quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Exausto

Amor me cansa
Estupida mania
De ter esperança

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Invisíveis II

Na pastelaria aqui perto da estação de trem a coisa ainda se passa como há décadas. Os japoneses atrás do balcão, os pedidos marcados em papeizinhos, o ritmo do serviço impressionando qualquer gerente moderno de fast-food. Pedi meus pastéis. Meu caldo de cana com limão. E logo após ser servido, vi uma apresentação notável: os guardanapos de papel haviam acabado. Eles nunca ficam apenas empilhados, ficam dispostos em uma espiral de papel assombrosamente perfeita. Vi os papéis serem repostos. No meio de toda a correria, lá foi seu Yoshiro pegando a pilha de papéis com a mão, e rodando os dedos ao redor como que num passe de mágica, e eis que em segundos a obra de arte havia nascido. Ninguém mais na cidade seria capaz dessa perfeição, muito menos em tão pouco tempo. Um espetáculo silencioso, gratuito, quase secreto...

Invisíveis

O navio vai se aproximando, lento mas decidido. Milhares de toneladas movendo-se sobre o atlântico, nada pode detê-lo. A pequena lancha é eclipsada em sua pequenez, mas nem por isso menos decidida. Manobra ao redor do navio até que os dois estão lado a lado. A velocidade é a mesma. Século vinte e um, radares modernos, comunicação por satélite... E o que está para acontecer aqui bem poderia ser uma cena de milênios atrás. Por sobre o grande costado, marinheiros descem uma escada de cordas, bem ao lado da lanchinha. Geraldo, o chamado "Prático", está nessa profissão há anos. Prepara-se, na beira da lancha, para saltar para a escada. Um erro aqui e ele pode cair ao lado do grande navio. Se der a sorte de não ser esmagado, terá ainda o azar de estar em uma região muito turbulenta, podendo até ser sugado para baixo do navio, para as hélices. Ele salta. Um dos pés perde-se no vazio. Agarra os degraus com as mãos. O outro pé acha uma beirada de apoio. Cuidadoso, vai subindo. Daqui até o porto, o navio manobrará sob suas ordens, com o capitão ao lado, observando...

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Lápis

Tão desconhecida
Contudo, tão familiar
Tão distante
Contudo, tão próxima
Tão diferente
Contudo, tão próxima.
A gente brinca,
Brinca por que é riso
Brinca porque brincar é bom
Brinca porque o futuro é incerto
Brinca porque é sincero demais
E, brincando, é sério.
É sério é verdade.
É sério porque queremos.
Segredos de nossas vontades...
É sério porque é a vida.
Nossas vidas...

Ritmo

Há mundos inteiros entre nossos mundos

E através de tantos impossíveis

E no meio de tantos intransponívies

Seu sorriso me alcança,

Sua vida me abraça,

E minha alma, com a sua, dança

Dança como toda dança um ritmo perfeito enquanto houver música

Seqüência harmoniosa de passos conjuntos

Tem sempre um ar de que foi ensaiada,

A coreografia que sai assim perfeita

E assim será até que acabe a música:

Os mundos todos que nos separam,

De lado todos, todos mudos:

Mundos atônitos, a nos admirar!

Saudade putrefada

Escrevi aquele trechinho pensando nela, claro que foi. Via o rosto dela diante de mim e as palavras sairam.

E tantas outras se apaixonaram ao ler. E ela nunca nem ligou.

Escrevi cartas com dezenas de páginas. Cada.

E ela escreve ao amado da vez: "para estar junto não é preciso estar perto, basta estar do lado de dentro".

E ela nunca viu que não sai do meu lado de dentro? Que minhas atenções são dela incondicionalmente?

De uns tempos pra cá essa cegueira, ou instintiva indiferença, me machuca. Me machuca a ponto de tornar difícil continuar amando. Me machuca ao ponto de doer mais e mais continuar amando.

sábado, 26 de outubro de 2019

Caixas

Disse o psicólogo James Hillman, autor de "The Blue Code" e "The Force of Character", dentre outros:

"I don't think anything changes until ideas change."

Essa é uma questão que se desdobra em inúmeros níveis.

Comecemos superficialmente. As coisas mudam por quê? O que causam as mudanças? Forças da natureza, iniciativa humana, e por aí adiante, segue-se a conversa.

Depois, reconhecemos que se a tal frase atém-se às coisas que mudam devido às mudanças de idéias, no mínimo devemos admitir que podemos apenas considerar aqui as coisas que de alguma forma ligam-se à atividade humana, pois longe dos humanos não haverá nenhuma idéia a persistir ou a mudar. Quase invertendo o raciocínio, mas ainda sem o fazer, concluímos por uma definição do próprio conceito de "mudança": é o fluxo de eventos da natureza que tem seu curso alterado por alguma interferência humana. Fica ainda aberta a questão sobre essas mudanças dependerem ou não da mudança de vontade nos humanos. Pode uma mentalidade não-alterada de repente protagonizar alguma mudança no mundo? Somos sempre conscientes de nossas escolhas, e de suas conseqüências? Não precisamos ser infalíveis em nossas predições para inserir mudança no mundo: ainda que os fatos corram numa direção totalmente adversa da esperada, infligimos ao mundo o estopim da mudança.

Finalmente, saltando para um nível metafísico mais profundo e agora sim revertendo o aparente objetivo inicial da frase do senhor Hillman: não seriam todas as mudanças nada mais que mudanças de idéias? Quer dizer, não importa o que aconteça com o mundo, EFETIVAMENTE, para todos os seres humanos, nada mudou enquanto não houver uma mudança delineável em suas percepções, em suas idéias. Não mudamos o mundo por conta da mudança no mundo em si, mas sim para legitimar a mudança em nossas idéias que tanto desejamos. Somos nossa mente, e toda nossa existência gira em torno de cuidar da sua manutenção e de manobrar o mundo para que ela tenha as percepções e idéias que deseja.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Who else

Could it be true that Edgar Allan Poe killed the poor Mary Rogers? The twnety-one years old girl was found with her hands tighted on her back when the body was found on the Hudson river. It was then the year 1841.

No matter if this is true or not, we are left with this consideration: what's really fiction among all the fictious stories we are left with? When it comes to aliens, vampires, witchcraft and so, it's easy to use the very laws of nature as a judge of the author's creativity. But what about strange stories that, no matter who improbable, are still plausible?

Sitting here, looking toward the horizon far away in this nice and soft noon, I feel that in fact I like these doubts. I like living with some possibilities in my mind instead of a bunch of strictly defined facts. It reminds me that I, myself, am not condemned to let all my imaginations forever locked inside. Some of them can come out, the world allowing or not, knowing or not, caring about it or not.

Nature is a very gentile hostess that allows us more than we imagine at first...

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Fill in the blanks

Acordo mergulhado num tempo que me engole

Me digere em pensamentos de longe,

Em vontades de outras coisas

Demora-se a escolher a própria vida, e a vida escolhe

Carreira brilhante, a tua

Futuro próspero vai ter!

Todos dizem, todos olham com uma certa inveja

Eu sem entender. Sem sentir o mesmo

Por que não vejo em mim o mesmo eu que vêem os outros?

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Nove

Vou defender a nota nove. É, nove. Nove é a nota máxima, dez não. Claro, não estou me referindo aos alunos de engenharia, matemática, física ou afins. A menos que o curso seja realmente bom e as provas tenham questões inteligentes. Deve ficar claro que estes comentários não se aplicam a provas teste.

Por que o nove? Ora, pensem num curso como o de sociologia, ou direito. O que significa um dez? Significa que você disse exatamente o que o professor queria ouvir. E que, se foi original em alguma medida na sua resposta, no máximo o foi por questão de estilo e elegância, não no arrojo das idéias. Uma idéia genuinamente nova irá certamente chocar o professor. Ele pode até ficar encantado com a originalidade, mas como cuidar desse desvio da normalidade no contexto de uma avaliação? Nessas horas, na grande maioria dos casos, ou o professor não conseguirá rapidamente captar a idéia inovadora e recorrerá à praticidade de subjulgá-la, ou entenderá sua grandiosidade mas deixará que as nuvens do ego eclipsem um devido reconhecimento do mérito. Por isso que, para uma mente realmente livre e original, o dez é uma nota de mérito inferior ao nove...

E como deve ocorrer a todo suspeito de genialidade, inicialmente paira a ambiguidade: é um nove devido à grandiosidade ou à mediocridade? Duvido que o gênio genuíno perderá tempo com esses detalhes...

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Sociológico

E dá lá pra arrumar uma namorada se você não tem carro? Como vai buscá-la? Como vai chegar em pouco tempo até a casa dela?

Até nos desenhos da Disney... O que seria do Aladdin sem o tapete mágico? Duvido que a Jasmin iria ficar separando os camelos dela para ir buscá-lo. Ele não teria a menor chance...

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Primeira aula

Aula de escrita, de literatura. Por que não? A idéia pareceu tão interessante, organizar um pouco as idéias...

O que levar na primeira aula? Nada? Com tantos textos escritos na gaveta? Vou escolher alguma coisa, sei que vou. E se não gostarem? E se não for bem assim que a aula funciona? Não é melhor deixar para depois, ir hoje só como um ouvinte curioso para depois pegar o esquema melhor?

Não, que fiquem os receios pra lá. Vou levar alguma coisa. Vou mostrar um pouco de mim e, se tiver que mudar, que saibam todos de onde estou partindo. Uma carta de amor? Um pequeno conto que escrevi sobre os bêbados que vi na rua? Meus secretos registros de que não tenho pudores com assuntos sexuais? O que vou lavar?

Poesia escrevo poucas, mas há um punhadinho delas também. E se rirem do meu pobre vocabulário?

Páginas dos meus diários? Registros super pessoais e nada imaginativos, registros do que a vida me deu, e não do que dei a ela... Valem também?

Há algumas centenas de fragmentos na gaveta. Cada um vindo de um passado diferente. De isolamento. De festas. De lágrimas e amores. Tantas diferenças. Tantas coisas que escolhi e lapidei e outras tantas que de modo algum controlei.

Fico olhando essas lascas de passados inacabados e pensando nos novos colegas que logo vão me ouvir. Quem quero ser hoje?

Título

O título é a última coisa que vai no texto, porque o nascimento é um processo sem controle. Escolhe-se o nome da criança depois dela nascida, não importa quanta discussão venha antes. O nascimento de um texto, por planejado e esquadrinhado, é também imprevisível.

domingo, 20 de outubro de 2019

Source

Quantos momentos de melancolia se somaram?

Demora lapidar essa arte de amar pra fora, amar a partir de dentro, cultivando o amor por si e não por recompensas.

Aprender a sorrir pro mundo para descobrir que, realmente, ele sorri de volta.

Não é uma forma de manipular o mundo para conseguir o que queremos. Nossas carências podem continuar ali, esperando um afago quente como aquele que há tanto se foi, com que tanto se sonha.

Mas o que paga esse sabor de ver as pessoas livres e felizes, de vê-las olhando em seus olhos e reconhecendo em você alguém feliz e ficando também feliz por isso?

Viola leis de conservação, eu sei. Viola de um jeito bom.

Listener

Pretty. Really pretty.

So young, seems to be my age. But such nice clothes, everything carefully choosen, the glasses, the hair carefully made. Is she married? Think she is. No, no. No ring. Not married. But surelly she graduated as early as possible and is already on a good job making good money, may be she lives alone...

Those were my first thoughts and impressions on the girl that would soon become my girlfriend.

And I had my way through her house, through her family, through her body and through her future. Or so she thought.

How could the two of us be so mixed together and still be living in worlds apart? Is it that her humor was so condemnably different from mine? Is it that love just ceased to exist because of its own will?

On the phone I used to tell stories. Stories that made my day happier, because I had to look for stories in order to have stories to tell and so I became more connected to the world and the world was a place full of stories. And she always loved to listen. And listened. And sometimes made her comments, always serious, thoughtful and pertinent opinious, shortly and objectively stated. And I realized I was happier for the much I found outside in the world after I met her, not for the things I found in her.

Now I tell stories to myself and to those who appreciate it because it's a reflexion of the things they like in the world more than a reflexion of the attention they so desperate want. And she still doesn't understand that the world she loved in me is but a single piece of the world outside which she so eagerly refuses to enjoy. I know I'm not being fair with this opinion on her, but fairness has its own realm, which cannot cover the entirety of life unless you give up being yourself.

sábado, 19 de outubro de 2019

Wired

Lá na Eslováquia, tão longe, tão longe.

Em Ribeirão Pires, seguindo de trem daqui...

Lá na Grécia, à noite, na frente de uma tela. Luz do quarto apagada. Claridade do monitor destacando alguns contornos do rosto.

Na Polônia. Quem diria, na Polônia... Um contorno de riso suave no rosto jovem, ao ler os elogios doces vindos de tão longe.

Mundo bom esse em que se pode exportar amor, agrados e sorrisos pra tão longe.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Muóónnnn

Ah, a mente quântica, nova modinha das livrarias por aí!

O caos libera nossa mente para o livre-arbítrio? Não. Para início de conversa, a inerente imprevisibilidade do mundo associada ao caos não é um indício de que a realidade não seja determinística. Apenas diz que não podemos prevê-la com antecedência, por conta de uma limitação intrínsica no acesso e manuseio de informações.

E as funções de onda? O gato de Schrödinger? A dupla-fenda?

Bom, até onde se sabe, o funcionamento do cérebro depende de um comportamento macro, ou seja, o que átomos e elétrons estão fazendo... Tá, um elétron já é pequeno o suficiente para cair nos encantos da descrição quântica, você vai dizer. Então a situação é aterradora: ao invés de livre-arbítrio, ficamos é com uma impossibilidade total de controle ou de autonomia. Se nossos switches internos saltam aleatoriamente de uma posição à outra, isso não é livre-arbítrio, é arbítrio aleatório, é descontrole total.

Eu gosto, amo, a atividade especulativa e as buscas de se ir além dos domínios atuais do conhecimento estabelecido. O que não quer dizer que eu curta adotar como verdadeiras considerações descuidadas feitas apenas para ter um apêlo encantador às fraquezas do nosso ego.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Darwin e Hawthorne

Taylor que me desculpe. Ford que me perdoe. Um engenheiro que quer entender uma máquina a vapor deve não apenas entender o esquema geral de um pistão sendo comprimido por um gás quente oriundo de uma caldeira e então imprimindo impulso a um eixo que o transformará em movimento circular. O engenheiro que realmente desejar o poder de pensar alterações na máquina, conceber desenhos melhores, deverá também entender a propriedade de cada material. Entender o aço de que são feitos os eixos, para saber o que eles suportam ou não suportam. Em que condições quebrariam, em que condições deslizam melhor, etc.

A assim dita administração científica era como o engenheiro ingênuo que se preocupa apenas com o esquema geral. Se a fábrica constitui-se de um grande número de pessoas desenvolvendo certas tarefas, vamos fazer as pessoas desempenharem suas tarefas o mais rapidamente possível, o mais "eficientemente" possível. Muniram-se de um cronômetro. Isso é como entender o esquema geral sem entender a natureza do material constituinte. Finalmente, anos depois, aconteceu o famigerado experimento de Howthorne, para mostrar que a natureza das pessoas envolvidas nas atividades é sim um elemento a ser considerado.

Mas ainda está para nascer uma consciência global desse fato. Por que não estamos conquistando o espaço? Indo para outros planetas? Por que não estamos explorando intensivamente os rincões mais escondidos deste planeta em busca de seus segredos científicos? Por que um problema tão bobo como a fome permanece como um dos grandes cânceres da nossa sociedade? Por que na era do computador, da comunicação instantânea, da investigação de partículas muito menores que o átomo, guerras ainda são uma ocorrência frequente sobre o globo?

Não quero ser ingênuo e dizer que é "porque ainda não evoluímos", ou porque "estamos ignorando nossa natureza". Se assim a natureza se manifesta, então ainda que este não seja o melhor dos mundos, é este o único mundo real e entender sua verdadeira natureza através dos detalhes de sua manifestação é o único jeito de enxergar as escolhas realmente possíveis num futuro próximo. Mas, para isso, essa natureza deve ser vista como realmente é, sem idealismos distorcedores da verdade.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Eta

O prazer é um dos combustíveis mais poderosos para a atividade humana. Será? As grandes criações da humanidade não são necessariamente frutos do prazer, do trabalho apaixonado. As pirâmides e a esfinge, as grandes metrópoles, ou mesmo o envio do homem à Lua. Emprego maciço do trabalho escravo, uso intensivo de assalariados vivendo nas camadas mais baixas da cadeia econômica, ou então uma rígida estrutura burocrática coordenando os esforços de um grande número de pessoas mais díspares. Quais dessas realizações surgiriam se, por hipótese, não tivéssemos que nos preocupar com nossas necessidades básicas e pudéssemos empregar todo o tempo da vida à satisfação de nossas paixões?
-----
Dez anos depois: Fica claro aqui o quão difícil é deixarmos os equívocos da humanidade para trás e pensarmos com a própria cabeça até ver o que olhamos por nós mesmos. "Grandes criações da humanidade"? Sim, quando ohamos o coliseu, as pirâmides e a esfinge, sabemos que esse monte de pedras não se amontoa sozinho daquele jeito. E se você e seus amigos quiserem construir outros pra vocês, não vai dar. A não ser que você tenha uns milhares de amigos (não de facebook; amigos mesmo!) Hoje está claro para mim que quando a sociedade classifica algo de "grande" está frequentemente deixando algo de lado, varrendo algo para baixo do tapete. Nem mesmo a ciência, desafio real de desvender os segredos da natureza, escapa dessa sede de hipocrisia. O que seria da ciência sem a matemática das balísticas, a quimica da pólvora? O radar que hoje salva aviões de colisões foi desenvolvido para poder derrubar outros aviões. As radiações que hoje encontram e tratam doenças foram compreendidas para destruir cidades inteiras.

Curioso que sociólogos, cientistas, políticos, turistas... todo mundo, continuam considerando coisas como a música e a literatura como eventos "lúdicos" - sempre com uma certa conotação de vagabundagem, mesmo quando esta não é explícita. Deveríamos nos questionar mais quanto às nossas motivações - e lidar com todas as vergonhas que virão à tona no processo.

Talvez esse seja um ponto central de uma devida definição de estágio civilizatório - se alguém ousar tentar tal definição. A mudança em nossas motivações. Quando deixarmos de considerar manifestações de poder e capacidade de opressão como nossos maiores feitos e passarmos a valorizar e admirar abertamente, mais que tudo, as verdadeiras grandezas, então teremos finalmente passado a um estágio significativamente diferente. Até o momento temos apenas a ilusão. A ilusão em forma de tecnologia, gravata e pib. Mas não passamos de selvagens estúpidos segurando uma tecnologia fantástica sem saber o que fazer com ela. Ainda estamos no primeiro estágio. Ainda apresentamos um rendimento extremamente baixo quando comparamos a felicidade real que obtemos com o esforço empreendido e com o conhecimento disponível.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Impulsos

As pessoas oscilam entre impulsos irresistíveis e maremotos de inseguranças das mais terríveis. A Priscila mandou um e-mail pro cara, chamou ele pra sair, ele respondeu, disse que sim, e ela nunca mais escreveu pra ele. E ela fica triste que ele não escreve um e-mail pra ela. E nada no mundo vai convencer a Pri a escrever. E eu fico pensando, aqui, se o tal cara também não está lá, só esperando uma resposta dela, e pensando "droga, acho que ela desencanou". Essa coisa de "talvez" é uma areia movediça que traga as pessoas pra suas masmorras internas, tranca o cadeado e joga a chave longe.

15 de outubro de 2019



Nasci.








segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Efeitos e meios

Ah, quantos protestos bobos pelo meu expresso ateísmo! Me deixem, me deixem, e pensem por um minuto...

O que lhes causa indignação nessa discussão sobre Deus é antes a vontade que repousa no coração de vocês de que Ele exista mesmo do que qualquer evidência irrefutável e incontestável de alguma manifestação.

E quanto ao bem estar ao rezar? E quanto à curas milagrosas de pessoas que têm fé?

Então vamos esclarecer uma coisa: uma coisa é caracterizar um determinado EFEITO no mundo natural. Outra coisa é ponderar sobre os mecanismos e a natureza subjacente da realidade que foram responsáveis pela ocorrência desse efeito.

Pessoas com fé recuperam-se melhor. Têm uma vida melhor. Claro, estamos considerando aqui as pessoas simpáticas que têm suas vidinhas tranqüilas e tal, não religiosos fundamentalistas que se explodem ou guerreiam com outras religiões. Enfim.

E daí? O cara acredita em Deus e se recupera mais rápido, logo Deus existe? Negativo! O que isso prova é o efeito benéfico DA CRENÇA em Deus, não a existência de Deus em si. Um ateu com uma postura positiva com relação à vida certamente experimentará efeitos benéficos também.

Além disso, pessoas religiosas tendem a viver em ambientes gregários dinâmicos. Reuniões na igreja, etc etc... Ora, a qual ser humano o convívio social faz mal?

É preciso distinguir claramente, nos efeitos observados, os limites das extrapolações que se pode fazer ao tentar explicar suas naturezas.

domingo, 13 de outubro de 2019

Ponderações

É tentador dizer de uma vez que Deus não existe, afinal de contas, não obstante a impossibilidade de provar tal afirmação definitivamente, é assombrosamente mais plausível a hipótese de que os homens criaram a idéia de Deus do que a estranha possibilidade de algum Deus real ter criado os homens. Não há sinais de Deus no Universo que não dependam de nossa vontade de encontrá-lo. Não é como a manifestação das outras realidades. Rejeite a idéia da gravidade e ande precipício adentro: cairá, certamente. Use toda a fé e poder de mentalização de que seu espírito é capaz negando a eletricidade, e morda um fio de alta tensão. Certifique-se de que um de seus pés esteja sobre uma poça d'água, pra mostrar que realmente seu poder de mentalização é capaz de negar a natureza. E verá que, na prática, a natureza não hesita em negar nossa fé sempre que essa fé apela para absurdos. Ainda assim, direi não que Deus não existe, mas para manter-me coerente como bons princípios de investigação que tanto admiro, ficarei apenas com isso: Deus é altamente improvável. Apenas uma observação a mais: a vida é altamente improvável e aí está. O grand Canyon é altamente improvável e lá está. O Google é altamente improvável e lá está. Minha primeira namorada se chamar Gisele e morar no Tatuapé é altamente improvável mas foi o que aconteceu. Objeção registrada. Diferentemente de todas essas improbabilidades, contudo, Deus até agora não deu um sinal que preste.

sábado, 12 de outubro de 2019

Ilhas

Os engenheiros não sabem nada sobre as pessoas que usam seus carros. Os apaixonados por jazz não têm a menor idéia de como são as alegrias dos apaixonados por rock. Os roqueiros não entendem todas os sentimentos de uma boa noite de forró. Os sérios não entendem os alegres. Os saidinhos não concebem a paz da vida reclusa como algo venerável. O que sabem os diplomatas sobre os mundos que articulam? O que sabem uns sobre os outros?

Somos ilhas, ilhas fechadas, isoladas. Raramente sai um tímido barquinho de uma ilha a outra, e nunca sem perder muita coisa ao mar antes de chegar a um destino aleatório qualquer. Você e seus amigos são ilhas. Você e seu trabalho: ilhas. Os músicos todos que você não conhece: ilhas. Somos fundamentais para que o mundo aconteça como acontece, mas ninguém sabe o que está acontecendo. Colhemos garrafinhas mensageiras trazidas nas ondas e achamos que são o universo.

Ninguém tem o controle. Ninguém tem as rédeas. Ninguém vê a cena. Talvez porque o palco seja grande demais. Talvez porque não tenha ninguém olhando.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Festa

Tá certo que meus ânimos voavam longe por terrenos abstratos demais perto da rotina mundana e casual dos últimos dias.

E que o ambiente era de uma alegria pura, todos dançando, conversando, som alto e sorrisos.

Mas como ficar só ali? Eu via um senhor e uma senhora dançando, e pensava na vida inteira, da solidão às famílias gigantes, em todos os espectros. A humanidade tinha ali um contra-argumento veemente contra guerras e intolerâncias. Porque aquelas pessoas estavam ocupadíssimas sendo felizes e nada mais, e era bom. Valia a pena.

E ela dançando... Linda.

Há injustiça em tentar descrever? Talvez sim.

Deus deve tê-la concebido antes de todo o resto. A viu dançando e pensou que a obra valeria a pena. E que deveria haver toda uma humanidade em volta para poder apreciar também.

E se esse deleite todo de apreciar essas coisas não fosse a resposta final para todas as filosofias que já minuciaram sobre os objetivos da vida, o que mais seria?

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Pudores

- Esse excesso de pudores com piadas é horrível! Tipo, quando o Obama fez menção aos jogadores de pára-olimpíadas e todos cairam matando criticando-o... Foi uma colocação apenas, sabe? Informal... nada de mais!

- Não sei não! Imagina se começam a usar você em frases informais do tipo: "Eu ainda não danço bem não, danço quase tão mal quanto o Adoniran!".

- É, tá, entendo...

Mas depois desentendi de novo. Eu danço mal, não danço, então se alguém fizer menção a esse fato e eu ficar chateado, o problema é antes da minha relação pessoal com a verdade do mundo do que da sinceridade indevida da pessoa, não é?

Nossos egos demandam algum tipo especial de monopólio pela mentira, vai ver é isso.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Conselho

Eu lembro daquele apartamento pequeno, num bairro afastado. Casado, minha família. Eu saía cedo todo dia para o trabalho. Entrava em casa no começo da noite e os pequenos pulavam no meu pescoço. Quem não é pai consegue imaginar a sensação que isso dá?

Agora os vejo poucas vezes por ano. Um casado, tem filhos. Outros trabalhando, estudando.

Outro dia o do meio me ligou. Queria conselhos sobre emprego. Tinha uma vaga que pagava bem mas na qual ele temia ser infeliz.

Ele queria um conselho meu. Eu mal sei quem ele é hoje e ele queria um conselho meu.

Fui trabalhar na pastelaria onde evito usar o tempo livre para pensar na minha vida. Mas fiquei pensando nele.

O que eu poderia dizer? Dinheiro é importante, claro.

Que conselho teriam me dado?

Quis ligar pro meu pai e reclamar da falta de conselhos nas últimas décadas...

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Festa

Quatro dias para que eu me torne outra pessoa, praticamente. Falta pouco, quatro dias. Quatro dias e um mundo de coisas que só eu sei será sabido de muitos. Muda-se assim? Eu já era outro? Ânimos e segredos, sonhos e vergonhas. Tão simples. Tão impossível.

Ingratos

Os religiosos, além da ignorância cega sobre o mundo que os circunda e da triste sub-utilização que fazem de suas massas cinzentas, são também muito ingratos com todos os céticos da história, que lhes deram o mundo moderno repleto de recursos para saúde e utilidades diárias tecnológicas de todas as formas.

Que possível progresso trouxe a religião à humanidade?

Ana

Minha doce impossível
Tem um doce quando dói esse amar
Tem um suave nas ranhuras dessa tragédia
E as palavras que você me inspira
A tantas outras comove
Pra acreditar no amor
Só mesmo não sendo amada, não é?
E esta, talvez, seja a prova maior
Que amar não é coisa do mundo das coisas
Que amar é sonhar

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Ingratos

Os religiosos, além da ignorância cega sobre o mundo que os circunda e da triste sub-utilização que fazem de suas massas cinzentas, são também muito ingratos com todos os céticos da história, que lhes deram o mundo moderno repleto de recursos para saúde e utilidades diárias tecnológicas de todas as formas.

Que possível progresso trouxe a religião à humanidade?

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Faxina

Apesar do sol lá fora, fiquei em casa. Fiquei para arrumar as coisas. Literaturas velhas e uns rascunhos jogados, misturados. Fussei aqui e ali, joguei tudo no chão. Parece que o caos completo é um convite muito mais enfático à ordem do que a quase-ordem. Ontem no bar estava vendo as pessoas... Umas muito donas de si, outras sem nem saber onde estão.

Hoje estou aqui, comigo, me vendo. Não sei se sou por demais dono de mim. Ou se não sei onde estou.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Carisma

Ele é um cara legal, todos gostam dele.
No meio das pessoas, as conversas fluem, nascem como se não houvesse outra opção para a Existência.
- Ele não é só doido, ele é meio que um personagem!
Compartilho da opinião do Thiago. Ele é um personagem. Ninguém ri daquele jeito, nem ele. Só o personagem dele. Alegre de uma alegria que contagia.
As pessoas se aglomeram em volta para ouvir qualquer trivialidade que seja. O que importa é que seja contada por ele.

Aconchego

Tinha uma poesia passando frio na rua, à noite. Eu a vi e a cena comoveu meu coração. Linda, linda. A trouxe para casa. Fiz chocolate quente, dei-lhe um banho. Nos deitamos juntos, e a noite se transformou em versos com rima e tudo.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Breve

Eu ainda não via seu rosto
Quando eu fechava os olhos, eu ainda não via seu rosto
Lembrava vagamente do seu sorriso
E da sua voz
Seu jeito de me olhar nos olhos enquanto dançava
Deitava à noite em meu travesseiro
E de você degustava essa lembrança vaga
Que tem quem viu uma única vez
Mas agora que te vi de novo e de novo
Tenho seu rosto comigo
E entendi seu jeito de se aconchegar no meu abraço
Até encontrar todos os pedacinhos de afato
Entendi detalhes do seu cheiro que não sabia
E ouvi suas histórias, segredos, sonhos, medos
E vi suas alegrias. O canto, a dança, a vida
Você gosta de celebrar a vida
Eu ainda não via seu rosto
Quando eu fechava os olhos
E agora vou dormir
Fecho os olhos
E vejo seu rosto
E vejo dentro de você
E a saudade é tão maior

Oferta

Ontem eu descobri que sou descartável
E doeu, e entristeceu, e vergou meus ânimos até que tocassem o chão
E olhando a esse rebuliço de humores
Pensativo, pergunto à minha sombra: por que?
Descartáveis somos todos, não somos?
Descartáveis somos todos
Venerável seja essa rara espontaneidade
De deixar pra lá sem delongas
De esquecer sem maiores justificativas
Você é raro, é único
E todo mundo é.
Nessa abundância de raridades insubsituíveis
Há sempre um novo raro
Todos descartáveis