
Acordei outro dia, dia como qualquer outro. Moleza do sono resmungando contra um relógio ainda insistente. Tentei lembrar como era o sonho que ia se indo por entre meus dedos, embora pra nunca mais. Vozes, uma paisagem... Qual era o enredo? Como era mesmo aquele cheiro? Pensei nos meus compromissos do dia. Pensei no café da manhã. Mas deixei um pedaço de meus devaneios se ocupar de coisas mais distantes. Perguntas que não dão dinheiro, cenas que não custam nada... Fui pra longe, comecei a ouvir músicas que não tocavam ali. Comecei a pensar em palavras que eu jamais falaria; frases que eu jamais escreveria. Quando dei por mim, era inescapável: já tornara-me alguma espécie de outra pessoa. Eu jamais faria coisas que, perdidas ali na minha imaginação, agora eram minhas pra sempre. Olhei no espelho e vi: sou só um pseudônimo.
Desespero. Senti o chão sumir nos medos de não ser ninguém. Entendi que minha história era cada vez mais uma mistura pastosa de fatos e vontades, de lembranças e invenções. Eu não sou de verdade! Aí o alívio: e quem o é?
Escovei os dentes mas a escova não machucava a gengiva. Eu estava então do outro lado do espelho e vivo dali adiante neste mundo. De sensações que existem quando eu invento. De mundos que são concretos quando fecho os olhos. Controle. Liberdade... Mas as coisas não são feitas só com a metade boa do maniqueísmo. E assim é que esta minha condição implica em muitas coisas. Junto com a sede de abandonar todas as minhas histórias para inventar outras, fiquei sem nenhuma... Sou retalhos de idéias. Sou rascunhos misturados. E o doloroso é que às vezes vou pra gaveta. Às vezes fecham o caderno velho e não escrevem nada. Às vezes vejo fotos dos meus filhos mas não sei ainda quando nasceram. Às vezes fui viajar, às vezes nunca fui.
Tenho o infinito pra mim como que uma posse mágica: futuro e passado são o que eu quiser. Mas, estranho descobrir isso depois de fugir pra longe correndo: esse insignificante ponto na eterna linha do tempo me faz falta... O presente tem lá seus caprichos. Na imutabilidade dura do mundo que se impõe está uma poesia que não se inventa, que não se toma em posse. Transfigurei-me em pseudônimo para sentar no alto desta montanha de abstração e olhar de longe, com toda a inveja que sente quem aprecia de fora, o realismo fantástico das coisas que são simplesmente assim: são.