domingo, 26 de dezembro de 2010

Jarro

Confissões inconfessáveis que faço pra mim todos os dias. Todos os dias... Todos os dias nego as coisas que sei que são verdade. As coisas que faço serem verdade. As coisas que gosto que sejam verdade. As coisas que parecem não poder ser verdade. Meus pensamentos não são certos no mundo lá fora, mas são inevitáveis aqui dentro...

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Away

As paixões se instalam uma por vez. Neste coração primeiro. Naquele depois. Nunca junto. Nunca simultâneo. É deste descompasso de amores que padecem os desamados, nunca da ausência completa do amor.

Ele a quisera desmedidamente. Fez planos. Aceitou em paz que se tornaria então um adulto. Adulto de ter a própria casa, as próprias contas, os próprios filhos, a própria história. E ela não o amou. E ela o deixou. A vida, ah! Caprichosa... Não os deixou afastarem-se mais que o necessário para que certas feridas se solidificassem em cicatrizes maquiáveis. Redescobriram-se. Amigos. Amigos... E com o passar do tempo a tranquilidade excessiva dele vai soando aos olhos dela mais e mais como um cotidiano perfeito. Uma companhia desejável. Não era como o namoro em que suas carências a tinham metido. Era... era leve. Era natural.

- Eu te amo, ela disse.

- Duvido!, ele pensou, esbravejando dentro de si. Contra ela e contra a história. E silenciou. E desviou o olhar.

Desejo. Corpos se faltando. Mordidas em orelhas escondidas na escuridão. Umas nas costas. Vozes aquecidas em suspiros graves. Suores misturados.

E não se amam mais. Não ao mesmo tempo.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Sistemas

As pessoas tentam conduzir suas vidas, melhorá-las e alterá-las, como se a vida fosse um Estado. Um estático a ser moldado, talhado.

Mas a vida é um processo. Um processo sem ponto fixo. Em processos, controla-se as características do fluxo, o aspecto das mudanças, e não uma configuração estática, final e inalterável.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Descarte

Talvez uma das grandes razões para a importância da ciência e de sua difusão, em particular, seja o fato de que os homens, caso geral, não pensam. Não são profundamente críticos, não são dados a investigar, não se atrabalham com os cantos todos do interrogar. Assim, tanto melhor que exista um conjunto de tradições de conclusões bem encaminhadas, para as quais se possa olhar como que a um altar, e ao sair dos templos de instrução transcedental não se tenha que fazer nada mais além de seguir aqueles tantos credos cansadamente repetidos e repetidos.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Dor

Hoje quem sabe eu não poderia só morrer um pouco? Só sumir do mundo?

E não correr mais o risco de deixar minha namorada triste por falta de atenção.

E não ser uma falha nesta ou naquela carreira por não saber o que quero da vida.

E não ser mais uma incógnita pra mim mesmo.

Eu sou uma incógnita pra mim mesmo.

E quando os dias passam, indiferentes e impiedosos,

Ao invés de resolver minhas dúvidas, elas engrossam

Empastam, engessam.

Eu sou uma incógnita para mim mesmo.

E quanto mais os dias passam, mais sou esse não ser

É só mais um dia sem ter sido

É só mais uma tentativa não começada

Sou um potencial adormecido

Adormecido em sono profundo

De que valem os potenciais?!

Tudo tem potencial de tudo. Todo assassino é um anjo potencial

Todo deus é um demônio potencial

Todo caderno em branco é na literatura um nobel em potencial

Em minha casa vazia mora uma família feliz, falando potencialmente

Poderia ser você ali na sala brincando com as crianças

Poderiam ser nossas crianças

Mas você não está aqui

Poderia estar, potencialmente está

Mas não está.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Saída

Caminhei pela cidade de dia,
Andando sem parar, nunca parar
Debaixo de Sol, em bairros bonitos
Em bairros feios, favelas
No meio de feiras
Em ruas desertas

Anoiteceu, anoiteceu e continuei andando
E queria sair dali, sair da cidade
E eu raciocinava a direção do norte
E ponderava minhas escolhas de curvas
E continuei andando
E não havia saída.

A cidade, perfeita ou problemática,
Rica ou pobre
A cidade, cenário de todas as possibilidades
Dessa vida que me engole,
Não tem saída.
E eu lá, só andando, e não há saída.

A cidade me engoliu.
Era outro dia já. E eu continuava andando.
Ao leste, andando ao leste sempre ao leste.
Assim de frente encaro o Sol
Lhe cuspo em revolta
Lhe deixo rir de mim,
Como impedir?

Caminhei, caminhei, caminhei
caminhei, caminhei, caminhei
caminhei caminhei caminhei caminhei
caminheicaminheicaminheicaminhei...
Até que a última gota de disposição queimou
Em alguma célula cansada de meus músculos
Caí ajoelhado no coração da cidade,
Na Praça da Sé

E, exausto, não conseguia mais pensar
Onde era o leste, onde era o norte,
O que era o Sol, o que era a Lua
E assim, sem pensar na fuga,
Sem ter na visão da minha mente
A sede do ar livre
Desci para o Parque Dom Pedro
Lá estava, salgada e tranquila,
Do outro lado da rua,
A praia, já do lado de fora
Onde deitei e durmi e acordei queimado e feliz.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Etimológico

O que sou, desisti de mostrar o que sou
Porque exibir meu ser é deixar de sê-lo
Porque mostrar é tirar da caixa
E a caixa sou eu
E o ar de fora me enferruja
E o mar namora na praia uma coruja
Mas ela voa
E voa e vai embora
E daí se a rima é tosca?
Se a imagem não faz sentido?
Se o que eu penso não faz sentido
Se o que sou não faz sentido
Se o que escrevi não faz sentido
Ao menos a coruja e o mar se entendem
E não discutem horários
E não se pedem explicações

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Calmo

Vou virar meu guarda-roupa abaixo, espalhar roupas, lençois e cobertores por todo o quarto. Jogar álcool. Meter fogo em tudo. E sair correndo de casa. Não vou andar pela calçada não. Vou passar por cima dos carros estacionados, pulando de um pro outro. Amaçando o teto, riscando o capô. Aí vou parar no meio de um cruzamento e gritar palavras sem sentido. Os cachorros perdidos da cidade, um a um, vão me acompanhar. Serei o líder de uma matilha de ensandecidos mordedores. Vamos todos sair latindo por aí. Bradando aos balbúcios qualquer coisa. Vamos encarnar o caos que todos sentem resignados dentro de si. Aí vou entrar em uma padaria. Pular pro outro lado do balcão. Comer coxinhas e fatias frias de pizza, uma coisa por cima da outra, sujando a cara. Com a cara dentro da estufa. Os cães todos impedirão que me impeçam! E vou passar por toda a Avenida Paulista sendo seguido por mais de mil cães. E não saberão o que fazer. A polícia não vai atirar, tamanho o surrealismo. Estaremos imunes. Muitos compartilharão em segredo com nossa causa. Vou descer a Consolação. Dois mil cachorros. Vou até praça da Sé. Deitar na escada da catedral. Cercado por dez mil cães ferozes. E vou dormir em paz.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Penumbra

Madrugada. Às vezes o som de um ônibus passando longe. Ele andava pela rua. Olhava sombras. Gatos andando sem maiores preocupações, esquivos. Lixo espalhado. Os barulhos de seus tênis. Seus pensamentos jogados. Aquelas palavras. O emprego errado. Tudo machucava. Tudo perturbava. Pensou em gritar. Alívio? Lua indiferente. Madrugada. Aproximava-se daquela casa. Aquela casa... De manhã, bem cedinho, passando ali em frente ainda antes da cidade acordar, era possível vê-la por entre frestas da cortina acordando, no quarto de cima. As frustrações de sua vida. A dor de uma rejeição tão violenta. O emprego entediante. A madrugada quieta e indiferente. E a casa daquela mulher se aproximando. Ela poderia estar lá. Salvaria o dia, a noite. Salvaria a caminhada. Lhe daria um sono tranquilo. Ver aquelas costas lisas. Aquele sutiã branco de volume perfeito para suas mãos. Aquele cabelo desenhado com ondas perfeitas. Foi se aproximando. Viu a casa ao longe. Apagada. Triste. Neurótico. Não passou em frente à casa. Abriu o portão e entrou. Não fez menção de encoleirar o silêncio; deixou-o fugir a longe! Subiu as escadas com pés pesados de sede. Respirava fôlego tenso. A maçaneta. A luz da lua era cúmplice. Ela já estava acordada, apoiando a cabeça sobre a mão direita, o ombro sobre o travesseiro. Não quebrou o silêncio, só remodelou-o com sussuros.

- Então é você mesmo...

- Sabia que eu viria?

- Não esperava a essa hora. Mas estava destrancado, não estava? Vem... vem!

Quebraram a cama, o segundo andar e o quarteirão.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Blues

Aí tinha aquele garoto que todos pensavam conhecer. Eu vi o jovem numa noite de música e conversa. De blues e mentiras. De gaitas e amores. Quieto num canto, por vezes quase ignorado. Abraçado e olhado noutras. As garotas gostavam dele, ah! Ah gostavam sim. E ele realmente parecia um paspalho abichalhado de tão imune que era aos abraços, aos carinhos, às bundas todas ali por se apalpar.

Enganaram-se porém todos os que foram superficiais no entendimento desse ostracismo. Ele estava de luto. Estava de luto de si. Havia um eu morto dentro de si. Morto a cada dia. E ele velava. Chegava em casa. Deitava no teto da sala e olhava para as coisas todas incrédulo. Incompreensível essa mania de apego ao chão. O chão não serve para nada. O chão não lhe servia para nada.

Diziam que ele não tinha tanto assunto. Ele ficava quieto engolindo todos os assuntos, olhando. Era tudo ao mesmo tempo na cabeça dele. O violão. A gaita. O zelador reclamando fazia parte da música que ele ouvia. O refrão seria outro completamente outro se a cerveja não se derrubasse ao tapete. A ficção mudaria de gosto se aqueles romances todos não se fizessem e desfizessem assim quase desnudos diante de seus olhos.

Achavam que ele às vezes se isolava e não fazia parte de nada, quieto num canto. Mergulhado em seu mundo, sabia que um mundo era um só. Fazia parte de tudo.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Você

Você me enxerga. Eu me escondo. Atrás da pedra. Você olha. E me vê. E não vê a pedra. Eu tenho olhos verdes. Verdes claros. Verde forte, fosforecente. Verde criptonita. Radioativo. E estou triste. E você me olha. E vê cinza. E vê escuro. E ninguém mais vê. Você me toca. Me toca com sede. Me toca tentando trocar nossos corpos. Aperta. Marca. Arranha. Sangra. Engole. Você é doce. É risonha. É linda. É séria. É mulher. É gostosa. Você me provoca. Você me desperta. Você me deseja. Você me faz te desejar. Você desnuda meu corpo, meus segredos, minhas mentiras, minhas dúvidas. Você é presente. Você é errada. Você é novidade. Você quebra todos os padrões das minhas caretices tuberculósicas que tossem conveniências repetitivas por aí. E não traz padrões novos. Traz tela. Traz tinta. Não traz pincel. Convida a pintar com a mão. Com os pés. Com a cara. Você é ilícita. Você é proibida. Você é diferente. Você é corrosiva. Você é perigosa. Você é irrecomendável. Você é inusitada. Você é exótica. Você é possessiva. Você é ciumenta. Você é carinhosa. Você é problemática. Você é irresistível.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Noites turvas

Li as Noites Brancas e saí pra passear ao lado de um belo riacho.

Margem calçada de pedras velhas e ásperas.

Tinha a mão direita entrelaçada à mão de uma Nástienhka imaginária.

Tão material em mim que a mão esquentava.

Olhei ao horizonte, o Sol brincando de jogar as sombras lá longe.

Eu brincando de jogar o impossível mais perto.

E a Nástienhka ria. Imaginária e ria, desobediente, malandra que era. Um encanto.

Sem menos ou mais, ela tropeçou. Uma pedra ou um musgo a abalar o equilíbrio da mulher.

Caiu com a testa numa pedra pontuda.

Sangrava, eu a agitando em meus braços, aos gritos e soluços, desesperado.

Numa mesa de bar logo ali na esquina ria o próprio Dostoiévski a dar de ombros:

- Esse aí não cuida nem de um draminha curtinho, é novato!

O Camus, no bar da outra esquina, é que achou o máximo. Vibrou, até!

E virava outra vodka, batendo o copo na mesa.

O sol estava circulando o horizonte, que ir por cima de tudo de leste a oeste já lhe era monótono.

As sombras faziam círculos em volta das coisas. O sangue escorria da testa da minha Nástienkha, fugindo de sua sombra.

Veio a mão ao meu ombro, quase acusando. Virei-me.

A Nástienkha, em pé, brava a me olhar condenando de todas as formas silenciosas que se têm para condenar.

A Nástienkha, em meus braços, morrendo por um pequeno deslize, falta de cuidado meu? Fatalidade? Imperícia de meus socorros?

Por uma eu chorava. Da outra eu tinha raiva e queria gritar para ela me deixar em paz, que não era culpa minha.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A escrita

A escrita é uma introspecção que se deixa bisbilhotar.

Se não for, perdoe o equívoco, eu estava apenas aqui pensando comigo mesmo...