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terça-feira, 12 de julho de 2016

Da nudez

Para se banhar o corpo é imprescindível que, primeiro, livre-se das vestimentas.
O mesmo ocorre com a alma.
Apenas sem nossas proteções é possível acessar a sujeira do dia-a-dia e remove-la.
Apenas sem nossas falsas aparências, adereços estéticos, é possível banhar a matéria da nossa existência. E também o núcleo de nossa essência.
Para que os corpos se misturem é imprescindível que, primeiro, se façam nus.
O mesmo ocorre com as almas.
Quais roupas há por cima de sua alma?
Como é, desnuda, vulnerável, sua alma?
Revele-se. Para si. Para o outro.
Livre-se do pudor dessas vestes.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Equívocos


Você gasta com cremes para a pele. Passa horas cuidando da maquiagem. Gasta uma fortuna com o cabelo, em salões especializados. Preocupa-se com os mínimos detalhes da roupa. O caimento sobre o corpo. O acabamento de cada fio, cada dobra.

E não consegue entender que nada pode te deixar tão bela quanto a alegria natural que sentiu hoje de manhã ao me mostrar o pequenino broto de limão que começava a despontar na terra do vaso. As mãos sujas, o cabelo todo fuá como você diz.

Nada pode te deixar tão radiante como ver um cachorro na rua, um cachorro feliz que quer fazer contato com você, que pula no portão, latindo, pedindo um pouco de carinho.

Não há roupa, maquiagem, idade, peso, unhas, sapatos... nada nada nada no mundo que reproduza essas belezas. Nem de perto.

Só queria que você entendesse isso também.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Deixa

Procrastinar... Eu não sei porque faço isso, se por desgosto das coisas que tenho por fazer, ou se por paixão desses instantes de não fazer nada em que todos os esforços mentais dedicam-se a sonhar com o futuro, desenhá-lo de infinitas formas possíveis e impossíveis.

Cada fazer cessa um sonho. Eu gosto de sonhar...

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Por favor

Você está brincando comigo, não é? Não tem um namorado para incomodar não? Precisa mandar essas mensagens para mim justo hoje? Eu trabalho para te esquecer. É um esforço. Um esforço consciente e ativo. Eu conheci uma outra pessoa, sabia? Conheci tem pouco tempo. Fomos almoçar algumas vezes. Eu não quero ser menos amoroso com ela do que deveria só porque, de repente, você apareceu pedindo atenção. Não quero deixar de ir almoçar com ela ou de vê-la num sábado ou domingo porque, de repente, depois de meses sumida, você veio pedindo coisas que só minha amizade poderia oferecer. Venha dar risada. Escreva histórias. Divida sua vida. Mas não cobre esse afeto exclusivo que tantas e tantas vezes eu insisti em deixar só pra você sem que isso nunca lhe significasse nada. Me deixe em paz. Me deixe te amar em paz. Em silêncio. No meu canto. Em segredo. Em segredo bem guardado, até que eu esqueça também.

sábado, 21 de maio de 2011

Conflitos

Alguém disse sei lá por quais quandos e ondes, que somos mais propensos a ajudar aqueles que não precisam de nossa ajuda. Essa verdade fere nosso ego, desperta mesmo uma certa ira lá no introvertido como não podia deixar de ser: assim faz a maioria das verdades, afinal! Li também noutros cantos, sobre os vendáveis segredos óbvios da escrita:

"a simples descrição de um personagem não gera interesse, apenas auxilia na criação de uma imagem pessoal. O que realmente desperta interesse ao leitor é o conflito, pois é o conflito que revela a verdadeira natureza de cada personagem. Como cada um reage ao conflito, é isso o que o define!"

Há uma mesma verdade unindo estas duas observações. Ou, alternativamente, essas duas verdades concorrem para definir as verdades em torno de um conflito, num relacionamento. Quando uma pessoa faz da fraqueza sua estratégia de desarmamento num conflito é natural que, ao longo do tempo, desperte no outro nada além da repulsa. Não, não soa bonito, mas é verdade: saber brigar, saber xingar, saber ofender... Essas coisas devem encontrar sua dose na composição da personalidade.

sábado, 13 de novembro de 2010

Claustrofobia

Vou falar da poeira que se acumula no chão do meu quarto. Vou falar da rachadura que vi na parede do prédio. Vou falar da unha do pé que me incomoda. Vou falar de como é impossível desamassar papel. Vou virar as costas pra poesia. Vou desistir de perceber coisas que tocam o coração. Até que esqueçam de mim. A atenção é esse tipo de lenha que faz queimar uma chama narcisística dentro de cada um. Impossível ser diferente. Modéstia é um sobretudo que aquece o eu narcisístico e o esconde, não é o contrário. Esqueçam de mim e me deixem escrever em paz. Me deixem ser quem sou, nú de minhas censuras de mim. Despido de minha sede de olhares. Não quero escrever olhando para meu futuro de afetos. Não quero escrever por excesso de carência do mundo. Quero escrever para me livrar do mundo. Para tirá-lo de mim. Quero escrever pra olhar pra fora com a lanterna acesa. Não olhem pra mim, não quero cegá-los. Olhem pra fora, na direção que ilumino, e me deixem em paz. Vou falar da sujeira de pneu velho.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Querida

Coitada da minha filha. Não está trabalhando com algo de que goste. Passa os dias lá, contabilizando aqueles números financeiros, montantes que nunca vai ver, que nunca vai tocar. Aí todo fim do mês pinga um dinheirinho na sua conta. Novecentos reais. Têm idéia da miséria que é isso? Se algum nativo do primeiro mundo estiver lendo isso, por favor, faça as devidas correções para o dólar ou o euro. Sim, vai ficar um número bem pequeno. E aí, todo fim do mês ela pega esse dinheirinho, ajuda na conta do telefone, paga ainda a internet sozinha, que é só ela quem usa, depois me deixa cinquenta, para o que eu precisar gastar. Aí o resto... O resto? Ela já recebe resto, mas enfim... O resto ela guarda um pouquinho na poupança para planos futuros. Pobrezinha. Trabalha por dinheiro, apenas. O que ela gostaria de fazer? Será que ela não tem vontade alguma? Será que ela está acomodada apenas? Por pior que seja o trabalho, é um lugar que a emprega e onde não há risco de ser mandada embora. Comodismo. E as coisas dela? O que ela realmente gostaria de estar fazendo? Eu gostaria tanto de saber. Tanto. Talvez ela devesse se jogar no mundo, viver misérias maiores porém mais cheia de emoção. Viver só esperando a vida passar não é lá dessas vidas mais magníficas, não é mesmo? Claro que não, todos sabem que não. Mas como eu a ajudo? Chego perto e ela se esconde. Passa o tempo todo no quarto. Vai ao trabalho, chega, vai pro quarto. Toma banho, quarto. Vai ao banheiro, quarto. Come qualquer tranqueira semi-biológica, quarto. Coitadinha dela.

domingo, 6 de abril de 2008

Curiosidade folgada

Não, não. Nada de poesias apaixonadas agora. Tá tarde e amanhã é segunda-feira. Comportemo-nos. Venho aqui por outra razão. Um pedido, uma súplica, um clamor à multidão, como queiram...

NÃO DESPERDICEM AS PESSOAS!

As pessoas ao nosso redor, com quem cruzamos todos os dias; ou as do outro lado da cidade. Cada uma, um espetáculo à parte. Um baú de repente encontrado no sótão. Um presente de natal ainda não desembrulhado.

A moça quieta no trem que, quebrada barreira do isolamento por conta de um incômodo celular, contou ser intérprete para surdos e mudos em uma faculdade.

Todos os dias temos algum tipo de contato com pessoas diferentes, nem que seja um mero acaso de proximidade física. Nem que seja estar acessando o mesmo site ou olhando para a Lua ao mesmo tempo. Sempre que possível, fale com as pessoas.

O velho senhor de chapéu, roupas simples, sandalha velha, olhar distante e sorriso puro, que com muita luta contruiu ele mesmo quinze casas e os filhos que ajudaram em algumas delas. Que de tanto trabalhar em obras, conversava com a terra. Anteviu o desmoronamento de um barranco quando todos os engenheiros professavam o contrário, e salvou duas vidas.

Eu tenho minha histórias estranhas. Guardadas comigo. No metrô, de mochila, tênis, jeans e camiseta pólo, sou um estudante e nada mais, ninguém diria outra coisa. E baguncei em viagens, cantei desafinado. Vi acidentes ao vivo e corri com uma gestante hospital adentro. Muito além do grafite, papel e integrais. Quem desconfiaria?

A senhora que carregava um Voltaire no metrô. Aluna de filosofia, pensei. Certeza. E estava redondamente enganado: uma parapsicóloga investigando segredos da existência e desesperada por descobrir onde se esconde a seita que realiza os rituais que, todas as noites, ela vive em sonhos vívidos. Uma louca, doida: uma conversa e tanto!

Ou o analista bancário que me encheu de dica sobre ações muito além do que jamais conseguirei lembrar. A velha miúda com fotos de família na bolsa e histórias do marido desleixado que ela amava insistir para pentear o cabelo e para quem fazia roupas e mais roupas com as próprias mãos. O menino que me perguntou tudo sobre o livro que eu lia, para o embaraço dos pais, e em quem cada resposta despertava dez novas curiosidades vivas e inquietas.

O tio de uma amiga minha, pessoa que por um ano cumprimentei quase toda semana para só então descobrir que ele havia viajado o Brasil em sua infância com um grupo de teatro, chegara a montar um kibutz e a contrabandear livros de comunismo debaixo da ditadura.

O torneiro mecânico, fala simples e modos rústicos, com melhores idéias para emprego das máquinas ociosas que qualquer empresário ou gerente que já olhara aquele galpão. "Um curso técnico, sabe? Os menino faz aí uma profissão. Montá o que? Sei lá, coisas pra cadera de roda, ou qualqué coisa que possa doá depois pra hospital, quem precisa! E a máquina daí num fica parada, num enferruja assim, que dá até dó!"

E tem tão mais por aí. Têm sim fatos bizarros, fatos marcantes, feitos e efeitos notáveis. E mais ainda: há tanta profundidade também. As pessoas têm vidas dessas que se espalham pros lados em afazeres, histórias e compromissos. Mas essas mesmas vidas afundam pra dentro em sonhos, prazeres, medos, desejos, raivas e risos. Estes temperos todos que fazem do cotidiano mais banal um épico mais épico que derrubadas de impérios, conquistas das montanhas e estrelas ou qualquer coisa que afete o preço do dólar.

Um mar sem fim. Nas pessoas que nos aparecem por acaso. Não ignore os acasos! Pergunte, converse, olhe, escute, insista, sorria sempre nos olhos, lábios e modos, e tenha uma certeza: há sempre mais para além do que vemos nos outros, não importa o quão fundo fuxiquemos. Sempre, sempre mais!