domingo, 29 de março de 2020

Os números

Quando os números de famintos sobe, não estão nem aí.

Quando a economia ameaça soluçar, não querem que os trabalhadores fiquem em casa, porque se não vão passar fome.

Enquanto nós paramos, o mundo veio nos olhar de perto.

Nas ruas, cervos, porcos, cisnes.

Golfinhos entraram nos portos, nos canais de Veneza.

O ar clareou.

Resta saber se vamos lembrar de olhar as estrelas a tempo.

sábado, 28 de março de 2020

Das emoções

Emoções não são argumentos.

Por isso não devem ser usadas durante a exposição de ideias, mas isso a filosofia e a ciência já aprenderam há muito tempo.

Muitas vezes, contudo, é inevitável que emoções transpareçam em discussões. Sejam elas cara a cara, ou mediadas pela rede.

Há algo de útil a aproveitar destes deslizes, a partir de uma observação simples.

As pessoas que não se importam com o seu stress e indignação são também pessoas que não se importam com a sua felicidade.

quinta-feira, 19 de março de 2020

Só isso

Meu tema é o mundo, é assim que é. É essa a razão. Criticam com gosto a indeterminação de meus temas. E daí? Eu não me rendo facilmente, de modo algum. Além de pensar sobre a natureza, sobre o amor, sobre a matemática, sobre a música, sobre as verdades e sobre a política, passo a pensar também sobre isso: sobre o tempo que as pessoas investem em criticar a indecisão de meus temas. Soma-se à lista um novo tema pois no fundo o tema é sempre um: o mundo. A experiência da vida. Isso não se divide. E, sinceramente, custo a entender lá nos limites de minha abstração como é capaz que outros escritores consigam tal limitação. Eles enxergam com preferência apenas uma fração específica do mundo? Ou será que a vida lhes ceifou a curiosidade em áreas muito mais dispersas?

Senta-se diante da mesa. Hora de escrever. Pode-se falar sobre a origem dos nomes de plantas raras em alguma ilha do Pacífico. Pode-se também falar sobre a polêmica envolvendo o preço do transporte público aqui na minha cidade. E pode-se inventar uma história totalmente maluca, talvez de mistério, talvez de amor. A questão é: por que este tipo de escolha deveria ser irreversível? A modernidade não chegou completamente aos escritores, talvez seja isso. Não é de estranhar por completo, claro. Afinal a escrita é muito menos apegada ao presente do que qualquer outra coisa. Telefones celulares são presos ao seu tempo. Preconceitos são presos ao seu tempo. Orientações políticas, essas coisas. Mas a escrita não. A escrita tem uma inércia muito mais lenta e os escritores, via de regra, são muito mais conectados ao passado do que qualquer outra pessoa. Ganham até de paleontólogos, pois não estão ligados aos restos presentes de um passado distante: estão mergulhados na essência completa do pensamento antigo tal como ele se cristalizou na escrita. Leia um clássico e torne-se um ser dos séculos.

Mas um dia a modernidade tem que chegar. E é da modernidade essa coisa de liberdade. Os Estados Unidos são muito mais livres que a democracia ateniense, que escravisava e negava votos. E a modernidade permite o divórcio em nome da felicidade, não é mesmo? Pois bem, todos os dias me divorcio. Peço o divórcio dos estilos com os quais me comprometi ontem e vou explorar novos terrenos. Talvez eu volte aos terrenos antigos, claro. Mais que um amor simplesmente livre: promiscuamente libertino. É assim mesmo. Meu prazer com as letras ultrapassa o gozo sexual. E é por isso mesmo que não ligo para as críticas, não há como. Porque não consigo desligar meu sorriso de prazer. Que eles reclamem, reclamem e reclamem enquanto eu me deleito com um mundo infinito de assuntos por descobrir e esmiuçar.

quarta-feira, 18 de março de 2020

Olá

Obrigado. Obrigado? Você não sumiu. Podia ter desaparecido. Podia ter simplesmente me esquecido, passado a me ignorar. Não fiz nada para merecer sua consideração. Não fiz nada que fosse realmente digno de uma espécie de perdão. Dessa espécie de perdão. E aí está você, falando comigo novamente. Trocando simpatias como se o tempo fosse um outro universo diferente de nós. Diferente do que somos. Talvez eu não deva agradecer. Talvez tenha sido sempre isso: eu quis uma existência nova. Fugi daquela existência. E aí está você novamente. E eu deveria me revoltar, pedir que me deixe em paz. Largue de mim. Deixe tudo pra lá. E aí está você, falando comigo normalmente. Só que, no fundo, não é normal.

terça-feira, 17 de março de 2020

Dúvida

Qual o tamanho de uma mentira? Segredo é mentira? Mentira que se mente para si é mentira como todas as outras? Mentira por incapacidade de alterar a própria realidade, por descontrole patético dos próprios impulsos, por inabilidade vergonhosa em dominar os rumos dos sentimentos, é também mentira? Há algo de errado em mentir sobre o amor?

segunda-feira, 16 de março de 2020

De pedras e almas

Está lá, é claro que esta geometria que procuro está lá dentro escondida. E a lógica nos força a observar que: é, portanto, menor que eu. Qualquer ilusão de grandeza é nada além disso: ilusão. Coisas da forma, mentiras geométricas. É essa brutalidade toda das adições incoerentes que me fazem uma aparência menor. Há muito a retirar. Os receios, as vergonhas, as inseguranças, as dúvidas. Tudo isso a golpes de forças variadas. Violências pontiagudas. Talvez por isso a mediocridade seja tão confortável. Não é devido à dificuldade de a ela adicionar coisas. Mas devido à dor de se retirar o que se deve ao esculpir a alma. Temos todos tesouros dentro de nós.

domingo, 15 de março de 2020

Free

Vamos, seu miserável. Não se importe tanto assim com coisas com o mundo das idéias. O que é o amor para você? O amor é... o amor é algo intransponível. Veja só que bela descrição. Forte, poderoso e mesmo eterno. E ainda assim algo de cruel está aí metido nessa descrição, não é? Intransponível... Não se diz isso de um rio quando não se quer chegar ao outro lado. Você quer chegar ao outro lado porém não consegue. Há algo no amor que, vezes e vezes, lhe vence. Intransponível. Não se importe com isso.

Por que você faz pesar no presente todas as invenções tolas de seu passado excessivamente imaginativo? Deixe a vida ser o que é. E nada mais.

sábado, 14 de março de 2020

Idiotas

Eu passei minha vida toda estudando. Estudando e buscando viver as experiências que mais gosto, que mais mexem com minha imaginação.

Cheguei longe.

Cheguei longe e não saí do lugar.

Porque não estou preocupado com as coisas que preocupam as outras pessoas e isso é um grande mistério para mim.

Desse mistério eu já sou consciente faz tempo. Mas tenho feito novas descobertas.

Com as recentes mudanças no mundo, com os engasgos políticos e com essa epidemia que parou aviões e fechou fronteiras, percebo, finalmente, que estou cercado de idiotas.

Não falo idiota em um sentido superficial, comum. Não me refiro àquelas pessoas que falam besteira, pela besteira em si. Eu entendo perfeitamente o universo dos leigos. Eu sou encantado pelos leigos, os leigos genuínos. Os que têm dentro de si a curiosidade ainda viva de um mundo inteiro que não conhecem, um mundo maravilhoso cheio de mistérios.

Mas há uma nova categoria. A dos engravatados que vivem martelando o Excel e não entendem nada, absolutamente nada, de números.

"Só morreram 2 mil na China! Meu, a China tem 1 bilhão de pessoas!"

O cara trabalha com Excel. Tem diploma de nível superior. Dá cursos.

E é um absoluto idiota. Quantos foram contaminados para que 2 mil morressem? Todos os 1 bilhão de chineses?

"Cara, a gripe comum mata mais!"

Mas quantos estão expostos à gripe comum? E por que é que uma doença que mata mais deve implicar na aceitação de uma nova doença que, ainda que mate menos, vai matar pessoas que não morreriam de nenhuma outra causa?

Por essa linha de raciocínio imbecil qualquer barbaridade se justifica.

Quanto um avião cai, morrem só 200. Todos os dias, de câncer, morrem muito mais!

Quando um terrorista ataca os EUA morrem só 3 mil pessoas. Todos os dias, nos acidentes de trânsito, morrem muito mais que isso!

Até algum tempo eu tinha um certo otimismo quanto a essa maravilhosa era da informação e achava plenamente aceitável que tantas pessoas falassem besteiras da física quântica. Afinal entender as equações de Schödinger não é pra qualquer um. Entender equações diferenciais, mesmo as simples, não é pra qualquer um.

Mas estou vendo o quanto as pessoas são imbecis em domínios em que tem a obrigação de domínio mais profundo. O mundo está lotado de idiotas.

sexta-feira, 13 de março de 2020

Mentiras

Aceitei a acusação mais estúpida, mais ridícula... Você está tentando fazer com que ela termine com você! Que absurdo! Mas o que mais eu poderia fazer? Contar em detalhes toda a mecânica inconfessável dessa história? Dizer, com todas as palavras, olha, na verdade eu sempre gostei de você, mas aceitei que não era possível. E tentei me apaixonar por outras pessoas. Estou tentando me envolver com minha namorada, mas não consigo. Não tiro você da cabeça. Como é que se confessa um absurdo desses? Fiquei quieto. Ficar quieto não é só esconder, é mentir também. E menti para quem odeia mentiras. Estou mal.

quinta-feira, 12 de março de 2020

Hipocondrismo

Você abre o diário e vê ali um passado tosco que não é você. Infantil, inocente, patético. Eu leio minhas coisas velhas e simpatizo com o passado. Hostilizo o presente. Sou infantil, inocente e patético hoje mas não sinto que o era no passado. Especialmente quando leio minhas letrinhas velhas. Pode haver qualquer constatação científica nessa observação ou trata-se de uma hipocondria literária, por assim dizer?

quarta-feira, 11 de março de 2020

Normal

Um remédio para dor de cabeça tem para mim uma eficiência assustadora. Eu olho para a cartelinha de comprimidos e então, horrorizado com a idéia de colocar sabe-se lá que substância dentro do meu cérebro, já começo a melhorar.

terça-feira, 10 de março de 2020

Amar

Amar
Há mar
Há mardade
No mar
Que invade
Esta cidade

segunda-feira, 9 de março de 2020

Medíocre profissional

Estudei física, mas não sou um físico capaz de calcular coisas sobre buracos negros ou realizar simulações de campos magnéticos em estrelas ou demonstrar teoremas de álgebra linear em complexas provas medonhas.

Estudei economia mas não escrevi artigos sobre índices de derivativos, não ganhei dinheiro nas bolsas e não impressionei professores por recitar um monte de teoremas nos quais não acredito.

Sou engenheiro e nunca passei os domingos regando um jardim verde de camisa xadrez e pés limpos.

Sou músico baterista e me atrapalho até com música dos Beatles.

Sou turista e já passei várias vezes pela Itália e nunca estive nem em Pisa, nem em Veneza e nem em Napoli.

Sou um medíocre profissional. Me recuso a ir fundo em qualquer caverna.

E sigo tentando mapear o parque todo.

Passeio

Setenta e três anos depois do fim da guerra estou aqui à beira do Vístula com a improvável companhia do meu pai. Nada de bombas, de ruínas, de choro. Estamos apreciando a profunda calma da cidade. A profunda paz de caminhar por uma cidade silenciosa em que as pessoas estão apenas cuidando das suas próprias vidas. Caminhando, aproveitando os cafés e restaurantes com mesinhas na calçada neste tórrido verão.
Meu pai se impressionou ao ver as máquinas de guerra expostas. Desse avião, lemos em uma plaqueta, foram fabricados mais de cinco mil. Daquele tanque de guerra ali foram três mil unidades. Daquele canhão foram quatro mil. E meu pai, então, observou:
- E para fazerem uma dúzia de escolas para refugiados, hoje, dizem que não dá.

domingo, 8 de março de 2020

Blindagens


A Ignorância grita por cima das vozes que a salvariam.

sábado, 7 de março de 2020

Modernidade

Estou em um país da Europa. Primeiro mundo. Tudo moderno. A ciência, a tecnologia e a política da estruturação social a serviço da sociedade. Da sociedade?

Vou comprar uma passagem de ônibus. Pego o celular. Um site, outro. Cadastro. Senha. Repita o e-mail. Número do cartão de crédito. Código de segurança. Confirma.

Chego ao local do ônibus pouco antes do horário. Estou com fome. Tudo ao redor é concreto. Não há muitas pessoas por perto. Elas já sabem da pontualidade dos ônibus e não ficam chegando muito antes da hora.

Estou com fome. Penso em comer alguma coisa. Onde tem um barzinho? Não há barzinhos por aqui. Não existe coxinha no primeiro mundo. Nada de enroladinho com presunto e queijo amolecendo na umidade da estufa.

Logo vem o ônibus.

Pego o celular. No e-mail de confirmação da passagem há esses códigos quadriculados. Um código de barras só que mais complexo. O motorista toma em mãos o próprio celular e aponta a câmera para o meu. Lê o código e, assim, vê meu nome e diz meu assento: dezessete. Embarco.

Duas horas depois o ônibus sai da estrada. O motorista aproxima um microfone de sua boca e diz, em uma voz baixa, quase murmurada: parada de quarenta e cinco minutos, solicito a todos que tomem o que desejarem levar pois o ônibus será fechado para proteção dos seus bens que permanecerem a bordo, agora são quatro e treze, então retomaremos nossa viagem às quatro e cinquenta e oito.
Impossível não comparar com o Brasil. Números precisos. Matemáticas precisas. No Brasíl o ônibus pararia por "meia horinha" e partiria "lá pràs cinco".

Entro no restaurante. Há apenas duas pessoas trabalhando lá. Uma senhora no caixa do mercado e uma moça na lanchonete. Há diversas máquinas para bebidas quentes. Você insere moedas ou aproxima o seu cartão sem contato - uma espécie de bilhete único pra valer mesmo - e recebe sua bebida escolhida. A senhora no caixa tem seu trabalho automatizado também. Diz bonjour a todo mundo que chega. Passa os códigos de barra na leitura. Depois recolhe o dinheiro e dá o troco ou pergunta "cartão? insira aqui, por favor". E depois agradece, sorridente. Merci, bonne journee.

E assim segue-se. As pessoas movendo-se como peças automatizadas de um sistema maior. Insere o cartão aqui, ali. Moedas. Come, embarca. Celular. Likes. Cliques. Não se ouvem conversas. Não se ouvem risadas. Não se ouvem as vidas.

sexta-feira, 6 de março de 2020

Nuvens

Eu tinha os olhos fixos no palco. Nela.

Parte de mim achava ridículo como ela se mexia feito boneco de posto de gasolina, jogando os braços e a cabeça para os lados como se aquele subsolo velho de paredes esfarelando estivesse sendo invadido por um Katrina. Wind. Wiatr.

Parte de mim entendia que se mexer daquele jeito livre e prazeroso, na frente de estranhos, era uma coragem maior do que eu jamais teria. Eu sentia inveja. Não era um papel. Não era ma interpretação. Não era o espelho das expectativas alheias. Era ela. De dentro pra fora.

Aquela liberdade brilhava uma luz que fazia entender o quão preso eu estava em mim.

quinta-feira, 5 de março de 2020

Se os Japoneses viessem aqui

Alexandre Gracinha é um jênio do jôrnalismo.

Tá bom, estou de mal humor com ele mas nesse ponto específico (nesse) estou exagerando e sei disso. Porque na palestra em que ele fala que se os japoneses viessem para o Brasil iriam transformar "isso aqui" em uma potência mundial em 10 anos, a intenção dele ao final foi dizer "eles não virão, a responsabilidade é nossa!". O que é uma postura mais louvável e defensável, no geral. Mas a tese sub-entendida é uma tese perigosa e que está profundamente entranhada nos nossos grilhões psicológicos.

A tese da individualidade, da meritocracia, a tese de que as vítimas são culpadas porque são os grandes responsáveis pela sua condição através de suas escolhas e atitudes.

Não que não exista alguma verdade aí.

Eu acho, sim, que o pobre brasileiro é culpado por ser pobre.

Mas não é o papinho simplório de que ele é um vagabundo. Porque o pobre brasileiro rala pra cacete. Eu conheço vários.

Vi uma família vivendo há gerações dentro de uma fazenda de cacau. Pagavam aluguel do casebre em que moravam lá e pagavam também pela comida. O que sobrava mal dava para roupas, remédios, e não sobrava para mandar os filhos para a escola mais próxima, a mais de 40 km dali. O dono da fazenda, um playboyzinho cuja família também vivia ali há gerações, havia morado mais de 5 anos na Inglaterra num intercâmbio para aprender inglês mas não se sentia seguro em arriscar o idioma gringo. Seu orgulho pessoal? Contar das baladas de Salvador em que pagava mais de R$2.000,00 para entrar. E ia todo final de semana. E reclamou quando o governo do PT corrupto quis aumentar o salário mínimo de seus trabalhadores em R$50,00.

Conheci um cara que tem vários imóveis em São Paulo. Comprou tudo com o dinheiro que fez com uma empresa de informática que montou ainda nos anos 80. Ele conta a história de quando instalou um HD em uma empresa, recebeu pelo serviço e, com a grana na mão, comprou um carro a vista. Bons tempos, não é? Nos anos 90 ele comprou imóveis, mas depois a empresa fechou porque não acompanhou as mudanças tecnológicas. Ele gostaria de continuar no ramo da tecnologia. Já com a idade mais avançada, muitos se contentariam em viver de aluguel. Outros tentariam atividades tradicionais. Abrir um restaurante. Tentar simplesmente investir dinheiro. Não. Ele resolveu estudar Física. Foi fazer uma graduação e emendou um mestrado. Tudo com o sonho de montar uma nova empresa de tecnologia. Idéias e visões de mercado não lhe faltaram. Mas toda vez que fez um estudo de mercado se deparou com os investimentos necessários e com os juros que viriam dos empréstimos. Sábio, pisou no freio.

Mas muitos não pisam. Conheço um empresário que teve mais de 40 funcionários em uma empresa de automação. Deve as meias e as cuecas para o Itaú mas culpa os "vagabundos do bolsa família" pelas catástrofes do país. Veja bem... ele dá todo o dinheiro que gera para um banco que lucra mais de R$25 bilhões por ano (R$26.583.000.000,00 em 2019), mas acha que o que atrapalha mesmo o avanço da nação são os R$25,00 que cada pagante de imposto no país pagou, em média, ao Bolsa Família no auge do programa. Com o detalhe de que super-ricos, pessoas físicas ou empresas como o Itaú, não pagam todos os impostos que deveriam.

Alexandre Garcia não contou o principal. Não contou COMO os japoneses ou qualquer outro povo faria disso aqui uma super potência em 10 anos.

Porque aí ele teria que explicar como essas pessoas se revoltariam com os absurdos dos nossos governos e instituições financeiras para tomar de volta o país às mãos, e essa é uma coisa que ninguém quer comentar.

quarta-feira, 4 de março de 2020

Ainda pulsa

Não detectamos falta de oxigênio mas constatou-se redução nas risadas.

Não observamos variações na concentração de hemácias mas notamos que faz tempo que não canta em casa.

Não foi medida nenhuma variação no número de glóbulos brancos por milímetro cúbico, porém observa-se que anda lendo menos.

Não foi medida nenhuma variação de temperatura corporal mas há uma redução substancial no somatório de minutos em que troca olhares com outros.

É grave. Muito grave. Está próximo de um estado vegetativo.

terça-feira, 3 de março de 2020

A caneta quebrada

Voltei para casa arrastando pernas pesadas.

Pernas amassadas de iniciativas fracassadas.

Pernas desorientadas pelos tempos e sonhos.

Joguei as pernas no sofá.

Olhei em volta.

Olhei a pilha de papéis.

Lembrei dos outros tantos que se foram.

Cartas. Contos. Poemas. Teses de mestrado, doutorado. Artigos para o jornal local. Estatuto para a ONG.

Arrastando-me pelo tapete como se já tivesse terminado a dose noturna de whisky cheguei até a escrivaninha.

Abri a gaveta. Peguei a caneta.

Corpo metálico, prateado. Presente de uma amiga que foi morar na França.

Terra de gente que escreveu textos filosóficos. Teriam usado uma caneta igual? Não se trata de uma medíocre esferográfica. Trata-se de uma caneta tinteiro. Dessas com ponta do tipo "pena". Dessas que tem obrigação de escrever coisas belas.

Olhei a forma curva de suas pontas. O minúsculo sulco por onde escoa a tinta. Que outras coisas essa caneta teria escrito se tivesse encontrado as mãos de alguém talentoso?

Ali ao lado, no chão do quartinho de bagunça, um martelo.

Não hesitei. Foi no chão mesmo.

Um golpe certeiro e aquela peça de metal havia perdido a simetria perfeita de sua forma. Morriam ali minhas palavras futuras.

Depois que elas apodrecessem seria hora de adubar as folhas com novas tintas e torcer para chover na hora certa.

segunda-feira, 2 de março de 2020

Máquina do tempo

Eu voltaria ao passado

Só pra dizer o que eu não disse

domingo, 1 de março de 2020

Cegos

Não importam os dados. Quando os dados vão contra o que você quer acreditar então os dados estão errados. Não importa a lógica dos argumentos. Você passará a me ofender ou tentará usar alguma retórica barulhenta para sair triunfante da conversa.

Ser racional é trabalhoso, cansativo e chato. Ainda mais quando um raciocínio frio e honesto nos leva a conclusões que vão contra nossas crenças mais arraigadas.

A continuidade que advém dessa resistência... Essa continuidade eu chamo de inércia. A continuidade no comportamento oriunda de uma resistência a absorver as boas lições do mundo.

Assim é que a humanidade segue poluindo, segue oprimindo, segue concentrando dinheiro onde não deve, segue jogando fora sua riqueza cultural e histórica.