quarta-feira, 21 de agosto de 2019
Triângulo
Ah M., querida... Fiquei sabendo que não estava mais namorando, e dei pulos e mais pulos de alegria, e comemorei até o instante em que lembrei que era eu ainda quem namorava. E ainda namoro. Deveria eu magoar uma pessoa tão boa por conta de meus assuntos mal resolvidos? Quando aceitei namorar a S. não foi como que assumisse o compromisso de superar todos os meus problemas ou de ao menos guardá-los para sempre no alçapão profundo de minha intimidade, de modo a jamais permitir que interferissem na ordem do mundo?! Mas quero terminar, como quero. Não sei qual a razão dessa sede de coerência, não sei porque é tão difícil assim contrariar os próprios sentimentos... E, no entanto, sei que não me ama nem me amará. M., meu amor! Nunca vai saber o tamanho dos sentimentos que nutro por você, nunca vai entender a natureza desse amor que deixo orbitar sua vida de longe, numa órbita perfeitamente circular desenhada para nunca se aproximar nem nunca se afastar nem mais um tanto. Saber que são outras pessoas as que movem seu coração dói, mas já doeu mais. Aprendi a esconder no fundo de minha alma meus sentimentos, e a conservar na roupagem social somente a fração amizade desse amor, que é a fração aceitável, que é a fração que não gasta, que é a fração não egoísta. Eu sofro por te deixar não minha sem brigar, e não entendo porque aceito isso. Mas é fato: prefiro assim. Prefiro ter pra sempre um acesso à sua vida, como amigo, do que o risco de diluir tudo o que podemos sentir um pelo outro nas profundezas obscuras de um amor relâmpago. Conservador demais? Medroso? Covarde? Ou heroico no esforço hercúleo para superar os impulsos mais imediatistas? Com sinceridade: não sei dizer. Sei que amo você e que escondo esse amor dentro de mim como meu segredo mais bem guardado, e sinto que é o preço que pago para não perder você da minha vida. O resto são conjecturas de uma mente e um coração perturbados, que adorariam entender mais dessa realidade que lhes escapa e lhes envolve ao mesmo tempo.
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