Pois é. Cá estava dado às minhas coisas, minhas leituras, meu chocolate quente com chuva. Quando sou surpreendido por este agradecimento, vindo sei lá de onde, trazido pela internet talvez vindo daqui mesmo. Porque são paradoxais todas as coisas que me cercam, eu sei. Porque é inexata essa existência louca sem documentos ou históricos ou tempo contínuo.
Agradecia a tal mensagem à liberdade que eu proporciono. Ao resgate que sou.
Sim, é isso que sou: um resgate. Sou um resgate à liberdade de ser por prazer, pelo prazer de ser. É esta a natureza secreta, escondida lá na intimidade daquele que resgato. Não é existência dada a materialismos. A grandes posses, a paredes belas e estofados viçosos. Ou a viagens caras e almoços exorbitantes. Contanta-se tanto com existir e simplesmente existir, vendo o mundo. Vê o mundo pelas frestas amplas dos livros. E gosta.
E por que precisa de tanta libertação assim? Por que tanto me agradece? Porque a vida tem essa força inexorável de afogar a individualidade no que ela tem de mais original. No mundo de hoje chama-se de individualidade os lampejos de labaredas que vomitam restos de tudo o que é reprimido. Isso já não é mais individualidade: é o resto dela. Eu permito talhar no meio do cotidiano um caminho muito mais livre. Aquele em que se pode ser autêntico sem que seja por protesto.
O simples prazer de ser...
Tantas e tantas pessoas já conheci que jamais saberão o que é isso. Tantas e tantas pessoas que associam o cumprir do cotidiano com uma espécie estranha de prazer, enquanto engavetam sonhos e doutrinam as risadas. Risos não deveriam ceder tão facilmente. Que tem a ver um elevado gosto estético com o prazer do riso descompromissado? Aprender a ver os méritos dos grandes artistas é uma coisa. Diminuir o prazer de presenciar a vida em marcha, ainda que sem grandes feitos no momento, é outra.
Saio do teatro municipal. Pego o trem. Desço na periferia. Violeiros desdentados tocam num bar de esquina. Uma das violas com uma corda a menos, inclusive. Não existe um nome para a bizarra combinação de afinações entre as cordas. Entre as vozes.
Onde vi mais pessoas felizes? No municipal ou nesse bar de esquina?
No bar de esquina dançavam, sorriam, gargalhavam, pulavam. No municipal forçavam-se a apreciar a suposta supremacia artística de algo que não entendiam por completo. Empoleiravam-se sobre as migalhas da própria ignorância felizes por sentirem-se pertencentes a uma classe esteticamente superior ao resto.
Por isso o agradecimento tão enfático que recebi desta pessoa que me é muito muito chegada. Eu liberto disso. Eu não tenho medida estética. Eu não tenho pretenssão eztética. Só gosto de ser. Só gosto de sentir o sabor macio de desenterrar pensamentos ainda vivos debaixo dos escombros toscos dessa realidade que desaba o tempo todo em cima da gente. Gosto de ser. E de inspirar que sejam.
segunda-feira, 9 de dezembro de 2019
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