a mãe como vítima de uma loucura meio genérica, dessas que acometem as mães em tantos momentos inescapáveis. Seguiu com a vontade anterior de fazer engenharia civil. Inconformada, lá foi a mãe, ela própria, estudar teatro. Trabalhava durante o dia e dividia o tempo livre entre o teatro e o novo namoro. Sérgio, o namorado, trabalhava em um escritório de investigação de dados contábeis. Caçava gente que de um jeito ou de outro desvia dinheiro para si sem matar ninguém, sem roubar nada material, gatunamente, mas ainda assim ilicitamente. Estava enciumado. De repente a namorada, uma mulher já séria, adulta, fazendo teatro? Andando com aqueles jovens todos com os hormônios à flor da pele? Não era aceitável. Não era possível. Não era lógico. Deu um basta naquilo tudo, um esporro cheio de autoridade masculina selvagem, à moda das cavernas. Célia não se abalou. Olhou para ele, nos olhos, e decretou: você precisa de seios novos.

segunda-feira, 4 de março de 2013

O sentido da frase


Eu achei que ela era uma escritora com alma de escritora. Resolvi perturbá-la, criar uma situação dessas estranhas, dessas que se pode perturbar e ver o que acontece. Escrevi para ela, algumas vezes, como se eu estivesse bêbado. Um bêbado que, contudo, escreve sem erros de digitação e com frases estruturadas. Ela deveria ter desconfiado que eu nunca estive bêbado de outra coisa se não um desespero por conversas inusitadas. Ela, embora escreva sempre fingindo uma sensibilidade para situações e amores e tudo o mais, não tem o sentido da frase. A acuso assim porque ela se recusou a conversar com alguém que se dizia bêbado? Sim, exatamente. Conversar pela internet. Trocar e-mails. Não há bafos, não há riscos. E, minimamente mais inteligente, deveria ter percebido que eu nunca colocara uma gota de álcool goela abaixo. Triste. Fiquei triste, desapontado. Não com ela em particular, mas um pouco desapontado com a humanidade. As pessoas carecem de um certo desejo de comunicação. De uma certa curiosidade pelo ser humano. Muitas vezes o lado humano das pessoas ao nosso redor é aparência. Uma vontade de auto-promoção anunciando-se como uma pessoa boa. Veja como eu sou sensível! Veja como eu percebo as belezas do amor, das pessoas, dos velhinhos conversando na praça! Besteira. Pessoas de verdade, interessadas no mundo para além dessa postura falsa, não dispensam uma boa conversa. Especialmente uma que se anuncie com rumos inesperados.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Gramática


- Sardade doce.

- Eu também... doce sardade docê!