domingo, 27 de abril de 2008

De papel passado

Um amigo meu diz que ama a namorada. Diz a ela e aos outros. E trai a pobre sistematicamente semana sim, semana não. Estão juntos há anos e é um namoro de dar inveja a todos.

Que importa o se sente guardado lá dentro, afinal? Pra que serve qualquer declaração se qualquer um pode falar o que quiser? E que adianta sentir o que quer que seja se sentir é sempre algo invisível?

É invisível mas pesa... Inferno, como pesa!............

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terça-feira, 22 de abril de 2008

Parto

Na natureza a vida rompe-se em dor, em risco, em uma aposta quase impossível. E tem sido assim por bilhões de anos. E tem sido um sucesso. Será assim com nossas vidas também? Que as coisas autônomas, de certa forma maiores que a gente, ao nascerem trazem consigo uma grande revolução invariavelmente associada a alguma dor incontrolável, que não mata, não fere, mas corta o peito e bagunça o fôlego?

Fiquei horas na cama. Música alta para tentar não ouvir meus pensamentos. Tempos depois, era incapaz de dizer a mim mesmo se chegara a dormir ou não. O tempo simplesmente passou.

Tomara que logo aprenda a engatinhar. E a andar sozinho. E que seja forte e saudável.

Esclarecimento

Cumpre esclarecer aos nossos prezados leitores que o post Pobreza não consiste em um momento de alcoolismo descabido ou intoxicação ilícita por parte deste autor. Trata-se apenas da idéia de que o estado do nosso mundo em que a pobreza predomina é um estado de baixa energia, e que diminuir a pobreza é um processo de reversão de tendências naturais de nossa sociedade, tal como uma geladeira constitui uma reversão artificial da tendência do calor "fluir" para o corpo mais frio.

domingo, 20 de abril de 2008

Pobreza

A exibição formal da Primeira Lei ocorreu sem maiores transtornos. Com ela, afinal, os alunos já se encontravam devidamente familiarizados através de outras disciplinas nas quais seu uso é lugar comum. A conservação de energia é uma ferramenta básica do cientista da natureza, embora quando efetivamente estudando termodinâmica pela primeira vez ele perceba o quão pequena é sua capacidade de visualizá-la, de conceituá-la e de fundamentá-la. Ainda assim, o trauma, embora intenso, é rapidamente superado.

Chega então o momento de apresentar a Segunda Lei, e com esta uma breve lista de decorrências tão simples na dedução quanto complexas nas conseqüências. Entropia. Uma nova propriedade. Assim como temperatura, pressão, volume. Um valor associado a um determinado estado. Porém entropia surgindo do nada! Não se conservando portando! Como assim? Rendimentos inerentemente limitados? Imperfeições aparentes que estão já no limite do possível. A perfeição absoluta como qualquer coisa menor que cem por cento.

Tudo isso uma medida da desordem, uma régua da irreversibilidade. E ficam todos então um tanto quanto sem entender porque a natureza é assim, embora sem sombra de dúvidas seja geral o espanto e a admiração pelo fato de que ela efetivamente assim o é.

E no contexto das leis que se mostram irrevogáveis na caminhada pelo caos, vemos que a medida correta de orientação de trabalho é capaz de um aparente absurdo do impossível e fazer a temperatura ir do frio para o quente. Uma geladeira. Com a inserção orientada de uma quantidade devida de trabalho, tem-se uma geladeira.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Hora de dormir

Nossa mãe! Preciso arrumar meu quarto qualquer hora. Só queria dormir mas foi impossível não ser tomado de terror por tamanha bagunça. É tanto talvez jogado, tanto e se do avesso em cima do cesto. Pior é a máquina de lavar, quebrada. Isso ainda fica assim por um bom tempo, que eu sei. Vou dormir assim mesmo. Apagar a luz e deixar isso tudo sumir. Abraçar meu travesseiro. Xingá-lo até esquecer que é um travesseiro. Olhar pra ele, no escuro, tendo a certeza de que no meio da bruma impenetrável aquele olhar me procura também. Que diferença faz, se cinco centímetros ou vinte quilômetros? Aquele olhar me procura também, é o que importa. Um certo desconforto nos meus pés. Eram só uns princípios jogados na cama. Chuto um por um para o chão. Amanhã faço um pacote bem grande e jogo tudo fora, que é dia do lixeiro.

Rotina

Recebi uma ligação. Aguardei um tempo. O professor terminou de falar, saí da sala.

E era assim, assim quando ele pensava estar super ocupado. Assim que surgia em seu íntimo essa sensação de compromisso, de importância, de inusitado. Um telefonema urgente com algo imprevisto acontecendo que demandava sua atenção. E assim também no dia seguinte.

-O que você pensa em fazer quando concluir o curso?

Não sei, realmente não sei. Olha, poucas vezes parei para pensar sobre isso, sabia?

E não pensava mesmo. Os dias distantes constituiam abstração intensa demais, não valia a pena. A vida parecia jamais poder perder esse sabor de ser fundamentalmente a nitidez dos próximos cinco minutos. E agia assim com muitas coisas, muitas. Dos mais variados campos. Das mais distintas naturezas. Parecia de fato que tinha por único plano feito fugir de toda espécie de planejamento. Afinal, estes poderiam ter o grave efeito colateral de levar a alguma realização. E se algum grande desejo se realizasse? E se algum grande sonho se mostrasse conquistado? O que seria do sonhar em si? Ele lembrava vividamente das vezes em que abrira os presentes de natal. Não os abre mais. E a vida parece ir indo cada vez mais ao longe assim. Cada vez mais sem fim.

-Poucos no seu lugar teriam deixado essa oportunidade passar, se é que alguém o faria. Você tem alguma idéia do que estou tentando lhe dizer?

Que as pessoas agem como lhes foi ensinado ser convenientemente correto. E eu só estou tentando me fazer conveniente. Um dia aprendo.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Sem nome

Noite, todos reunidos. Subimos a escadaria para ver se encontrávamos o senhor que vendia brigadeiros no prédio adjacente. Um vira-lata, jogado no caminho, levantou-se para nos seguir. E seguiu. Nada dos brigadeiros. E o cachorro lá. As meninas queriam passar no banheiro antes que fôssemos embora. E o cachorro lá. Agachei-me para conversar com ele. Aproximou-se. Pedi a pata; a pata. Todos gostaram dele. Era um cachorro de rua, mas estava sendo cuidado pelas pessoas dos arredores, pois não estava tão judiado assim. Aprovando nossa atenção, adotou-nos como companhia pelos minutos seguintes. Enquanto conversávamos e nos discontraíamos, ele participava latindo às gesticulações mais pronunciadas. Vez ou outra latíamos de volta.

Era tarde, e voltamos aos nossos carros. E ele nos seguindo. Ao abrirmos os carros, ele entendeu o que iríamos embora. E, antes que nós, foi embora.

Imagem obtida deste site.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Monólogo

- Mas o que se passa afinal, porque é que você anda assim tão ausente?

- Tenho que esconder meus sentimentos. Ou pelo menos julguei que deveria, ou por excesso de prudência, ou para alimentar minha ilusão de caráter.

- Sentimentos por quem?

- Por você minha cara! Por quem mais seria?

- E me conta assim, depois de tamanho esforço?

- Mas é só em meus pensamentos. Decorrerá só um incômodo menor que consiguirei superar sem grandes dificuldades.

- Mas não deveria ter me contado. Não mesmo... Sabe que não há como ficarmos juntos, sabe que...

- Que? Vai dizer que os sentimentos jamais serão conhecidos?

- E seriam algum dia? Por que? Você não acredita no que vê... É mais concreto o que faz sentido ao que você quer do que as histórias que teus olhos lhe contam todos os dias. Eu apareço diante de você vivendo uma outra vida. Estamos intransponivelmente distantes em quase todos os sentidos e você distorce as pequenas proximidades para me aproximar de você em outras formas. Porque não vive o dia de hoje fora da sua mente?

- Vou ficar aqui mais um pouco. Aqui em algum lugar em que eu possa estar mais perto de você sem interferir na sua realidade.

- Mas não se demore. Não é justo me possuir mais perto de você assim se afastando de mim.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Mito da caverna

Imagine pessoas que só viram sombras. A vida toda. E que você sempre viu a luz, a vida toda, desde que nasceu. Isso é ser cego ao contrário. Quando você vai desconfiar que vê? Quando?

E quando vai contar aos outros que vê? Quando vai desistir de contar a eles que há luz?

Vão te isolar, te repreender, te desacreditar. E você continuará insistindo. Continuará?

Vai convencer-se de estar louco. E cultivará sua loucura pois ela não lhe deixa. Cultivará em segredo. Jogará sua testa contra as paredes e baterá seu joelho nas quinas. Fará como todos. E guardará para si as imagens que não existem.

Até que um dia você se apaixona de novo.

Imagem obtida daqui.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Selo de Força Total

Caríssimos!

Recebi já há alguns dias um presente do blog JLouThings: um selo de Força Total.

Creio que os bons costumes da blogosfera pedem que eu repasse o presente a outros blogs de minha preferência. Ficarei hoje com alguns dos que já estão "linkados" aí ao lado. São eles:

  • Alma Bêbada - Um outro point internético cheio de defenestrações aleatórias.


  • Bianca Feijó - Periodicamente uma nova fatia de percepção criativa do mundo.


  • Entre Pernas - O único problema desse blog é não ser atualizado sempre. Porque a idéia é ótima os posts bem interessantes


  • Horas de Clarice - Este blog não é atualizado desde fevereiro. Entrem lá e deixem algum incentivo. Por quê? Bom... leiam qualquer coisa, vejam como esta menina escreve... E confesse que ficou querendo mais!


  • Minha Terapeuta está de Férias - Reflexões de uma estudante de psicologia. Precisa falar mais?
  • Futuro

    Acabou o mundo. O holocausto. Ontem. Foi terrível. As imagens iam chegando pela televisão de cada canto do mundo e, uma a uma, sumindo. Aqui, do último acampamento antes do pico da montanha, vejo que não sou mais o homem mais alto do mundo. Sou só o único, e não sobrou ninguém para comparar.

    Sentado, olhando ao longe para o céu de estranha coloração, detendo-se sob os ventos de fortes rajadas, pensou. Justiça. Injustiça? Havia um crime acontecido? Mais que explodir o mundo pelos ares, aquelas bombas implodiram tudo o que é humano ao coração de um só homem. Que finalmente entendeu o quanto tudo é volátil. Com tamanho conhecimento então, desejou nascer de novo, mas a natureza permanecia rígida e intransponível. Pensou em se matar. Mas a morte perdera por completo o sentido. Tanto faz.

    Sentir sozinho é não sentir, é um sonho morto, é uma mentira, é um impossível.

    Pegou um pouco de neve em suas mãos. Fria. Os dedos ganhando coloração arroxeada. Um pouco de água derretendo com o calor da mão e em seguida congelando ainda enquanto começava a escorrer, ao encontrar o vento. Dor. Sede. Um animal, estava reduzido a um animal. Estava sendo tratado pela natureza como um animal. Estava ali só miseravelmente sendo o que se é. Inconformou-se. Chorou e não foi ouvido. Pensou em não ter mais nenhum pensamento com palavras, afinal não haveria ninguém para ouví-las jamais. Destruiu sua presença pensando com isso puxar o tapete da Solidão. Mais três dias, e morreu.

    Menina

    - Mamãe, borboleta mamãe, borboleta. Borboleta mamãe...

    E nada que a mãe pudesse entender dessa insistência incontida de tamanha concentração numa palavra só. Algum filme, um desenho. Ou mesmo uma borboleta pela casa. Nada. Nada encontrava que pudesse explicar a fixação da filha.

    Pelo fim de tarde, na pracinha da cidade, uma das cenas mais lindas. Uma revoada de pelo menos dez borboletas, das mais coloridas. Nunca havia visto tantas juntas. E novamente a menina disse, com inquietante trivialidade diante daquela cena insólita:

    - Borboleta mamãe... Borboleta.

    Algo na concatenação daqueles fatos fazia toda sua simplicidade transcender de modo inexorável todas as barreiras da natureza e lançar-se ao domínio do fantástico.

    A mãe deu de ombros, por fim.

    quinta-feira, 10 de abril de 2008

    Saudade

    Quantos metros tem a saudade? Precisava saber, queria colocar tudo em escrituras. Papel passado, coisa correta.

    Chamei agrimensores. Trouxe gente estudada. Vasculharam o campo, foram olhar atrás das montanhas, depois dos vales. Nada. Não encontraram nada.

    Roubado! Fui roubado! Onde está minha saudade?

    Chamei a polícia. A divisão anti-seqüestro. Helicópteros. Satélites. Cães farejadores.

    Minhas posses e as alheias debaixo do mais detalhado dos escrutínios.

    E nada. Nada.

    Arqueólogos. Astrônomos. Piratas. O Discovery Channel. O Gugu, Silvio Santos e o Fantástico. E nada. Nada. Físicos nucleares. Aceleradores de partículas. Uma por uma das dez dimensões. E nada.

    Que não se encontre em lugar nenhum dessa matéria estranha é fato mensurável. Que seus efeitos me acompanhem em todos os lugares... quem explica?

    Imagem obtida deste site.

    quarta-feira, 9 de abril de 2008

    Cachorro estóico

    Nenhuma posse é verdadeiramente nossa. As coisas, antes de nos pertencer, pertencem ao mundo, e da forma que nos foram dadas podem nos ser tiradas. E outros bla bla blás à moda dos velhos estóicos. E aí? O que fazer com a palavra pertencer então? Às favas com ela? Tão somente a sabedoria e a nobreza nos pertence? (o que talvez consolasse os romanos, mas hoje certamente nos torna as coisas ainda piores!)

    Como, creio, o assunto não está sob os auspícios de nenhuma legislatura dos conselhos e papéis, sinto-me livre a manobrá-lo conforme as conveniências. Vou é brincar de redefinir posse às minhas vontades atuais.

    Possuir verdadeiramente é ser destinatário de uma manifestação externa em sua ocorrência expontânea, ou seja, independente de qualquer esforço artificial para restrição das liberdades do que é possuído. A posse assim definida não parte do proprietário para o objeto, mas do objeto para o proprietário. Nada se possue. O objeto de posse, em sua deliberação livre, eventualmente se deixa possuir.

    Não gostou? Faça a sua definição, fique à vontade. Eu fico com esta aí de cima porque engloba conceitos bem... bacanas! Ao mesmo tempo que fica excluída a possibilidade de posse de bens materiais, dadas as limitações deliberativas desses, e assim preservamos os ideais de frugalidade dos estóicos e outros desocupados, consigo uma vantagem adicional: a de garantir que, ao menos ontem, possuí um cachorro.

    Isso mesmo: um dog, um au-au, um vira-lata. Não trocamos restos de bolacha, pão ou qualquer outra coisa. Não lhe salvei a pata, a sede, o frio ou o terreno. Apenas o conheci. Nos vimos. E o vira-lata seguiu-me avenida afora. Parei no ponto de ônibus. Sentou-se ao meu lado, sem frescura. Não ficava olhando, ou incomodando minha perna com a pata. Sentou-se ali. Olhou a rua. As outras pessoas. O ônibus demorou, levantei. Levantou-se. Foi ao caixa eletrônico comigo, esperando-me do lado de fora. Deitou-se debaixo da mesa da lanchonete, à calçada. Parei à banca de jornal. Entrei em um sebo. Saí. Sozinho, pensei. E lá ele aparece de novo, passa à minha frente, correndo, e vai liderando o caminho.

    Rendendo-me às normalidades do mundo, entrei na estação do metrô e perdi neste dia a única posse que tive.

    Serão as pessoas capazes de se possuir assim também com tamanha pureza e cristalidade, por cima de tantos planos, carências, sonhos, egoísmos, invejas, sonhos e estratégias?

    Imagem de Maurilio Orozco

    segunda-feira, 7 de abril de 2008

    Homem comum

    Sonho com tudo, quero o mundo. Quero ainda mais. Quero o mundo me querendo. Quero mais que um sorriso, mais que um olhar. Quero um sorriso me sorrindo, um olhar me procurando. Não quero abraços, quero o desejo do abraço. Não quero o dinheiro, quero o sentimento de que vali a pena. Mas quero ainda mais, ainda muito mais.

    Quero meu travesseiro. Cheio de sonhos. Cheio de amanhãs para sempre. Quero mais que todas as conquistas do mundo. Quero desejar o impossível e cada vez mais o impossível. Vida eterna. Tensão. Desespero. Sede. Quero sentir minhas entranhas sedentas por se mover ao próximo segundo numa necessidade de sobrevivência imediata. Quero a morte rondando por perto. Quero a morte em si. Quero o desprendimento de tudo isso. Quero esquecer a vida. Olhar pra ela de longe. Olhar pra mim de longe, olhar para os outros. Quero não me achar na multidão.

    Quero ser ninguém, em definitivo. E conquistar o mundo.

    Eu aposto meus sonhos na nobreza do mundo. Deixo de lado que a ética é a maior desnatureza do homem. E nesse contrasenso garanto dos meus vazios minhas maiores glórias.

    Clique para ir à origem da imagem

    domingo, 6 de abril de 2008

    Curiosidade folgada

    Não, não. Nada de poesias apaixonadas agora. Tá tarde e amanhã é segunda-feira. Comportemo-nos. Venho aqui por outra razão. Um pedido, uma súplica, um clamor à multidão, como queiram...

    NÃO DESPERDICEM AS PESSOAS!

    As pessoas ao nosso redor, com quem cruzamos todos os dias; ou as do outro lado da cidade. Cada uma, um espetáculo à parte. Um baú de repente encontrado no sótão. Um presente de natal ainda não desembrulhado.

    A moça quieta no trem que, quebrada barreira do isolamento por conta de um incômodo celular, contou ser intérprete para surdos e mudos em uma faculdade.

    Todos os dias temos algum tipo de contato com pessoas diferentes, nem que seja um mero acaso de proximidade física. Nem que seja estar acessando o mesmo site ou olhando para a Lua ao mesmo tempo. Sempre que possível, fale com as pessoas.

    O velho senhor de chapéu, roupas simples, sandalha velha, olhar distante e sorriso puro, que com muita luta contruiu ele mesmo quinze casas e os filhos que ajudaram em algumas delas. Que de tanto trabalhar em obras, conversava com a terra. Anteviu o desmoronamento de um barranco quando todos os engenheiros professavam o contrário, e salvou duas vidas.

    Eu tenho minha histórias estranhas. Guardadas comigo. No metrô, de mochila, tênis, jeans e camiseta pólo, sou um estudante e nada mais, ninguém diria outra coisa. E baguncei em viagens, cantei desafinado. Vi acidentes ao vivo e corri com uma gestante hospital adentro. Muito além do grafite, papel e integrais. Quem desconfiaria?

    A senhora que carregava um Voltaire no metrô. Aluna de filosofia, pensei. Certeza. E estava redondamente enganado: uma parapsicóloga investigando segredos da existência e desesperada por descobrir onde se esconde a seita que realiza os rituais que, todas as noites, ela vive em sonhos vívidos. Uma louca, doida: uma conversa e tanto!

    Ou o analista bancário que me encheu de dica sobre ações muito além do que jamais conseguirei lembrar. A velha miúda com fotos de família na bolsa e histórias do marido desleixado que ela amava insistir para pentear o cabelo e para quem fazia roupas e mais roupas com as próprias mãos. O menino que me perguntou tudo sobre o livro que eu lia, para o embaraço dos pais, e em quem cada resposta despertava dez novas curiosidades vivas e inquietas.

    O tio de uma amiga minha, pessoa que por um ano cumprimentei quase toda semana para só então descobrir que ele havia viajado o Brasil em sua infância com um grupo de teatro, chegara a montar um kibutz e a contrabandear livros de comunismo debaixo da ditadura.

    O torneiro mecânico, fala simples e modos rústicos, com melhores idéias para emprego das máquinas ociosas que qualquer empresário ou gerente que já olhara aquele galpão. "Um curso técnico, sabe? Os menino faz aí uma profissão. Montá o que? Sei lá, coisas pra cadera de roda, ou qualqué coisa que possa doá depois pra hospital, quem precisa! E a máquina daí num fica parada, num enferruja assim, que dá até dó!"

    E tem tão mais por aí. Têm sim fatos bizarros, fatos marcantes, feitos e efeitos notáveis. E mais ainda: há tanta profundidade também. As pessoas têm vidas dessas que se espalham pros lados em afazeres, histórias e compromissos. Mas essas mesmas vidas afundam pra dentro em sonhos, prazeres, medos, desejos, raivas e risos. Estes temperos todos que fazem do cotidiano mais banal um épico mais épico que derrubadas de impérios, conquistas das montanhas e estrelas ou qualquer coisa que afete o preço do dólar.

    Um mar sem fim. Nas pessoas que nos aparecem por acaso. Não ignore os acasos! Pergunte, converse, olhe, escute, insista, sorria sempre nos olhos, lábios e modos, e tenha uma certeza: há sempre mais para além do que vemos nos outros, não importa o quão fundo fuxiquemos. Sempre, sempre mais!

    sábado, 5 de abril de 2008

    Taurino

    Fui a uma astróloga. Tinha que ir... Tem tanta gente indo! Ela disse que eu, por ser taurino, ter esse ascendente (ou acendente, pois que diferença faz um ésse a mais ou a menos frente à compassada coreografia dos astros?), sou muito preocupado com as opiniões que os outros têm de mim. Fiquei puto! Se ela espalha isso por aí, vão dizer que não passo de um inseguro sem opinião!

    Ela também disse que tenho um senso de humor refinado, ao que perguntei se ela conhecia a piada do "não nem eu". Gosto de quebrar expectativas.

    Teimoso? Teimoso eu não sou de jeito nenhum!

    Muito menos tímido ou perfeccionista!

    Fosse eu perfeccionista, não publicaria uma porcaria dessas no meu blog, ou talvez apenas pediria aos obedientes leitores que parassem de ler por aqui.

    Parem de ler, por favor!

    Estou pedindo, por que desobedece?

    Olha, vou ter que tomar medidas drásticas, pare de ler agora!

    Foi você quem pediu! Nesses termos, serei forçado a parar de escrever! Olé!

    Atrator estranho

    Sem literatura, os fatos: saímos hoje para comemoração de aniversário, todos os amigos. Os que se conhecem há pouco tempo e os de longa data.

    Nunca só os fatos: e eles dois também, claro! Há tanto tempo se conhecem... namoradinhos dos namoros de infância. Moram perto. Estudaram juntos. Os pais são amigos. São a maior incompetência na tarefa de serem definitivamente nada mais que amigos, embora oficialmente nunca migrem além desse status claustrofóbico. Se encontram. Se brigam. Se beijam. Se querem. Se desconfiam. Se evitam. Se sonham. O fracassado noivado dela não desperta tantas emoções quanto essa história. As amantes de camas incontáveis dele não nocauteiam assim tão forte até mesmo o lado mais bruto e inabalável de sua saudade. Nesses tempos tão modernos, a única coisa que os dois temem nessa paixão contida: é que é amor de verdade. Quem lhes tira a razão?

    quinta-feira, 3 de abril de 2008

    Atemporal

    O trânsito parou. Maravilha. Sim! Maravilha mesmo. Não vou deixar o inconveniente de um simples congestionamento transformar-se numa real ameaça à tranquilidade que carrego de volta comigo. Além do mais, é noite. Noite fria de céu claro. A janela convida a observar a paisagem. Os outros no ônibus dormem. Muitos quilômetros de qualquer lugar.

    Abro a janela. O frio lá de fora toca meu rosto de leve, a brisa me força a cerrar os olhos que estavam acostumados com o calor do ônibus. Uma sensação curiosa de algo concreto, de um instante presente do qual não poderei jamais fugir, para todo o sempre.

    A luz do luar calma toca as árvores. Os motoristas descem de seus ônibus e caminhões para tentar observar melhor lá longe o que causa todo o atraso. Mas a paisagem em volta é só tranquilidade. Serena. Um cenário que está ali.

    Fecho a janela. Vejo meu reflexo contra a cena do luar lá fora. Sinto que um dia o reflexo estará diferente.

    Sou seduzido novamente pela imagem daquele luar, das estrelas que me deixaram ensinar à minha amiga onde é o norte e onde é o sul. E esqueço de meu reflexo. E esqueço mesmo qual era meu reflexo, se jovem, se velho. Todos os meus reflexos estão ali. Há algo de concreto na vida que é frio como a noite, penetrante como o luar, e que dura pra sempre.

    quarta-feira, 2 de abril de 2008

    Avesso

    Lembro do dia em que a vi pela primeira vez, aquele encontro marcado esperando o destino acalmar. Fui para causar a melhor das impressões. Calcei meus melhores sorrisos, vesti uma camisa de bons tratos e, para proteger de qualquer eventual frio naquela sacada de céu estrelado, joguei por sobre tudo um casaco do mais puro bom humor.

    Casamos. À igreja fui com um terno de timidez alugada, que hoje em dia não se usa ter essas coisas de posse própria.

    Naqueles tempos difíceis de pintar paredes e inventar quintais trabalhava o dia inteiro. Só a via aos finais de semana. Vivíamos juntos, mas íamos nos apresentando ainda. Eu costumava colocar uma bermuda de irreverência, meu boné de frases feitas e meu chinelo velho de risadas fáceis, que quanto mais velho mais confortável fica.

    Hoje somos íntimos. Antes de deitarmos, sento à beira da cama. Meia luz. Tiro meus sorrisos fáceis, botão a botão; jogo-os sobre ela com desdém desafiador. Está frio. Ainda assim, me desfaço de minhas melancolias escondidas, puxando-as das pernas com os pés. Dos pés, tiro minha solidão secreta e minhas lembranças pseudo-esquecidas, que em dias normais me aquecem por debaixo de belos sapatos de auto-estima exaltada e extrovertida. Sempre muito bem lustrados.

    Deito-me ao lado dela e nos cobrimos de segredos pesados e macios. Quentinho bom. Tiro por fim, devagar, meus receios desmedidos, pudores mentirosos... Aí então ali, junto a ela, despido de tudo o que sou, a amo. Aí então ali faço do amá-la tudo o que sou.

    terça-feira, 1 de abril de 2008

    Chuva

    Num mundo perfeito não seria assim. Num mundo perfeito pra mim. Num mundo perfeito não haveriam muitos desejos. Num mundo perfeito só seria eu e eu continuaria sozinho.

    Mas tais implicações de lado... Se a amizade não fosse uma barreira tão intransponível e se eu fingisse querer algo menos profundo, as coisas poderiam ter se iniciado antes. É uma questão de energia de ativação. Os químicos entendem disso. Enzimas. O mundo ideal é interessante, tudo bem, mas as coisas vís precisam entrar em cena para diminuir as energias de ativação das coisas da vida.

    Fico remoendo o dia em que quase dividi com as pessoas um pouco destes sentimentos. Pois como hoje é vista a amizade que existe é reflexo de sucesso, enquanto se soubessem de todas histórias trancadas nas entranhas ririam do fracasso tão logo se recobrassem da asma causada pela pena.

    E minha família? Onde estou indo para mais mais perto dela se aqui só há paredes com desconhecidos?

    Esses pensamentos são próprios do correr do tempo.