terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Air

Respirar com calma, que o futuro não precisa acontecer todo agora. Fica essa sensação de que precisa, aperto no peito. Mas não, não precisa. E se eu morrer daqui a pouco? Se eu morrer, morri. Férias. A derradeira exploração do além. A condenação eterna da alma. Sei lá o que vai vir. Vai vir algo: que venha. Mas há também o sério risco de ficar vivo. E na hipótese de eu não morrer daqui a cinco minutos é melhor eu começar a cuidar, desde já, de viver uma vida mais tranquila, menos ansiosa. É verdade que o Oscar Wilde dizia que a ansiedade era insuportável e que, por isso mesmo, ele esperava que ela não terminasse nunca. Mas eu estou em um estado um pouco diferente. Estou em um nível de ansiedade em que quero publicar cinco livros. Quero concluir o mestrado e o doutorado publicando papers toda semana. Quero compor músicas. Quero sair para baladas e conhecer pessoas interessantes, viajar. Quero fazer trabalhos ousados, bolar soluções criativas para os problemas da empresa. Tudo assim para ontem. Quero comprar um novo computador. Um novo caderno de notas. Alugar cinco filmes para ver amanhã à noite. Planos, planos, planos... Os planos sufocam e isso acontece por conta dessa bizarra distorção de tamanho entre o futuro todo, terreno a ser preenchido com os planos, e o pontualmente minúsculo instante presente: que só comporta um pedacinho de agora por vez. Estou apertado aqui, e só quero afrouxar o nó da gravata e jogar fora o cinto da calça, colocar uma bermuda de fim de semana e respirar um pouco mais aliviado.

Nenhum comentário: