Voltei para casa arrastando pernas pesadas.
Pernas amassadas de iniciativas fracassadas.
Pernas desorientadas pelos tempos e sonhos.
Joguei as pernas no sofá.
Olhei em volta.
Olhei a pilha de papéis.
Lembrei dos outros tantos que se foram.
Cartas. Contos. Poemas. Teses de mestrado, doutorado. Artigos para o jornal local. Estatuto para a ONG.
Arrastando-me pelo tapete como se já tivesse terminado a dose noturna de whisky cheguei até a escrivaninha.
Abri a gaveta. Peguei a caneta.
Corpo metálico, prateado. Presente de uma amiga que foi morar na França.
Terra de gente que escreveu textos filosóficos. Teriam usado uma caneta igual? Não se trata de uma medíocre esferográfica. Trata-se de uma caneta tinteiro. Dessas com ponta do tipo "pena". Dessas que tem obrigação de escrever coisas belas.
Olhei a forma curva de suas pontas. O minúsculo sulco por onde escoa a tinta. Que outras coisas essa caneta teria escrito se tivesse encontrado as mãos de alguém talentoso?
Ali ao lado, no chão do quartinho de bagunça, um martelo.
Não hesitei. Foi no chão mesmo.
Um golpe certeiro e aquela peça de metal havia perdido a simetria perfeita de sua forma. Morriam ali minhas palavras futuras.
Depois que elas apodrecessem seria hora de adubar as folhas com novas tintas e torcer para chover na hora certa.
terça-feira, 3 de março de 2020
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