segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Foto #186

183

Podia ser uma história de Nelson Rodrigues

Eles dizem se amar. Mas há alguns anos decidiram que não haveria nada sério entre eles. Encontram-se causalmente. Riem, se beijam e conversam. Aos olhos do mundo moderno é, sem dúvida, um relacionamento perfeito. Nenhum grande sofrimento. Mas ela tem um namorado. E ele tem uma namorada. Com seus pares oficiais dividem ainda mais: dividem tudo de ruim que há na vida. Dividem o mau humor. Dividem os xingamentos. Dividem o peso metálico das pequenas irritações cotidianas.

Atratores estranhos

A ignorância é auto-catalítica. Quanto mais ignorante, mais refratário se é às coisas que reduziriam a ignorância.

O último dia

Já há cinco anos era esse vai e vem da UTI. Às vezes ele lembrava quem era. Só às vezes. Na maioria dos dias não reconhecia os netos. Os filhos. A esposa.
- Sou eu, lembra? Sua mulher! - dizia ela com um brilho condescendente e doce nos olhos.
E ele olhava de volta. Um silêncio consternado. Quase em estado de choque. Parecia nem mesmo saber que era casado.
Agora todos em volta do caixão. Todos pensam que é melhor assim. Mas todos sentem a perda. A confirmação de algo que veio se perdendo gradualmente com o tempo. Sim: acabou o sofrimento. Mas agora a certeza de que ele não vai mais voltar, de que não reconhecerá ninguém mais nem mesmo por um segundo sequer... A dor de uma certeza se impondo para além de qualquer esperança.

Finalidade

A areia do mar já foi uma montanha. Que se ergueu por força tectônicas. E que foi erodida pelo vento. Pela chuva. Os átomos que estão em uma planta hoje, ou adubando a terra, ou constituindo esse lanche que está aqui ao lado num pratinho, já podem ter pertencido ao fígado de um tiranossauro. Ciclos. Mas o que são as pessoas nesses ciclos? O que são nossas coisas? Essa mesa vai apodrecer. Quem vai saber que existi? As grandes coisas. As grandes descobertas. Quem descobriu a roda, quem descobriu a matemática, quem afinou a música... Essas pessoas podem não ser lembradas mas suas obras permanecem. Pra que serve este café? Pra me manter acordado em uma noite inútil. Não vou mudar a fome mundial. A poluição global. O nível dos oceanos. O déficit de educação do meu país. Essas palavras, agora digitais, apodrecerão num lapso instantâneo qualquer. E ainda assim eu aqui, sozinho, sinto qualquer prazer. Essa descoberta estranha de que a existência é o convívio de dois modos distintos: uma ligação com o futuro e um desfrute do presente.

Existir

Eu escrevia e escrevia e escrevia. Mas nem por isso sentia existir. Escrevia como quem canta em um quarto fechado. Escrevia como quem pedala apenas uma bicicleta ergométrica. Sem sair do lugar. Escrevia e escrevia e escrevia. Até que ela disse:
-Se precisar de uma leitora, estou disponível.
Senti voltar a existir.

Paulistas expatriados

Muita gente queria que o Brasil fosse separado. E é uma gente burra. Dentre outras coisas, porque não percebe que o Brasil já está separado: os paulistas e o resto. Paulistando andando pelo Brasil não é a mesma coisa que um brasileiro andando pelo Brasil. Paulistando anandao pelo Brasil é algo como um aristocrata inglês descobrindo tribos na Polinésia. Ou ao menos é assim que ele se sente. E tem em si o que de pior havia nos conquistadores das navegações. Quer comer toda mulher gostosa que vê, gostaria de jogar à fogueira todas as barangas. Desrespeita todos os costumes locais e julga todas as diferenças como um erro grosseiro. Como é que pode estacionarem o carro assim? Vinte minutos pra fazer um pastel? Afe, que música escrota, vamos procurar um barzinho decente! Reclama dos problemas econômicos do país. Mas continua pagando trinta reais numa promoção de hamburger fast food com guaraná últra açucarado. E acha caro cobrarem cinco reais por meio litro de suco natural à beira da praia. Ou por uma comida caseira que lhe é servida em mãos. Que, aliás, demorou porque estavam preparando com capricho. Que, aliás, é perda de tempo. Como esperar que os paulistas se misturem com o resto do país. Perda de tempo.

Relógio biológico

Tem um galo aqui no vizinho. Isso que dá eu resolver morar tão longe. Tem um galo que não sabe a hora certa de cantar. Uma e trinta e quatro da madrugada e o bicho lá se esgoelando. Criatura maluca!

Rotina

A gente sempre brincou que minha filha era preguiçosa. As crianças iam correr e ela cansava primeiro. Ficava ofegante. Mas normal, eu também não sou nenhum atleta, né? Aí uma vez fui com ela fazer alguns exames. Descobrimos um problema no coração. Uma pele num músculo, uma válvula, eu não sei explicar. Não entendo nada disso. Mas entendo que coração é sério. E falamos com um monte de médicos. Fizemos um monte de exames. E a gente estava desesperado. Sabe, ela vinha ficando mais e mais cansada, por isso tínhamos ido fazer os exames. E a coisa estava de um jeito que, se ela não operasse logo, ia acabar ficando tão cansada que ia dormir e não ia acordar mais. Porra cara, minha filha! Dez anos a menina! Cê tem que ver os desenhos dela, ela faz um gibi, um gibi inteiro... Ela conta as histórias, sabe? E falei com os melhores médicos que achei. Fui falar com o melhor da cidade. Uma grana. Dois carros embora, dane-se. Era minha menina. O cara explicou tudo. Como iriam fazer. Disse que só era uma operação perigosa em caso de outras fraquesas. Gente idosa, ou outras doenças concomitantes. Sempre há um risco, mas ele estava confiante. Daí no dia da operação, putz... Era pra demorar três horas. E seis horas e eu lá, sentado naquela cadeira. Levantava. Água. Sentava. TV. Celular, olhava pra parede, não sabia onde me enfiar. Ele tinha dito, explicado tudo. Ele falou: "Faço isso há vinte anos. Não saio da sala de operações até o final do trabalho, não adianta. Ficar dando notícias para a família no meio do trabalho só atrapalha. Então eu não vou sair até terminar, e peço para não se preocupar com isso, é o meu modo de trabalhar." Mas porra, minha menina tava lá dentro, depois daquela porta, de peito aberto. De peito aberto, imagina? Passaram a faca e estavam mexendo no coração dela. Eu queria entrar e mandar fechar logo e me devolverem ela. Eu não dormia mas não era sono. Nem sei falar como eu estava. Aí a porta abriu. Aí o cara sai de lá olhando pra mim e o filho da puta fala, todo sério, "Tivemos alguma dificuldade, alguns contratempos", e daí depois manda: "mas deu tudo certo, ela está anestesiada, estão terminando de fazer os pontos e logo ela vai correr com fôlego!". Porra, meu... Caralho! Eu não sabia se xingava o cara ou se abraçava ele. Chorei ali em pé, soluçando. Ele quase me matou de susto, que papo é esse de "tivemos dificuldades"? Mas depois falou que conseguiu, ele conseguiu! Eu sempre sofri por ser um pai distante, ficar meses fora de casa. Mas valeu para juntar cada centavo que usei pra pagar esse cara, essa operação. Eu estava tremendo, respirando rápido, chorava e ria, soluçava e gaguejava porque tinha achado que podia ter dado tudo errado mas não podia dar nada errado. Aí o cara continua, com a maior normalidade do mundo, de quem faz até três ou quatro dessas operações por dia: "logo vão terminar de fazer os pontos e levá-la ao quarto, eu vou indo pois tenho outra e estou um pouco atrasado, abraço, tchau".

Ideias da madrugada

Quando percebi que não iria dormir resolvi escrever alguma coisa. A cozinha. A cozinha é um bom ambiente. Nada de escritório. Formal demais. A cozinha é um ambiente vivo. E a madrugada, com seus silêncios, exalta a falta de todas as vozes que ao dia ecoam ali. Vou escrever um livro para erumar o mundo.  Argumentos para as pessoas parerem de se odiarem com base em ideias simples e prontas. Um livro para divertir o mundo. Histórias capazes de fazer o leitor rir ainda que sozinho em seu quarto. Ainda que com medo do avião prestes a decolar. Um livro para mudar o mundo. Ensinar os princípios de história, física e matemática de um modo tão estimulante que a mente leitora será, ao final, capaz de criar coisas novas. Coisas ainda nunca sonhadas, nunca pensadas. Investigar a natureza escondida da existência. Se bem que, neste silêncio todo, só aqui com o barulhinho dos teclados e o barulho distante de um ou outro carro perdido na madrugada, já tá dando um soninho bom...

Insônia

Águas e alagamentos. Sol e aridez. Café e leite. Café com leite. Livros velhos. Literatura de cordel.Pernas. Mordidas. Cheiros. Lembranças. Calçadas. Desconhecidos. Frevo. Fervo. O homem foi até a Lua e voltou triste, lá não haviam souvenirs, nem parques para passear, uma tristeza. Um filhote de gatinho perdido na noite. A mãe foi atropelada. Miau, miau. Potinhos velhos de margarina com leite já azedando. Humanos preocupados. Um mendigo que tem tortos os poucos dentes que lhe restam. Um trocado, uma ajuda? Não, nada. E noventa reais mais tarde num restaurante onde todos saem quase vomitando de tanto comer. Empanturrados. Humanidade podre. Jesus volta como mendigo para testar quem tem um coração bom. Li uma historia assim em um Gibi quando era criança. Comerciantes que atendem de má vontade. E reclamam da crise. Água numa parte do país. Seca em outra parte. Dinheiro em uns bolsos. Pobreza em calças furadas. Calor em alguns corações. Invejas de outras vidas. Inveja da minha vida. Preso demais em mim mesmo. Solto demais em mim mesmo. Onde estou? Como vim parar aqui? Embarque. Desembarque. Embarque. Desembarque. O que enxergam essas pessoas com olhar de raios X? Raios A, B, C... Raios letrados. Raios poéticos. Raios rimados. Raios. Que sono! Raios!

Parabéns

É hoje. Seu aniversário. Há anos nos falamos pela última vez. Nunca fomos mais que um talvez. Mas eu lembro. Sempre lembro. Parabéns.

Nomes

Eu tinha pressa. Deveria solicitar à funcionária apropriada que inserisse as informações no sistema. Aproxime-me da sala dela. Ela estava de costas para mim e eu podia ver, na tela de seu computador, um filme. Ela tinha fones no ouvido. E estava com a cabeça caída de lado. Ou era uma posição de extremo relaxamento ou então havia, de fato, dormido diante da distração. Eu não tinha acesso direto: dado o caráter restrito daquele departamento, a porta permanecia trancada e a tal funcionária deveria liberar meu acesso apertando um botão. Toquei a campainha. Nada. Bati na porta. Nada. Falei em tom razoavelmente mais elevado. Ô moça, oi! Nada. Intensifiquei minhas atitudes tanto quanto possível evitando, apenas, o limiar a partir do qual eu seria identificado como vândalo ameaçador. Nada. Até que uma outra moça, funcionária da sala ao lado, apareceu. Liberou meu acesso e acordou sua colega. Já sentado de frente à ela, sendo atendido, fui forçado a conter o riso ao ver o nome em seu crachá: Sonilda.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Invisível

Vi uma mendiga na porta da padaria.
Vi um fazendeiro à minha frente.
Fila do caixa.
Café da manhã.
Pão na chapa
Café com leite
Um suco de manga
Um doce
Uma sobremesa
Um chocolatinho
Um dois vinte trinta reais
Fazendeiro sai
Mendiga fala
Oi teria um troc...
Fazendeiro segue andando
Não olha ao lado
Olha para frente
Não olha para dentro
Não olha para o céu
Não olha para nada
Segue andando movido pela inércia de toneladas de cultura escrota
Mendiga fala
Afe, o que foi que eu lhe fiz?
O que foi que ela fez?
O que foi que ele fez?
Negou moeda
Seu direito
Negou olhar
Negou ouvidos
Negou humanidade
Amor
Atenção
Não há mesquinhez maior
Do que se negar a dar
Aquilo que, ao dar, não se perde
Entendo que há lógica profunda
Nas coisas do acaso
Que a aridez de todas as terras de fora
Começou na aridez de todas as coisas de dentro

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Rio de Janeiro Falso

Não há corcovado.
Mas há um Cristo lá em cima no horizonte.
Não há Copacabana
Mas há um lago. Famílias passeiam no fim da tarde.
Não há Guanabara.
Mas há um horizonte.
Que continua lindo.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Foto #185

228

Calçadas

Faz tempo já. Quanto? Quarenta? Sessenta anos? Qualquer coisa assim. Não tinha essas músicas de hoje em dia. Não tinha todo mundo com esses telefones na mão. E ninguém tinha carro, moto. Os passeios eram aqui na cidade mesmo. E as pessoas saiam para namorar. Tinha a calçada de quem ainda não tinha ninguém. Os rapazes ficavam encostados ao muro, conversando. As meninas passavam com as amigas, de mãos dadas. Trocavam olhares. Cruzar o olhar uma segunda vez já era uma grande conquista, conquistada com grande euforia e ansiedade. Mas tem tempo já. Hoje os tempos são outros.

Tudo ao mesmo tempo

Acordo. Ligar o gás para a água esquentar. Achar a toalha. A toalha está misturada com a dos outros. Maldita empregada. Achar minha roupa. Minha roupa está dobrada, passada. Bendita empregada. Leite com nescafé com nescau. Água. Banho. Roupas, pentear cabelo. Barba. Tênis. Chaves do carro. Fechar as janelas. E se chove? Agenda do dia. Telefone. Baterias carregadas? E o carregador? Elevador. Carro. Trânsito. Café da manhã. A mensagem dela. O que ela quis dizer? Pão na chapa. Como está meu pai? Operou? Chego atrasado. Relatórios. Planilhas. Calor. Controle remoto do ar condicionado. Pés cansados. Lesões por Esforços Repetitivos, ginástica laboral. Meus amigos se reuniram, eu não fui. Recebo fotos pelo WhatsApp. O David Bowie morreu. Eu por minha vez já vivi 41% da minha vida caso o meu destino se atenha às médias. Números. Formatação. Os livros que não estou lendo hoje. O Windows quer atualizar. Justo agora? Acabou o café. Almoço. Nota fiscal com CNPJ da empresa. Como está minha mãe? Faz tempo que não ligo para ela. O El Niño está babunçando as chuvas da região. Tem fazendeiro perdendo tudo. Os turistas jogando garrafas nas praias. E o novo contrato? E minha irmã? Preciso fazer alguns cursos... Quais escolas tem o melhor preço? Ainda não recebi meu cronograma para o mês que vem. Preciso saber as datas, comprar as passagens. Parei de tocar. As aulas de música. Minhas distrações. Preciso correr. O Dráusio Varella diz que faz bem ao coração, ao corpo. Se eu não começar logo a correr, talvez já tenha vivido 67% da minha vida. Será que desliguei o gás depois do banho? Ajudar lá no galpão, empurrar as coisas, carregar caixas. Enviar os relatórios. Não conferi todos os números. Qual restaurante tem a melhor pizza? Quero dormir. Oito horas de sono. Dráusio, o que é melhor? Correr ou manter o sono em dia? Uma coisa por vez. Terminar as planilhas. Ligar para minha mãe. Falar com o meu pai. Atualizar o Windows de novo. Carregar o celular. Abastecer o carro. Comprar filtros de café. Pedir a nota com CNPJ. Uma coisa de cada vez, uma coisa de cada vez!

domingo, 10 de janeiro de 2016

Choro

Era início da noite. Hora das mães darem às crianças comidas gostosas e broncas por modos inapropriados ou escolhas erradas de cardápio. Mas minha mãe chorava sentada na beirada da cama. O quarto escuro. A noite já escura demais. Não digo que chorava copiosamente porque nunca entendi essa expressão. Quem quer copiar um choro? E porque justamente um choro intenso inspiraria essa idéia de cópia, como inferiu minha curiosa ignorância acerca do uso dessa problemática expresão. Fiquei ali em pé naquele chão de tacos de madeiras. As ranhuras cheias de poeiras e pulgas escondidas que meu pai matava quando fugiam do calor para se alimentarem de nossas entranhas. Olhei minha mãe e a via soluçar de olhos cerrados. Essa expressão eu entendo. Chorar triste assim vai serrando mesmo. Primeiro os olhos, desce pelo nariz e chega fundo na alma. Uma trinca que se abre. O choro é o terremoto na tectônica da alma.

Eu tinha nove anos. Meu pai, com seus quarenta e cinco, havia decidido ir embora e assim o fez. Pegou aquele fusca amarelo, colocou em tudo o que era espaço livre suas malas velhas e sacolinhas de mercado cheias das coisas que lhe assegurariam não precisar retornar. Meias. Sapatos tênis e chinelos. Os desodorantes baratinhos de usar no dia-a-dia e aqueles perfurmes um pouco mais caros, de jogar por cima para disfarçar a pobreza dos outros cheiros. As camisas e calças. Bermudas. Livros. O que coube. Uma luminária de lâmpada fluorescente. Uma caixa de ferramenta que o possibilitaria ser útil diante de qualquer emergência doméstica que nunca acontecia. Ele só não tinha uma ferramenta de consertar o choro da minha mãe, que largou ali chorando como a gente joga no canto uma lâmpada que não tem mais jeito. Fique lá ela com seus defeitos que vamos arranjar outra coisa.

Eu não entendi nada disso na época, é claro. Meu pai estava indo para o carro mas ele sempre ia para o carro. Todo dia saia com aquele fusca barulhento que precisava de aceleradas exageradas para não morrer na marcha lenta. Todo dia ele voltava. Quando carregava o carro em exagero era para viagens. Demorava mais, mas voltava também. O que havia de errado?

Ele tinha pressa e pediu para meu irmão ajudar no carregamento das sacolas, malas e caixas. Ainda hoje meu irmão o olha como um agressor que o mutilou. E eu entendo. Porque é de uso comum dizermos "meu pai". E esse "meu" é uma posse. Meu irmão foi obrigado a levar ao carro algo que era posse dele. Foi roubado. Meu pai se transfigurou ali em um assantante que roubou a si próprio do lar ao qual pertencia. Das pessoas que o possuiam. Esse é o dilema insolúvel das separações: ele se pertencia também e, dono de si, bem podia se levar a qualquer canto a qualquer hora.

Sem entender nada disso, até porque as décadas ainda não tinham transcorrido, eu olhava minha mãe se transformar lentamente em lágrimas e soluços. Eu precisava falar algo. Ou fazer alguma coisa. Buscar uma almofada. Fazer um chá. Oferecer benflogin ou biotônico fontoura. Essas coisas todas que os adultos me faziam para induzir melhoras e reforços. Eu não sabia fazer nada disso. Não mexia no fogão e não alcançava o armário dos remédios. Só sobrou falar. Balbuciei incentivos como pude. Mãe, falei, você é como uma formiguinha.

Ela ficou me olhando, um pouco sem saber se devia continuar a chorar. Porque o enigma daquela declaração desconexa roubava suas atenções. O que, embora eu ainda não soubesse, já era um lucro e uma das grandes vantagens das declarações sem sentido imediato. Prossegui tentando dar um sentido àquilo. A formiguinha, expliquei, é muito pequenininha, mas carrega coisas bem pesadas quando precisa. E vai muito longe. E nunca chora. Já viu, mamãe, formiguinha chorando? Eu nunca vi, e já olhei bem de perto.

E aí ela chorou mais. E eu achei que tinha feito tudo errado. Mas ela me abraçou forte, bem forte. E aí eu comecei a aprender que existem vários tipos de choro.

Momento decisivo

O vagão de trem ficou mais de uma hora parado. Ela estava sem dormir, emendando o trabalho da noite anterior com a aula de fotografia de hoje. Iríamos para Paranapiacaba. De repente, começou o desespero. Ela precisava sair dali. As mãos esfriaram, tremendo. Formigação no rosto. Voltamos. Saímos do trem ainda algumas estações antes do destino, pois ela não aguentava mais ficar no trem. Chamamos os pais dela. E chamamos também resgate. Ninguém entendia o que estava acontecendo.

Aí as mãos dela começaram a se contrair novamente, ela começou a reclamar de mais formigação no rosto. Não conseguia falar as palavras direito. Pediu ajuda desesperadamente. Fui acompanhá-la a uma sala próxima, onde havia sombra e alguns banquinhos. Ela se apoiou em mim. Os passos começaram a se enganar quanto a direção correta a seguir. Ela anunciou:

-Acho que vou desmaiar.

E eu apenas disse:

-Pode desmaiar!

Foi como se tirassem as pilhas um brinquedo. Ela desabou na hora. A segurei antes que viesse ao chão e dois seguranças se aproximaram para ajudar.
Em pouco tempo o pai chegou de carro, com a irmã, e a levaram para um hospital.
Fizeram todos os exames possíveis. Coração. Possibilidade de ter havido um AVC. Tudo foi considerado.

A conclusão é de que ela foi vítima de uma epidemia moderna: estresse. Recomendação: trabalhar menos.

sábado, 9 de janeiro de 2016

Inércia

Quinze dias. Só os dois ali, de prontidão. Prontidão contra o que? Não aparecia um crime. Um visitante. Uma emergência. Uma surpresa.
Até que o colega confessa ao outro, em um enorme ato de sinceridade e auto-conhecimento:
-Sabe no que eu estou pensando?
-No que?
-Em nada. Em absolutamente nada!

Geopolítica

Quando eu estava na primeira guerra mundial, não sabia de que lado lutar. Acordava, abria o guarda roupa e escolhia das fardas a mais bem passada. E aí ia para o lado do exército de farda igual. Curioso... Pensando agora, nessa retrospectiva figurinística, quem realmente decidia de que lado da guerra eu ia lutar era minha mulher. Farda tal mais bem passada, luto com os franceses. Farda outra mais bem passada, engomada, luto com os alemães. Não falo francês nem alemão, e isso pouco importava. A gente dava tiro, e tiro é tudo igual não importa em que língua. Ainda hoje fico sem entender como é que os alemães foram perder a guerra se de todos os exércitos que se meteram a besta nessa de brigar eram eles os que tinham as fardas sempre mais bem passadas e engomadas!

Foto #184

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sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Curas

Eu pensava em ir para fora. Fora do país. Ainda penso, na verdade. Mas o tempo está passando, eu não sou mais jovem. Quase sessenta já. E um coração precisando de tratamentos. E um filho pequeno. Quero cuidar dele. Minha filha mais velha diz que eu preciso acertar com ele assim como acertei com ela. E isso tem feito mais bem ao meu coração do que qualquer remédio.

Foto #183

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Claustrofobia social

Trabalho com pessoas ao redor e gosto de pessoas. Mas venho descobrindo uma característica que eu não esperava em mim. Ou que, ao menos, eu não esperava ser assim tão intensa: preciso ficar sozinho. Adeus telefone, comunicações internéticas, pessoas ao redor batendo papo sobre o que quer que seja. Quero ficar em algum lugar sem pessoas nos metros próximos. Em algum lugar em que eu escute meus pensamentos do começo ao fim. Em algum lugar em que não me digam nem idiotices e nem coisas profundas. Porque quero me aprofundar em mim mesmo e para se aprofundar nas profundezas dos outros é sempre preciso cruzar as bordas. Sair à tona. Não quero isso. Não agora. Me sinto fechado. Fechado de mim mesmo, isolado de onde estou. Claustrofobia social.

Aprendi a separar

A mesa estava cheia. Cheia de gente. Cheia de comida. Os garçons apareciam sempre. As risadas apareciam sempre. A ordem do dia era a discontração. Piadas. Brincadeiras. Todos se despedindo do Gustavo. Iria, naquela noite, retornar para sua cidade natal. Mil e quinhentos quilômetros ao sul. Depois de três meses naquela pequena cidade, isolado de tudo o que conhecia até então, nada mais justo. Diante de mim estava Isabel. Sorridente moça dos longos cabelos, esposa de Lucas, a quem fora acompanhar. Que, de repente, resolvei se dirigir à mim puxando assunto e iniciando um monólogo:
-Comecei a ler um livro muito interessante, sabe? Um livro sobre as mulheres alemãs envolvidas com o holocausto, na época da segunda guerra, do nazismo. Sim, porque costumam falar sempre dos homens, e de certo modo eles escondem muita coisa. É um assunto bem tabu pra eles, não é? Mas eu me interesso muito por isso, acho bem interessante, porque acontecia muita coisa horrível. E é difícil imaginar, né? E eu mesma, olha, eu vejo muita coisa horrível. Eu sou assistente social. Eu me formei nessa área, agora estou trabalhando na prefeitura de uma cidade aqui perto. E a gente vê muita coisa horrível. Não é como nesse livro não. A gente não vive um holocausto como no tempo do nazismo, mas vive muita coisa que não dá para entender. A cidade em que atuo já foi uma das mais violentas do país. Ninguém sabe se o que melhorou foi a segurança ou as estatísticas apenas. Outro dia invadiram um apartamento a mão armada e uma grávida, assustada, pulou do segundo andar. Numa rua em que passo todo dia já me acostumei a ouvir tiros. Fiquei tranquila quando soube que os traficantes me conheciam e deixavam eu trabalhar, que nunca mexeriam comigo. Mas fiquei desesperada quando um deles veio me falar que tinha um traficante vindo de fora vender droga ali, e que ele não tinha ido com minha cara e que ia me matar. Daí tentaram me tranquilizar dizendo que já tinham matado ele e eu fiquei uma semana sem dormir. Porque no começo era assim, eu perdia o sono. E contava para o Lucas e ele ficava desesperado falando pra eu parar com isso. Porque era sempre histórias de crianças estupradas pelo pai, pelo tio. Mulher apanhando em casa. Bêbado atirando em bêbado. Velhos abandonados sem ninguém ir visitar por meses. Nem telefonar. Nem atender telefonemas. E eu chegava sempre com essas histórias e isso tudo pesava muito para o Lucas, para a minha família, para os meus amigos. Mas é muito difícil, viu? Com o tempo eu tive que aprender a separar...

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

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Saudade

Saudade dói. É isso. Essa observação que eu preciso fazer agora. Porque dói. Quero falar com você. Saber como foi seu dia. Ouvir sua voz. Sua risada. Dói.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

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Memória

-É melhor você cuidar da sua memória, você não lembra mais nem o que me contou ou não contou na semana passada!
-Sou um engenheiro, lembro de fórmulas genéricas e esqueço os detalhes.... minha memória teve um treinamento meio zoado para áreas não-engenheirísticas. Lembro que é legal te contar coisas, e essa é a fórmula geral. Lembrar do conteúdo de cada história contada não é lá tão relevante porque não altera a fórmula: É sempre legal te contar coisas.

A escuridão que ilumina

Era ano novo e eu estava em uma grande fazenda nas gerais minas do coração brasileiro. Acampar em um belo gramado com um rio limpo correndo ao lado, era esta a proposta. Mas na noite do dia trinta e um fortes ventos e chuvas atrapalharam o conforto daquela noite. Além das poças e sustos, providenciaram também falta de energia elétrica. E agora?

Todos se reuniram na grande casa central. Cômodos amplos, pé direito alto. Cheiro de história. Por conta da nebulosidade que trouxera a chuva não havia luz nem da lua nem das estrelas. Escuridão total. Consideraram acender velas mas, de tanto tempo que não se as usava, custavam a encontrar as poucas que deveriam ter sobrado. Alguém de espírito aventureiro foi o primeiro a propor: deixa assim! Vamos ficar no escuro mesmo! Foi o início de uma noite mágica.

Não haviam rostos. Não havia beleza nem feiura. Não haviam olhares tímidos ou indiscretos. Não haviam branquices nem negruras disputando fosse o que fosse. Foi o encontro de vozes. De histórias. De risadas e ouvidos. De murmuros e espíritos.

Foi a escuridão, densa e impenetrável, que veio provar a todos o quão cegos eram os olhos quando pensavam enxergar.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

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. . . que saudade!

Dos direitos

Cada vez mais eu me convenço de que seguir a risca todas as normas para "agir corretamente" é nada mais nada menos do que um modo perfeito de deixar de existir. Nossa existência consiste em perturbar normas, expectativas e regras.

Morreu no morro

Era meu colega de sala. Não era um desses com quem sempre converso. Mas já havíamos trocados sorrisos e breves ajudas várias vezes. Já dividimos cerveja na mesa do bar. Já comentamos sobre mulheres bonitas e bons empregos. Sonhos de futuros bem sucedidos.

Eu soube ontem. Notícia pela internet. Quando vi a foto dele, não acreditei. Sabia que a situação no morro era terrível. Aqueles morros de tempos em tempos tem problemas de segurança extremos. Talvez ele não tenha se cuidado. Talvez estivesse no lugar errado na hora errada, uma fatalidade. O fato é que está morto. E suas fotos, sempre sorridentes, multiplicam-se na rede, enchem-se de comentários emocionados. Mais uma jovem vítima dos morros. Mais uma morte besta, inexplicável, inaceitável.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Foto #179

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Morte a dois

Deito-me ao lado dela antes de dormir. A televisão está ligada tal qual ela gosta. Resolvo anotar algumas coisas em meu caderninho. Duas ou três palavras para que as ideias não se esqueçam.
-Quer que eu ligue a luminária?
-Não precisa, respondo.
Afinal, para tão poucas palavras a claridade do televisor já é suficiente.
E então escuto o click. A luz da pequena luminária de cabeceira modificando toda a tonalidade do quarto.
Ali, naquele triste instante, eu sabia que não teria como vivermos juntos.

Gosto musical


Tem quem pense que eu sou roqueiro. Eu mesmo já o pensei. E se ainda o penso não é mais com relação ao gosto musical. É quanto a filosofia de vida. Modo de existir. Postura existencial. Mas, roqueiramente confesso, nem sei se o rótulo é correto. Não sei qual é o consenso adotado por aí em torno da palavra "roqueiro". Só que não me importo, e é precisamente nisso que me acho roqueiro. Retornando ao assunto das músicas, o que eu descubro são contrastes.

Posso escutar um Heavy Metal. Angra, talvez. Mas no modo em que mais gosto de utilizar minha playsit, que é o aleatório, não tem como suspeitar do que vem depois. Pode ser um pesado "That I never had", de Ozzy Osbourne, sem levantar suspeitas nenhuma quanto à minha roqueirice. Mas pode ser também um incrível violão e voz de Michael Hedges, uma profunda trilha sonora de Danny Elfman de qualquer um dos filmes que ele musicou, uma versão de Eleanor Rigby no melhor estilo chorinho (de Hamilton de Holanda), a Suíte da Noite Estrelada, no incrível piano de Elisa Meyer Ferreira ou um chorinho tocado pelo Choro das 3 com a família toda... A família e a família extendida, por assim dizer, o que inclui amigos, outros compositores, etc... E depois vem Bluette, de Dave Brubeck. Teatro Mágico. Boi Pirilampo. Corrs. Móveis Coloniais de Acajú. Fica mais um pouco amor, de Adoniran Barbosa. Sher, o doce klezmer de Giora Fiedman. Jamiroquai. O som tradicionalíssimo de Ibrahim Ferrer. O groove arranhado de Betty Davis. O som reflexivo de Coldplay. E escuto coisas pops ou bregas ou raras ou velhas ou clássicas ou tradicionais. Brahms, Língua de Trapo, Madredeus, Caetano, Eddie Danniels, Gospel, Vivaldi... Paula Fernandes, Lorde, Sia, Duke Ellington, Chiquinha Gonzaga, Irene Portela, Silvio Caldas, Altamiro Carrilho, Ceumar...

Então qual é o sentido de eu me dizer roqueiro por ouvir Angra, Aerosmith, Guns n' Roses, Evanescence, Ozzy, Gammaray, Helloween, Blind Guardian, Bruce Dickinson, Iron Maiden, Nightwish e Savatage?

Acabo descobrindo que, no fundo, o que eu não gosto é de um crachá no peito, camisa de força da alma... E, seja o estilo qual for, não aguento um dia inteiro do mesmo som. Que os dias tenham tantos sons quanto o espírito tem humores. Gosto de varandas. De calçadas largas. Não gosto de janelas fechadas. Não gosto da claustrofobia do estilo.

Relendo, vi que esse texto não explicou absolutamente nada sobre o que se propunha, meu gosto musical. E vi também que assim basta.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Agroboy

Sua profição: herdeiro. Sempre teve conforto. Não precisou acordar cedo como os pais. Carregar peso. Dominar os segredos do machado, da pá, dos baldes de água e dos arames farpados. Estudou nas capitais. Morou fora do país aprendendo os idiomas dos endinheirados. E hoje suas lavouras estão morrendo. Ele reclama. Culpa do sol. Culpa da chuva. Foram embora. Deixaram-no apenas com seu dinheiro e suas iniciativas. Com nada.

Foto #178

SetimoAndar

Mudanças

O meu irmão é gay. E, cara, quando ele contou para minha família, foi muito difícil. Na boa? Tem gente que fala que essas coisas são escolhas... Que o cara decide ser gay, que é vagabundagem, vadiagem... Se fosse isso, eu te falo, ninguém ia escolher ser gay. E digo mais! Ninguém ia escolher ser preto, pobre, mulher... Porque é mais difícil! Todo mundo ia escolher ser branco, hétero, homem, rico. Porque aí a vida é bem fácil em tudo o que é canto do mundo e ponto final! Mas daí um belo dia meu irmão vira por meu pai e conta que é gay...

Olha, deu um tilt na cabeça do véio. Não foi fácil. Acho que ele pensou em enfiar um berro na goela e puxar o gatilho. E mais de uma vez. Parou com o emprego dele, não conseguia mais trabalhar. Nunca mais voltou pra área dele. Era técnico. Acabou indo pro comércio. Mas deu a volta por cima. E foi tentando entender. Se esforçando. Leu tudo o que podia. E viu que não ia poder ignorar aquilo.

Hoje ele se juntou com a minha mãe e criaram um grupo de apoio. Não para gays, mas para pais com filhos gays. Dão apoio. Contam suas histórias. Dão esclarecimentos. Para pais mais novos é mais fácil. Existe já uma cultura de normalidade. Mas para pais mais velhos muitas vezes é dificílimo! Pensa num pai de quase setenta anos, militar e religioso! Daí o filho vira e fala que é gay! Teve caso de pai prendendo filho em casa, berrando "só sai daí quando parar com essas suas manias!". Teve pai pensando em suicídio também. Enfim, tem de tudo. Uma vez minha mãe abrigou por alguns dias um jovem que tinha contado para a família que era gay. O pai estava transtornado atrás do moleque. Se encontrasse, enchia o moleque de porrada. Daí, pensa... alguém escolhe essas coisas por sem-vergonhice?

sábado, 2 de janeiro de 2016

Foto #177

OuroPreto

Mensageiros

Nos tempos antigos as mensagens iam a cavalo. A pé. De barco. Como dava. Nada dessa coisa instantânea de hoje. Então, vai ver, nossa comunicação não se hostilizou. Na verdade ela se primitivou de algum jeito. Viajou no tempo, indo para trás contra o curso normal do tempo. Por isso é que você só falou comigo dois anos depois. Não acho que seja hora de se desculpar. De eu me desculpar. De ouvir suas explicações e justificativas ou oferecer as minhas. Mas decidi não deixar suas palavras sem resposta. Confesso que meu maior medo era o de me tornar um pouco como você. Desistir de respondê-lo seria, por fim, aceitar essa estranha manifestação da resignação que é a indiferença. Escrevi. Enviei. Entenda como quiser.

Origens

Meu tio me levava nas viagens de caminhão pelo sul. Isso desde que eu tinha uns cinco anos. Meu pai foi do exército. Depois acabou indo trabalhar na inteligência. Por conta disso sempre vivemos muito em mudanças. Morei no nordeste, no sudeste, no norte. Em tudo o que é canto do Brasil. Mas meu pai só acabou no exército porque não conseguiu entrar na aeronáutica. Problema de vista. Porque o negócio dele, mesmo, era pilotar aviões. Um sonho que ele nunca realizou. Então hoje eu junto essas duas paixões. Esse sonho do meu pai, que eu abracei, e minha paixão de infância pelas viagens de caminhão com o meu tio por tudo o que é estrada que você pode imaginar. Então meu sonho é me tornar um piloto de avião cargueiro.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Diagnóstico

Eu mostrei meus diários a ela. Eu contei minhas histórias. Contei os detalhes dos meus passados. É uma experiência sempre profunda. Intensa. E então ela, num acesso de sinceridade, me disse:
-Fica a impressão de que você nunca amou de verdade, de que você ainda não experimentou o amor.

Foto #176

FotoAptoAlojas

Sinceridades de ano novo

Atitude. Levantar da cadeira mesmo quando se está cansado. Ânimo. Se bem que lá se vão vinte horas deste 2016 e vou percebendo os conflitos da vida. Amigos reunidos, o que é bom. Mas nenhum deles tem boas habilidades culinárias, o que é ruim. Calabresa, provolone, pão, cerveja, refrigerante e salgadinhos. O que é dubiamente bom. Internet lenta, o que é bom. Recados que chegam de amigos e familiares queridos, o que é bom também: contradições. Muito sol na rua, o que é bom. Muita preguiça, corpo cansado, ressaca, o que não dá para contornar por algum modo milagroso. No fundo, no fundo, certo está Francis Bacon: a natureza não se vence a não ser quando se lhe obedece. Conhecer melhor a natureza, inclusive a minha, e respeitá-la.