quinta-feira, 11 de abril de 2013
Agora
Um fusca velho na beira de um rio, numa rua com asfalto velho, rachado. Ele está sobre a terra. Aparência de abandonado. A grama da margem já nascendo por em volta das rodas, dos pára-choques. O cheiro podre da água cheia de esgoto invadindo o interior do carro, impregnando as janelas de uma coloração um tanto quanto opaca.
Um móbile feito de bonequinhos de tecido liso, gostoso de passar a mão. Um bebê no berço. Quase dormindo. Olhando hiptnotizado para o brinquedo que voa logo acima de seu repouso. As paredes pintadas num levíssimo tom azul claro. Recém pintadas. Tudo com ar de novo. Presentes de parentes e amigos misturam-se com as coisas que os pais compraram. Bonecos, carrinhos, luvinhas, meias, macacões, pacotes de fralas. E ele fecha os olhos e dorme um sono gostoso. Alheio a tudo isso. E, também por isso, o centro gravitacional de tudo isso.
Duas da madrugada. Sua visão é boa mas agora as coisas da rua lhe parecem meio turvas, desfocadas. É o efeito do vento úmido e gelado da noite em seus olhos enquanto pedala. Gosta de andar de bicicleta. Casas apagadas. Um bar com umas poucas pessoas. Um outro ainda cheio de gente até na calçada e música ao vivo. Uma casa com uma luz acesa. Alguém acordado? Teriam esquecido a luz acesa? Uma conversa? Amor acontecendo? Um doente recebendo cuidados? Uma insônia se manifestando? Um outro mundo... Pedalou e pedalou. Olhando as coisas passarem. Sentido-se ficando para trás também. Parou em frente ao hospital. Uma ambulância chegava. Manobrou rápido na rua, os pneus chegaram a cantar na curva fechada. Pessoas sairam correndo do hospital, auxiliaram a levar uma vítima de um infortuito qualquer lá para dentro. E então voltou aquele silêncio. Era o hospital. Lá dentro, aquela correria continuava. Mas ali, naquele instante, ele olhou ao redor, e era só a rua quieta de novo. O vento gelado e úmido por todos os lados. Voltou a pedalar.
Tem essa árvore que é longe de tudo. Que os homens nunca viram. Que fica no meio do nada. E tem nela esse galho com um ninho. E tem nesse ninho ovos chocados. Pequenos filhotes. E vai o pássaro-mãe voar e trazer comida. E vai o pássaro-pai afugentando ameaças que aparecem sedentas dos pequenos rebentos. E passam os aviões milhares de metros acima todos os dias levanto pessoas que não sabem de nada disso.
Ajeitou o dedo mindinho. Justo esse, que sempre dá mais trabalho. Soprou. Soltou uma nota longa, suave... Era a nota mais grave de que sua flauta era capaz. E então encontrou ali mais umas cinco ou seis notas. E brincou com tempos. E trocou intensidades. E fez uma música. Em seu quarto. No meio da noite. E ninguém ouviu. E ele não se importou.
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