segunda-feira, 20 de julho de 2020
Das amarras
domingo, 19 de julho de 2020
Pedido
- Você quer com vida ou sem vida?
- Depende... onde eu encontro você?
- Fico sentado na beirada das reticências só esperando para cair, sempre.
- Faz assim então, desse jeito mesmo, que eu me jogo atrás e caio com você até o fim da página.
terça-feira, 15 de outubro de 2019
sábado, 17 de agosto de 2019
Dos espelhos
- Fico nervosa quando penso que vou falar para alguém que sabe mais que eu.
Combinamos que ela me enviaria áudios pelo WhatsApp, para praticar.
E nunca mandou. E se passou um dia, uma semana, um ano.
E eu insistindo, insistindo. Passei o último mês escrevendo para ela todos os dias, explicando que não importa o conteúdo, importa que ela vença essa barreira que a faz paralisada quando ela tem, sim, algo a dizer. Esse perfeccionismo que a transforma em silêncios.
Briguei e insisti e fui claro: desse jeito, sem chances. Expliquei tudo de trás pra frente, de frente pra trás, de lado e em cores diferentes. Até que, finalmente, ela enviou um áudio. Quarenta e dois segundos. E eu não perdoei. Elogiei mas com ironia e sarcasmo ácidos: parabéns! Esse levou só treze meses, quatro dias e duzentos e oito minutos pra chegar! Nosso objetivo é continuar reduzindo o tempo até chegarmos a um minuto ou menos!
À noite, depois do jornal, fui organizar os arquivos do computador. Encontrei esse arquivo, Artista.txt. Que eu havia começado a escrever em 2010 e desde então, nove anos, oito meses, dezessete dias, seiscentos e trinta e quatro minutos depois, nunca mais continuei.
A gente só aprende as lições que ensina.
sexta-feira, 9 de agosto de 2019
Duna
Se eu fizer da minha falta de tema meu tema oficial, em primeiro lugar passarei a ter uma linha de trabalho definida. Porém, inescapavelmente, cairei também em contradição. Eu até posso ser um escritor fajuto sem assunto, mas quando começo a me dar conta disso, corro o risco de arquitetar minha auto-destruição. O que fazer? Desistir de escrever só para curto-circuitar o cérebro no nada? Escolher um assunto, afinal? Se toda mente inquieta do mundo se desse ao trabalho de verbalizar suas inquietudes sem conteúdo, quem se prestaria a ler tudo isso? Já tem muita gente pensando sobre tudo, outras vivendo coisas diferentes, em lugares diferentes e de jeitos diferentes. Bandidos, gênios, heróis, safados. Tem de tudo lá fora. Não posso só sentar aqui e aniquilar-me num simples Nada que observa? Posso... não posso?
domingo, 21 de julho de 2019
Das vozes
Eu amo cantar. Nem sei explicar. Não é um estilo específico. Não é por dinheiro porque não é nem nunca foi meu trabalho. Só lembro que desde criança tinha uns microfones de plástico e ficava cantarolando por aí. Gosto é da mecânica da coisa. De sentir o diafragma forçando o ar pra fora, a voz saindo, ora apaixonada ora revoltada como se eu fosse um deus a parir humores.
Mas quem vive de cantar? Uns poucos sortudos. Filhos de outros cantores que já ganhavam afagos de empresários muito antes de entender o que é uma conta bancária. Ou uns gênios que nasceram prontos sabe-se lá como. Esses caras que tem uma afinação perfeita e cantam óperas e cujas vozes variam vinte oitavas e atingem duzentos decibéis. E eles têm apenas seis anos. Vão a programas de TV e ganham prêmios até as prateleiras não aguentarem mais.
Eu não sou nada disso. Gostava é de ficar fazendo escândalos na sala ou no quarto, me esgoelando. Eu sempre me senti bem cantando, mas de que importa essa introspecção se o resultado objetivo é não lá muito melhor do que uma galinha sob lenta e sádica tortura?
Eu segui para a vida entendendo que minha paixão era uma distração e mergulhei em infinitos conflitos com todas as paixões que me distraíram.
Os estudos, os trabalhos, as coisas sérias. Infinitas coisas sérias. Tudo parece ser mais sério e mais importante e mais urgente que algo que não é mais que uma paixão íntima e pessoal. Mas nada nos falta tanto.
Viajava a trabalho e, claro, não podia ficar me esgoelando nos hotéis, nas reuniões ou nos táxis. Hoje me arrependo amargamente dessa falta de loucura. Esse comedimento que me corroeu a vida pouco a pouco.
Em busca de uma carreira que desse portas a esse futuro que todos entendem que é futuro, passava noites enchendo páginas e páginas e páginas com os exercícios de contabilidade e as revisões de direito constitucional e tributário enquanto meu quarto me afogava em silêncios.
Mas a gravidade das paixões, as verdadeiras, não tem botão de ON e OFF, não admitem um binário e definitivo abandono. Criamos distâncias mas sua força sutil, enfraquecida, segue agindo, segue puxando, segue com seu efeito invisível dia e noite. E eis que, bêbado num bar, num aniversário, lá está o microfone ligado ao videokê. E lá me vou madrugada adentro. Quando todos já foram embora. Os amigos, o aniversariante, o segurança, o garçom, o dono do bar, os cachorros da calçada e o uber que eu havia chamado.
E sigo cantando. Uma recaída que sinto como uma retomada. Parece que respiro depois de um mergulho de oitocentos metros. Tudo parece ter existido para justificar esse momento. Todas as contas que paguei foram para chegar até aqui e poder pedir minha garrafinha d'água. As roupas que comprei foram para não chegar aqui nu e ser expulso. As comidas que comi foram para ter energias de continuar cantando noite adentro.
Amo cantar. Mas quem vive de cantar? Não um ninguém feito eu. Só os mais sortudos ou os mais sofridos. Aquelas criancinhas, filhos de ciganos ou refugiados, que eram postas a cantar nas praças ao troco de qualquer centavo. Porque passaram assim tanto tempo praticando. Não chegarão a fama das mafiosas indústrias mas terão genuinamente vivido de um dom que esculpiram a força.
Não eu. Tive sorte de menos, conforto demais. Esse limbo que nos enforca com normalidade por todos os lados.
Confesso no meio disso tudo uma ousadia: crio minhas próprias músicas. Escrevo. Minhas letras. Imagino meus álbuns. Ideias que renderiam turnês e grammys e camisetas com meu nome em jovens inconsequentes.
Mas nunca institucionalizei essas paixões. Nunca estudei música embora gaste todo meu salário em livros sobre música, teoria musical, aprenda você mesmo, violão sem mestre, adesivinhos para o teclado, todas essas babaquices de amadores. Nunca entrei para grupos musicais nos centros sociais do bairro porque... É coisa de desocupado. E a prestação do carro, a pintura da sala, as compras para quando a sogra vier?
E as outras pessoas... as pessoas próximas. Claro que, em ousadias injustificáveis, vez ou outra mostrei alguma música a amigos. Não juristas musicais. Não outros cantores (outros?). Mas amigos. Amigos próximos. Amigos que me conhecem a vida toda. Amigos que riram. Amigos que me convenceram da estupidez de tentar ser qualquer outra coisa que eu pudesse querer vir a ser. Amigos que, em um encabulante esforço de simpatia, balbuciaram um tropeçante "hummm, legal..." que constrangeu até os bonequinhos do Toy Story que meu filho havia esquecido no quarto.
Mas ontem, sei lá porque, reincidi. Deve ser porque me mudei para Recife assim de impulso, de loucura, tem um ano já. Não conhecia ninguém, não sabia direito o que fazer. E ganhei esse sentimento de distância, essa percepção de que se pode fugir das vergonhas se desligar o Skype a tempo. Eu nem sei explicar o que fiz. Uma ousadia arrogante ou uma tentativa de suicídio.
Tenho uma conta secreta no SoundCloud com várias dessas gravações ridículas sem estúdio sem mixagem sem nada e enviei a uma amiga que é fanática por música, que passa as férias ouvindo músicas, que gasta todo o dinheiro com CD's de tudo o que é artista que se possa imaginar. Onde eu estava com a cabeça?
Eu queria o golpe de misericórdia, eu acho. Eu não queria submetê-la aos traumas do desrespeito mas eu estava pronto para entender o silêncio que se seguiria.
Mas ela elogiou. E elogiou de um modo um tanto quanto insistente.
"Não sei se você vai entender a grandeza desse elogio, mas eu escuto muitas coisas. E suas músicas são gostosas de ouvir."
Paralisei. Congelei. Fiquei ali olhando aquela mensagem sem saber o que sentir. O que pensar. Só depois entendi que essa paralisia era consequência de sentimentos precisamente antagônicos entalando no caminho à consciência.
Em um primeiro momento senti uma decepção. Sim, uma decepção. Porque eu queria paz. Queria um silêncio que me convencesse de que não eram apenas meus amigos de gosto musical duvidoso e limitado, ou minha esposa preocupada demais com as urgência das casas e das contas, que não eram capazes de enxergar minhas qualidades latentes. O desprezo frio me daria a certeza de focar em coisas mais úteis da vida e me livrar dessa loucura insistente. Mas ela falou. E veio um elogio.
E com ele, claro, uma alegria toda vaidosa. Mas, mesmo ela, ambígua. Porque fiquei a pensar nas minhas décadas todas. Em todo esforço para tentar ser bem sucedido em mil outras profissões que me tornassem outra pessoa, ou me escondessem, ou me confortassem com essa falha inescapável.
E se eu tivesse reservado um tempo para cantar em algum barzinho toda semana? E se eu tivesse comprado um carro um pouquinho menor e pago um estúdio para gravar algumas coisas? E seu eu não tivesse a bunda-molice de ficar escondendo tudo em contas anônimas nos sites de música e mais e mais pessoas conhecessem o que eu faço? E se? E se? E se? Fico repetindo "e se" dentro da minha cabeça. A seqüência é tão infinita e rítmica que parece uma locomotiva em direção à morte. E..... se..... e.... se.... e... se... e.. se.. e. se. e se esse esse essee... piuuuííííííí! Pum, caixão.
Cinquenta anos logo mais. Meio século. Ainda tem tempo? Tem. Mas não se sabe quanto. Nunca se sabe. Eu podia ter morrido quando o carro capotou na Castello. Desviei do caminhão a tempo. Eu podia ter morrido se aquele sequestrador tivesse puxado o gatilho no meio de qualquer mal entendido. Quando ele perguntou se eu acreditava em deus, por exemplo. E eu dividido entre dizer que sou ateu e despertar desprezo e raiva, ou mentir dizendo que sou crente e ser condenado pelas forças divinas que ignoro por ter mentido. Disse a verdade. Ele não atirou. Sou hoje um pouquinho mais crente por ter tido a honestidade recompensada com a própria vida.
E tem outra. Cada próxima batida do coração pode não acontecer, quem sabe? Há prédios que desabam, aviões que caem, atropelamentos, bujões de gás que explodem, salmonela na comida, celular que pega fogo, um pequeno meteorito entrando na atmosfera a ointenta mil quilômetros por hora bem na noite em que eu acampava longe de tetos seguros, relâmpagos, choque no chuveiro, escorregar no sabão e bater a cabeça na pia.
O que, neste último caso, já quase quase aconteceu. Cheguei meia noite e tanto no apartamento de uma amiga fotógrafa, que morava em Madrid, para um turismo barato de fim de semana. Eu só a havia visto uma vez. Amigos em comum, contato via Facebook e essas coisas. Depois dos cumprimentos era tomar um banho e dormir. Escorreguei na banheira e caí de costas para fora, destruí a cortina do banheiro dela e depois constatei que minha nuca passara a poucos centímetros da pia. Que morte estúpida teria sido. Ficar estribuchando no chão do banheiro da minha anfitriã aterrorizada até que qualquer resgate chegasse tarde demais. Por que é que eu estava viajando por ali, em primeiro lugar? Eu poderia estar cantando.
Mas é o que as pessoas normais fazem. Viajam e tiram fotos e colocam nas redes sociais. Trabalham meses juntando dinheiro para fazer algo nas férias e depois viajam para esquecer de tudo o que desistiram ao longo do ano.
Eu fiquei contente com o elogio. É claro que fiquei. A ponto de achar que boa parte dele foi uma gentileza exagerada. Não havia afinal nenhum compromisso ali. Mas não tenho como esconder minha crise.
Estou desapontado comigo por nunca ter confiado o suficiente em mim para continuar a me desenvolver numa ascensão monotônica, ainda que lenta, por todas essas décadas. E estou desapontado comigo por não prestar nem mesmo para ser um fracasso total e viver assim livre das torturas das dúvidas. Fracassei em ser um sucesso e fracassei em fracassar.
Vejo o sol preguiçosamente aparecendo novamente no horizonte e penso no poder dessas teimosias cósmicas. Sinto-me, de repente, uma espécie de rascunho bonito. E vou pensando em como passar a limpo.
quinta-feira, 19 de abril de 2018
Rotina matinal
Talvez porque o sol nascendo no horizonte tenha essa evocação tão forte de um início, um começo, com tudo o mais pela frente, é que nessa hora do dia funciono melhor para meus estudos, para minhas reflexões, para tudo aquilo que diz respeito ao futuro. A noite não. A noite é o horário em que sigo em marcha. Continuo um trabalho que já vem de longa data. Tenho coragem de encarar aquelas tediosas formatações de planilha, do formato dos parágrafos dos relatórios. Essas são as tarefas que ficam para a noite. A manhã não. Não posso ofender a manhã com coisas tão mecânicas. Estudar um novo idioma, que um dia vai ser usado em um novo país, uma nova viagem. Rascunhar textos que um dia serão publicados. Pensar em pessoas que quero ver de novo. Sonhar com conquistas. Aprender uma música nova. Esses são meus banquetes matinais.
quarta-feira, 18 de abril de 2018
AINDA VIVOS
Eu tive certeza de que eram os últimos segundos. Não sei porque continuei lutando. Não sei porque tentei controlar a situação. Só sei que deu certo. Não foi um mérito meu. Foi sorte. Nada que conheço sobre a física do mundo diz que deveríamos sobreviver. Fomos perdoados pelo acaso. O que fazer com isso? Como usar esse presente?
segunda-feira, 16 de abril de 2018
Eco Zulu
sexta-feira, 13 de abril de 2018
Acidentes a vista
Vimos um atropelamento na avenida principal. Um jovem assaltante, perseguido por uma viatura policial, fugia em sua bicicleta. Ao cruzar a avenida desesperadamente na frente de outro veículo foi por este atingido e lançado talvez uns dois metros em direção ao céu. Estávamos no carro à frente. Eu o vi despencando de volta no asfalto duro. Pensei que estivesse seriamente ferido mas ele se levantou e, depois de tontear poucos segundos, pô-se de volta em fuga. O policial seguiu atrás, correndo. Notei que não havia nem mesmo sacado sua arma.
Dentro do carro meus colegas dividiam-se entre o júbilo de terem visto um atropelamento e a frustração de que o bandido continuava vivo. "Deviam ter metido pipoco logo, pá pá pá! Ficava já ali, no chão, um a menos." Vibravam como quem assistiu a um filme emocionante e comentava suas cenas à saída do cinema.
Não estão prontos para enfrentar o mundo real. As contradições e as nuances da vida que não é uma simples divisão de mocinho e bandido como no cinema.
terça-feira, 20 de março de 2018
Ecos
"Eu preciso de qualquer manifestação de saudade, de qualquer manifestação de afeto..."
"Eu não estou disposta a mudar, nem por você e nem por ninguém no mundo..."
Eu não sei, até agora, se o que machuca mais foi o derradeiro fim, ou a descoberta dessa dureza glacial que preferia terminar uma história de amor a dizer "estou com saudades".
Dói. Não tenho outra coisa a dizer. Dói. Todo o resto é explicar a dor.
Todo dia desde então, em algum momento traiçoeiro, o peito aperta pesado. Escuto de novo sua voz como se uma loucura estivesse se instalando em mim. Sólida, presente, real: "Eu não estou disposta a mudar, nem por você e nem por ninguém no mundo..."
Todos os dias machuca de novo.
E foi ontem, só ontem, já meses depois, que me ocorreu a curiosidade: por que é que é justamente essa sua frase, sobre essa sua relutância em mudar, que ecoa todos os dias em minha mente? Deveria ser quando você disse "é melhor a gente parar por aqui então". Afinal foi ali que tudo se cortou, não foi? Ali é que a minha sentença foi dada. Mas esse momento não retorna a mim se não como uma lembrança buscada. Nunca me persegue. Estou em paz com essa lembrança.
Percebi que minha dor não é pelo fim. Não é pela nossa história. É pela sua desistência em amar. É pela sua escolha, deliberada, consciente e ativa, por dizer não ao amor. E, num sentido mais amplo, a mudanças em geral.
Quero crer, no fundo do meu coração, que foi um equívoco. Que foi uma agressão deliberada mais do que uma declaração consciente de si. Quero crer que, na hora certa, você irá mudar. Quero crer que ainda que eu não tenha sido a pessoa capaz de lhe inspirar as mudanças adequadas, alguém um dia irá, ou então você concluirá por si mesma pelos caminhos a seguir. E seguirá, dará seus passos.
Porque todos nós mudamos. Todos nós precisamos mudar. A declaração pela vontade de não mudar foi uma das coisas mais dolorosas que já presenciei na vida. E foi aí que compreendi que a dor que sinto não é uma dor por mim. Pela perda do nosso namoro, da parte que me cabia. É uma tristeza por você. Como se eu houvesse sido derrotado em minhas vontades de lhe inspirar um sentimento maior.
domingo, 19 de novembro de 2017
Certeza inabalável
Jeferson é meu melhor amigo. E ele tem uma grande consideração por mim. Quando ele dizia aos amigos que sabia o endereço do bar e as pessoas duvidaram, inseguras, ele foi enfático:
-Aposto os rins do Adoniran que é lá mesmo, podem ir!
quarta-feira, 11 de outubro de 2017
Silêncio
Eu queria lhe contar as coisas. O que eu comi de sobremesa. E como o universo foi feito. A velhinha que eu vi no ponto do ônibus e como a música funciona.
Mas só havia silêncio.
Seus silêncios me envolveram.
Escuros e frios.
Doem nas veias dos braços
Desligam as pernas.
Silêncio.
Silêncios
Eu queria lhe contar as coisas.
terça-feira, 26 de setembro de 2017
Versões
"Acho que às vezes precisamos aceitar que já somos ótimas versões de nós mesmos."
Obrigado.
Mudou meu dia.
Mudou meus dias.
Presentes que fazem sentido anos depois
Obrigado caro amigo. Na época eu era uma criança e aquele presente era uma mera curiosidade. Algo que eu não era capaz de entender por completo. Um livro sobre um assunto assim tão complicado, quem presenteia uma criança com uma coisa dessas?
Hoje, quase vinte anos depois, aqui em minha escrivaninha, estou com o livro aberto para auxiliar meus estudos. Hoje é minha carreira, é com isso que trabalho. Obrigado.
quinta-feira, 21 de setembro de 2017
Notas de um explorador em campo
Fui para a África desbravar desconhecimentos e surpreendices. Descobri que sob miragens das mais belas se escondia um grande e árido deserto.
E, continuando a onda de revoluções científicas, descobri que os ventos cruzam o Atlântico não só de leste para oeste mas também na direção oposta, distribuindo chuvas ao longo dessa que se chama, nome apropriado, Zona de Convergência Inter Tropical (ou ITCZ, em inglês).
A melhor parte é quando esses bons ventos se condensam e a aridez dá lugar a esse doce cheiro de chuva, que nos enchem de sorrisos. Como se a natureza abraçasse a gente tão apertado, tão de perto, que é difícil acreditar que tudo partiu de tão longe.
sábado, 16 de setembro de 2017
Dia
Olhos se abrindo. Água da pia, pasta escova toalha. Shampoo toalha. Calça meia sapato camisa gravata pente espelho. Água fogão café pão frutas. Rua sol ônibus espera. Pessoas olhares. Trabalho papéis computador tempo. Café. Almoço. Conversas. Papéis. Reunião. Tédio. Lâmpadas. Canetas. Twitter. Blogs. Emails reuniões conversas computador. Rua. Pessoas cansaço olhares. Olhares. Cansados. ônibus. Lotado. Tempo passado. Passado. Rotina. Morfina.
quarta-feira, 13 de setembro de 2017
Pão e chocolate
Passei no mercado. Fazer compras quando se mora sozinho é um desafio. Até porque eu não entendo muito de cozinhar e não tenho grandes pretensões gastronômicas. Então fica muito fácil comprar tranqueiras demais ou errar nas quantidades e deixar coisas estragarem. Ultimamente, essa crise e tal, o dinheiro anda mais curto. Então comprei macarrão, molho, pães, requeijão, queijo e coisas assim. E ao passar pelo caixa não resisti: chocolates! É mais barato comprar chocolates no mercado do que nos restaurantes e padarias. Se bem que, enchendo minha casa de chocolates, eu os devoro quase que em uma mordida só, não duram tantos dias quanto deveriam.
De sacolas na mão e pensando nessas coisas, saí em direção à minha casa e já fui distraindo meus pensamentos com uma barra de Diamante Negro. Estava começando a me xingar mentalmente por não resistir à gula e já ir cedendo aos doces. Assim eu vou continuar engordando! Ainda mais agora que ando super sedentário. Foi no meio desses pensamentos que vi um mendigo, na calçada, que ia me observando bem atentamente enquanto eu comia meus chocolates. De repente senti a luxúria em que eu estava me afogando: comendo sem precisar, comendo o que até me fazia mal, enquanto ali ao lado alguém morria de fome. Olhei-o nos olhos e perguntei:
-Ô amigo, cê tá com fome?
-Porra se tô, vixe!
Não hesitou em ser tão enfático quanto podia. Dei a ele um chocolate e um pão seco ao que ele foi logo agradecendo e me cobrindo de votos de bênção. Segui para casa pensando na profundidade de nossas gulas que nunca olham ao redor.
Na manhã seguinte liguei a TV. Dentre as tantas tragédias de sempre, com o câmbio e com os deputados, uma notícia algo atípica:havia ocorrido um atropelamento no fim da madrugada ali próximo à minha casa. Um carro cheio de jovens bêbados atropelara um mendigo que dormia na calçada. Naquela manhã não consegui comer nada e ainda hoje, ao me lembrar da história, sinto um embrulho incômodo no estômago.
domingo, 10 de setembro de 2017
Movimento
- Pai... Uma vez eu li uma história. Era sobre o Churchill. Diz a história que ele estava há horas no estúdio da casa dele, ou sei lá eu onde, em pé diante de uma tela em branco. Uma amiga dele chegou e perguntou o que ele estava fazendo. Ele explicou que queria pintar uma flôr e ela questionou o fato de a tela ainda estar em branco. Ele disse que estava indeciso sobre como começar a pintura. Então ela tomou o pincel da mão dele e fez um traço qualquer na tela. E disse "pronto, começou! Agora é só continuar". Entende? Movimento. Movimento.
Horas mais tarde...
- Oi filho. Fui procurar trabalho voluntário. Passei a tarde dobrando fraldas geriátricas descartáveis. Foi bom. Me movimentei e valeu. E encontrei uma conhecida de quarenta anos atrás. Ela quem me ensinou a dobrar as fraldas. Por hoje consegui vencer a timidez e a sociofobia. E não fiquei aqui em casa com essas coisas ruins na cabeça que têm me acometido às vezes. Agora à noite fui fazer ginástica para idosos. Foi muito bom. Obrigado filho. Você foi muito importante pra mim hoje. Obrigado mesmo.
sábado, 9 de setembro de 2017
Minha mãe chegou ao WhatsApp
-Mas já está saindo? Onde vai? E vestido assim?
Essa liberdade, contudo, parece estar ao menos parcialmente ameaçada.
Pelo WhatsApp.
Eu deveria ter dito para a minha mãe que, na internet, as mensagens demoram um dia para chegar. E que nem sempre chegam já que precisam percorrer milhares de quilômetros em servidores, subir até os satélites e descer de volta bem no meu celular. É claro que o processo é tão complicado que deve falhar em boa parte das vezes.
Não, não consegui inventar a história a tempo. E agora vou parar este texto por aqui porque minha mãe está preocupada: já tem uns dez minutos que ela perguntou como foi meu dia e eu ainda não respondi.
19:38: Oi filho, como foi seu dia?
19:39: Aqui foi tudo bem. Tinham umas frutas boas no mercado e vou fazer uma salada de fruta para sobremesa depois da janta, nham nham!
19:42: Ai, vi o protesto que teve na Paulista no Jornal, não vá passar por lá hein? Fica longe dessas confusões....
19:45: Filho? Cadê você que não responde? Tá tudo bem?
19:46: Filho! Não fala mais comigo? Ai meu Deus... tá tudo bem?
Não, não tá.