Outro dia eu estava voltando do serviço, passando lá pelo Largo do Paissandú por volta das seis e pouco da tarde.
- Psssiu!
- Pisssssiiiiiiiiu!
As putas todas clamando por clientes. Sem grande egocentrismo, acho que elas me chamam com mais insistência, por eu ser assim algo novinho. Antes eu, novo e limpo, que um velho tosco e etranho querendo torrar a aposentadoria falando "boneca" ao ouvido delas enquanto deixa cair a dentadura.
Pela enésima vez pensei: vou escrever sobre essas putas!
Eu já conheço a maioria de vista, somos quase íntimos. Nos olhamos nos olhos quase todas as tardes, antes de vir o brochante pissiiiu.
Um causo de um cliente inusitado.
Um drama existencial a retratar a condição em que elas vivem.
Um grande amor impossível. Um ousado amor que, em meio aos promíscuos ossos do ofício ainda assim se fizesse possível.
Uma história de putas a quebrar expectativas: o foco de repente é o poddle que uma delas, Talita talvez, mantém no quarto de trabalho. É o xodó dela e ela expulsa qualquer cliente que se irritar com o animal.
Sim, sim, e talvez com algum apelo artístico mais elevado, tecendo algum paralelo entre a condição do cachorro e a da puta. Talvez com uma arte mais transgressiva, levando todos a conclusão final de que o único animal é o cliente e mais ninguém.
E por que não a linha comicista? Sei lá, as paredes do quarto são indiscretas, as putas compartilham os sons das colegas de trabalho, ouvem-se conversas, clientes descobrem tramas de outros clientes, segredos se revelam, a verdade se prostitui.
E eu nunca escrevo sobre as putas. Cruzo o Paissandú de um lado a outro. Vejo as saias curtíssimas dos dias frios e quase inexistentes dos dias quentes. Os olhares simpáticos e a expressão estranha, que o rosto nunca mente por completo. Os seios egocêntricos em seus despudores. Pisssiu! Pssssiu!
E vou me divertindo pensando em quantas e quantas histórias são possíveis. E qual o grau de ficção e verdade de cada uma. E, melhor: sai de graça!
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