quarta-feira, 29 de julho de 2020
No trabalho
sexta-feira, 24 de julho de 2020
Pão
sexta-feira, 3 de janeiro de 2020
Corifeu
Para ela, bastaram três pirralhos de bicicleta. Disseram estar armados. E com que força ela constestaria tamanha afronta? Suas mãos cederam antes que seus medos se soubessem ali. Um reflexo mecânico. Como quando a gente acha no chão os chinelos, logo pela manhã, e logo depois nem se lembra bem como foi que acordou. Os músculos despertam antes da mente. As mãos entregaram a mochila e o celular antes que o pavor se permitisse existir. Mas ele se permitiu. E ela não andou mais por aquelas ruas. E se escondia atrás da porta trancada, no apartamento. E palpitava de suores quando passos soavam atrás dos seus em qualquer calçada que fosse.
Pobre menina. Assim tão jovem e foram lhe roubar a mochila, o celular e a vida.
sexta-feira, 15 de novembro de 2019
Sky
segunda-feira, 2 de setembro de 2019
Desesperado
quadril preciso, sorriso perfeito.
Mas onde está ela?
Olhos verdes, loira fatal.
Vestido fino, quase transparente.
Mas onde está ela?
Carinhosa, toque aveludado.
Mordida provocante.
Mas onde está ELA?
Tantas outras.
Tantas nenhumas...
sábado, 31 de agosto de 2019
Mãe
Leite quente.
Café e aquela fumacinha de vapor indiferente a tudo, subindo, calma que dá inveja.
Azuleijos frios.
Barulho de metal contra a porcelana. Colherinha mexendo, girando, girando, girando, girando...
E ela gritava tantas coisas por dentro. Sofria o marido tê-la deixado.
Os filhos não compreenderem nada. Sofria a irmã controlar sua vida...
Sofria a casa gigante estar velha e caindo pelos cantos
pintura
telhado
goteiras
janelas
poeira
bagunça
ratos
E gritava, e gritava por dentro, músculos rígidos, berro de cançar pulmões, diafragma, até as pernas se cansavam, de tanto berrar!
Metal contra a porcelana, girando, girando, girando... Lá fora, só se ouvia isso.
quarta-feira, 14 de agosto de 2019
Deprimido
Vão se esvaziando todas as atividades, as ocupações.
E meus desânimos desincentivam minhas forças.
E minhas forças se minguam tristes.
E meus silêncios se emparedam.
E minhas paredes esfriam.
E meus rins se cansam.
Meus pulmões param.
Meu ar cessa.
Morro.
Não há muita poesia numa vida de dúvidas.
E minhas dúvidas engessam meus dias.
Nada acontece, há anos.
Os dias pararam.
Estou parado.
Estático.
Parado.
Outro dia quis ter outra vida,
Uma vida diferente dessa,
Uma vida com ânimos.
Uma vida de risos.
Existência feliz.
Sorrir sempre.
Olhar bom.
Feliz
A depressão é assim funda
Funda e imunda e suja
E pegajosa e oca
e infinita
pra baixo
f
u
n
d
o
segunda-feira, 21 de maio de 2018
Foi assim
- Finalmente eu fui conhece-la!
- É mesmo? Não acredito! E aí?
- Ela é linda, linda! E tão, tão... tão interessante!
- E o que aconteceu, me conta!
- Então, conversamos pouco, eu estava tímido, sabe, sei lá, leve, por um lado, e tímido por outro; duas coisas que deixam a gente quieto.
- Ué, então não conversaram muito?
- Na verdade não, porque ela tinha que trabalhar. Mas rascunhamos algumas perguntas sobre as nossas vidas, nos olhamos...
- E depois?
- Depois os anos se passaram, cada um vivendo sua vida no seu canto. Depois um morreu. Depois morreu o outro.
terça-feira, 21 de novembro de 2017
Fisiologia política
Vendo o que acontece em São Paulo só posso concluir uma coisa: empatia e ética são funções orgânicas que, nos políticos, dependem de água para funcionar direito.
sábado, 23 de setembro de 2017
O riso
Ela faz o sinal da cruz toda vez que passa em frente a uma igreja. Tem dessas proximidades gestuais com o divino.
E ontem conversávamos nós três. Eu, ela e um amigo carioca. O amigo havia sido roubado. Aqui em São Paulo mesmo. Furtaram o celular dele em algum momento de distração.
- Ah rapá, mas se fosse lá no Rio... Lá não ficava assim não. Tenho um amigo que é do BOPE... era ir atrás do moleque, colocar as mãos na calçada e enfiar um chumbo em cada uma! Queria ver ele roubar de novo.
E ela riu, sonhando com um mundo em que as balas fizessem a devida justiça.
O que Deus responderia para ela após cada sinal da cruz, se existisse?
quinta-feira, 21 de setembro de 2017
Notas de um explorador em campo
Fui para a África desbravar desconhecimentos e surpreendices. Descobri que sob miragens das mais belas se escondia um grande e árido deserto.
E, continuando a onda de revoluções científicas, descobri que os ventos cruzam o Atlântico não só de leste para oeste mas também na direção oposta, distribuindo chuvas ao longo dessa que se chama, nome apropriado, Zona de Convergência Inter Tropical (ou ITCZ, em inglês).
A melhor parte é quando esses bons ventos se condensam e a aridez dá lugar a esse doce cheiro de chuva, que nos enchem de sorrisos. Como se a natureza abraçasse a gente tão apertado, tão de perto, que é difícil acreditar que tudo partiu de tão longe.
domingo, 26 de março de 2017
Raízes
- É como as raízes das árvores, sabe? Se a árvore cresce em uma encosta, torta, então ela precisa se retorcer toda pra acabar virando uma árvore reta. Depois, não é mais possível tirar essa árvore e colocar em um chão plano, achando que ela vai virar uma árvore reta como as outras. Eu tenho as minhas histórias. Eu tenho as minhas feridas. Faço o melhor para me tornar uma árvore reta. Mas tenho minha história. Posso fazer o melhor daqui pra frente. Mas vai sempre existir uma parte torta no tronco.
terça-feira, 21 de fevereiro de 2017
Fotos de despedida
Foi bom ficar atrás das lentes. A concentração no trabalho de fotografar me distraiu das verdades que aconteciam ali. Treze anos frequentando o mesmo lugar. Trabalhando ao lado daquelas pessoas. Muitas vezes viajamos juntos. Agora era a despedida. Um bolo. Salgadinhos. Refrigerante e chocolates. Mas não pensei em nada disso. Pensava apenas em enquadrar as pessoas sem cortar partes de rosto, cabeça ou braços. Porque foi assim o tempo todo: concentrado em cada trabalho que tive que fazer ali, nem vi o tempo passar.
sexta-feira, 27 de maio de 2016
Vulnerável
Descobri na prática o que todo brasileiro já sabe. Posso ser roubado. De repente eu chego em casa e minha televisão não é mais minha. Saiu por aí sem dar notícias. Meu computador se foi. E com ele meus textos, ideias, meus arquivos baixados. Músicas e filmes que eram tão meus. Felizmente meus livros sobreviveram. Ou infelizmente: me dou conta, no meio de um alívio até então reconfortante, que os ladrões não se interessam a mínima pelos meus títulos. Já tem um tempo mas, desde então, vivo com medo. Quero colocar trancas em tudo. Quero levar minhas coisas comigo. Neurótico. Não deixo nada em casa. O carregador do celular. A máquina fotográfica. Vai tudo comigo. Como se não pudessem me roubar na rua. Como se, no caso de roubo, fizesse sentido poder dar um último adeus.
segunda-feira, 20 de abril de 2015
Cadê a água?
Ele vai montar um novo negócio, e vai ser lá no terreno novo que comprou, próximo à chácara dos sogros. Decidiu furar um poço, para não gastar exageradamente com água. Furou, furou e furou. Achou que iria gastar dez mil reais. Furou, furou e furou. Nada de água. Furou, furou e furou. Já se foram trinta mil reais. E nada de água. Nossos sonhos também estão secando.
sábado, 14 de fevereiro de 2015
Contabilidades
Claro meu amigo, claro. A SABESP não pode fazer um projeto que dê prejuízo. Ela precisa fazer os projetos que mais dêem lucro. Mas e a água? Qual é a prioridade de fornecimento de água para as pessoas? Não tenho nada contra os lucros financeiros, em si. Mas quando vejo que o princípio do lucro está acima da importância de fornecer água às pessoas, então sou forçado a achar que suas contas não fecharão nunca, não importa o tamanho do lucro.