A mesa estava cheia. Cheia de gente. Cheia de comida. Os garçons apareciam sempre. As risadas apareciam sempre. A ordem do dia era a discontração. Piadas. Brincadeiras. Todos se despedindo do Gustavo. Iria, naquela noite, retornar para sua cidade natal. Mil e quinhentos quilômetros ao sul. Depois de três meses naquela pequena cidade, isolado de tudo o que conhecia até então, nada mais justo. Diante de mim estava Isabel. Sorridente moça dos longos cabelos, esposa de Lucas, a quem fora acompanhar. Que, de repente, resolvei se dirigir à mim puxando assunto e iniciando um monólogo:
-Comecei a ler um livro muito interessante, sabe? Um livro sobre as mulheres alemãs envolvidas com o holocausto, na época da segunda guerra, do nazismo. Sim, porque costumam falar sempre dos homens, e de certo modo eles escondem muita coisa. É um assunto bem tabu pra eles, não é? Mas eu me interesso muito por isso, acho bem interessante, porque acontecia muita coisa horrível. E é difícil imaginar, né? E eu mesma, olha, eu vejo muita coisa horrível. Eu sou assistente social. Eu me formei nessa área, agora estou trabalhando na prefeitura de uma cidade aqui perto. E a gente vê muita coisa horrível. Não é como nesse livro não. A gente não vive um holocausto como no tempo do nazismo, mas vive muita coisa que não dá para entender. A cidade em que atuo já foi uma das mais violentas do país. Ninguém sabe se o que melhorou foi a segurança ou as estatísticas apenas. Outro dia invadiram um apartamento a mão armada e uma grávida, assustada, pulou do segundo andar. Numa rua em que passo todo dia já me acostumei a ouvir tiros. Fiquei tranquila quando soube que os traficantes me conheciam e deixavam eu trabalhar, que nunca mexeriam comigo. Mas fiquei desesperada quando um deles veio me falar que tinha um traficante vindo de fora vender droga ali, e que ele não tinha ido com minha cara e que ia me matar. Daí tentaram me tranquilizar dizendo que já tinham matado ele e eu fiquei uma semana sem dormir. Porque no começo era assim, eu perdia o sono. E contava para o Lucas e ele ficava desesperado falando pra eu parar com isso. Porque era sempre histórias de crianças estupradas pelo pai, pelo tio. Mulher apanhando em casa. Bêbado atirando em bêbado. Velhos abandonados sem ninguém ir visitar por meses. Nem telefonar. Nem atender telefonemas. E eu chegava sempre com essas histórias e isso tudo pesava muito para o Lucas, para a minha família, para os meus amigos. Mas é muito difícil, viu? Com o tempo eu tive que aprender a separar...
sexta-feira, 8 de janeiro de 2016
Aprendi a separar
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