terça-feira, 31 de julho de 2018

Olha o nível


E quando o café acaba? Aí eu fico olhando para a xícara. Olhando para o computador. Olhando para a janela. Acabou-se a minha distração. Acabaram-se as minhas desculpas. Não posso mais enrolar com o trabalho. Estou com a cabeça cheia de café, devo estar a mil, acelerado, estimulado! Não posso mais ficar girando a caneca de um lado para outro, observando as ondulações na superfície escura, imaginando quanta coisa está acontecendo ali. Tensão superficial, forças de Van-der-Walls, força centrífuga. A cafeína atrapalha o Van-der-Walls? Certeza que com a água pura as forças são mais fortes. Aquele mosquitinho que caminha sobre os lagos e beiras de rios nas águas calmas, apoiando-se na tensão superficial da água, será que ele cairia dentro da caneca de café? Será que eu engoli um? Aí será que ele sairia voando feliz, acelerado, estimulado, cheio de energia? Ou ficaria puto da vida com a quebra dos pequenos equilíbrios da sua vida, tal qual eu estou agora, sem saber o que fazer porque acabou a porra do café?!

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Pernas


Minha vida está enferrujando? Meus sentimentos estão enferrujando? Minha poesia? Ah, menina... Não sabe o que fala, mal imagina... Flertamos por aí, nesses acasos deliciosos, cheios de diálogos comportados e olhares indecentes. Eu quero você, e sabe disso. Quer a mim também. Beijo? Mais que beijo, talvez... Na cama, misturados. Em tardes no sofá, em passeios por aí... Desejo... Mas no fundo sabemos mais do teor desses impulsos do que gostaríamos. O que às vezes é orgulho, esse autoconhecimento que temos de nossos instantes e da vida como um todo. Às vezes é também martírio, é odioso e repulsivo. Queríamos tanto não ter laço nenhum com o resto do mundo e nos darmos a esta sede áspera que às vezes até machuca os impulsos, tão incontida que é... Não, não estou enferrujando. Estou investigando essa estranha criação da civilização... Estou experimentando essa coisa que é ter um certo auto-controle. Estou inventando meus segredos proibidos para me tornar um cidadão bom aos olhos até de Dostoiévski.

Você sabe dos meus desejos porque os instintos vazam informações que não deviam, mas no fundo é tudo ainda um segredo. Nem ideia faz das coisas que penso ao ver a bela foto de suas pernas... O volume bem contornado que você deixa em seus vestidos, o contorno confortável de seus lábios nas fotos... Gosto desses desejos impuros, mas tenho-os para mim apenas.

domingo, 29 de julho de 2018

Continua indo


Bateu no despertador como se estivesse em um ringue prestes a vencer um velho inimigo. Pulou da cama contrariada. As roupas já estavam escolhidas. Vestiu-as a contragosto. Esquentou a água para o café e passou geleia em duas fatias de pão. Não era um banquete de frutas anti-oxidante mas já era melhor do que o jejum do dia anterior. Se bem que, anda lendo, jejum é algo saudável. Vai parar de ler. Anda ficando confusa. E estressada diante de tantas opções. Queria levar uma vida só e pronto. Ter a tranquilidade de estar seguindo adiante corretamente ou, ao menos, sem culpas. Aqueles casos podiam esperar. As vítimas já estavam mortas. O que restava agora era papelada. Quem iria para a cadeia? Não há suspeitos. Quer dizer, há os suspeitos óbvios. Mas não há prova. Rio de Janeiro não é um lugar de prender assassinos. É lugar de curtir praia, futebol, cerveja gelada. E de se esconder de tiros. Ninguém resolve assassinato enquanto tem que se esconder de tiros. Você continua se escondendo para evitar ser o próximo, só isso.

sábado, 28 de julho de 2018

Eles

Beto trabalhava há vinte anos no mesmo lugar. Carregava as caixas do caminhão até o armazém. Beto era feliz. Tinha a casa onde sua mulher dera conta de fazer os filhos batalharem na vida. Trabalhavam eles agora, estudavam. Vida difícil, mas vida indo. Aí Beto ficou velho e morreu. E os filhos cuidaram da dona Zuleica, a mãe. Que envelheceu e morreu. E aí os filhos trabalhavam em diversos lugares. O Luca, depois de trabalhar como office-boy, auxiliar de escritório, e várias coisas assim, pagou a faculdade como pôde e virou dentista. Está de férias nesta temporada, viajando em Recife, pra onde nunca tinha ido. A Raquel virou jornalista. Está fazendo a maior parte de seu dinheiro na base dos "freelas". E o Jorge abriu um negócio de carros depois de oito anos de um odioso trabalho no meio bancário, que ao menos lhe permitiu juntar um dinheiro.

sexta-feira, 27 de julho de 2018

O emburrecimento da nação

A falta de discussão filosófica, de educação argumentativa, produz uma nação capaz de filosofar e de argumentar. Straightfoward, right? E é esse o pé em que estamos. Somos incapazes de compreender princípios. Cada cidadão está mergulhado em sua experiência imediata sem uma percepção de tempo e de contexto que extrapole sua existência individual. A despeito da comunicação verbal e dos smartphones, retornamos à selvageria. A capacidade de abstração desapareceu. Como discutir princípios legais como a presunção de inocência, ou impactos de segunda ordem de políticas públicas a longo prazo, com pessoas que passaram a vida sem contato com a filosofia e com a experiência de discussão de pontos de vista diferetes? Idiocracy está acontecendo.

Outro dia fui discutir com uma amiga se o mundo está evoluindo ou involuindo. Entramos em um embate em torno da palavra “involução”. E eu queria entender melhor o que ela estava querendo dizer. “Imagine um mundo que está involuindo. Como seria esse mundo?”

“Mas não está! As coisas ruins estavam em um estado latente.!”

“Sim, entendo. Mas, por hipótese, em um mundo que sofresse uma involução, o que aconteceria?”

“Mas não está! Há coisas que não apareciam nas estatísticas do passado e agora aparecem, entende?”

E assim foi. Difícil entender o mundo real sem conseguir investigar as nuances das abstrações.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Arrumar o passado

Este post está sendo escrito no dia 14 de julho de 2015. Mas vou publicá-lo no blog sob a etiqueta "26/07/2018". Milagres da era digital. Por que vou fazer isso? Porque eu posso. Porque a eletrônica permite. Porque planejei este ano com dois posts de texto por dia e um post de foto. E quando a coisa começou a degringolar decidi que, tão logo quanto possível, iria correr atrás do atraso e tapar os buracos.

Faria o mesmo com a vida. Mas a vida não é eletrônica como os blogs. A vida é a vida e pronto. Feita de um tempo que passa. Sem uma interface editável. Sem uma caixinha no canto da tela para escolher alterações.

Mudar aquele dia em que decidi não mudar de casa e poderia ter mudado. Mudar aquele dia em que aceitei fazer uma viagem e poderia ter ficado em casa. Mudar aquele dia em que fiquei em casa e poderia ter saído para viajar. Mudar aquele dia em que falei umas verdades e feri. Mudar aquele dia em que fiquei quieto e depois pensei em respostas fantásticas que deveria ter dito na hora para não ficar na pior.

A vida é um ensaio. Mas é também a primeira e única apresentação.

Altos e baixos

O controle do mundo está em mãos muito erradas. Quem são os políticos e empresários que governam este planeta? Que decidem as políticas que irão não apenas influenciar a vida de bilhões de pessoas e de uma infinidade de espécies hoje, agora, mas também comprometer definitivamente o futuro? Qual a apreciação que essas pessoas têm pela história da humanidade? Pelo conhecimento científico tão arduamente criado ao longo de milênios? Infelizmente, por alguma razão, pessoas com uma devida apreciação da aventura humana são demasiado mansas nos jogos de poder e de empreendedorismo. Isso irá produzir um novo solavanco no avanço da história humana. Infelizmente, as gerações que desfrutam do conforto produzido pelo trabalho duro de cientistas, filósofos e ativistas que mais arduamente se dedicaram ao avanço das grandes questões são as gerações que se dedicam às distrações mais fúteis e se tornam incapazes de apreciar a real profundidade dos debates em voga.

Fim de semana e fim


Era tão claro que ia acabar. Não que fosse esse o único curso possível para os fatos. Não. Mas também... Você apareceu pelas vias erradas. Sim, eu te quis em minha solidão, em meu íntimo. Mas não dentro do meu íntimo mais secreto, esse que precisa continuar fechado para que eu seja eu. Esse que os amantes mais íntimos não devem nunca compartilhar sob pena de não suportarem a verdade incontornável da material humanidade de que somos feitos. E você chegou já, direto, justamente aí. Justamente na minha intimidade secreta. Lembro da gente junto, seus gemidos inesquecíveis enquanto parecia ser impossível beijar todos os beijos de uma vez, e a gente continuava tentando... Mas eu queria mais que uma fusão de corpos, e sua vida parecia distante. E eu não vi minha sede de intimidade saciada do meu jeito e isso é egoísta e é assim que as coisas são. Algumas descronologias não foram complacentes com meus ciúmes e minhas inseguranças. Fraco? Fraco, é... fraco. Mas não sei o quanto ser fraco contra a própria natureza é uma fraqueza em si. Sou assim que sou e me nocautear por você é também deixar de ser quem se apaixonou por você. Mais natural ver o amor se ir, apenas ele... Eu fico aqui. Eu fico aqui, com uma certa saudade. Com a cena do seu cabelo cobrindo o rosto. Com o som de sua risada. Com a sensação insípida dessas vidas não misturadas. Com uma certa saudade...

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Pensa num post inútil

E, ainda assim, algo foi postado hoje.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Onde o Estado termina


Se é verdade, como de um modo ou de outro analisaram Hobbes, Rousseau e outros pensadores, que o Estado consiste em uma transmissão do direito de violência do povo ao governo para que a vida transcorra de um modo mais civilizado, então esse momento em que o cidadão compra uma arma e vai praticar tiros para se sentir mais poderoso e ter a certeza de que "qualquer coisa, eu resolvo", é o momento em que o fim do Estado foi declarado. São cidadãos apolíticos, são uma verdadeira ameaça à constituição de uma civilização melhor.

domingo, 22 de julho de 2018

Sombra


Ela lia. Chegava em casa, o marido já descansando. A bagunça reproduzia-se à volta como no dia anterior. Na semana anterior. Como fora em toda a eternidade, antes do mundo ser feito.

Ele estava em seu escritório, que ficava dentro do próprio quarto. A porta trancada, e ele de cueca apenas. Não que o conforto dessa pouca vestimenta tivesse algum atrativo especial, mas gostava de imaginar que estava se comportando como a maioria das pessoas jamais se comportaria. Foi para isso também que tomou um copo de conhaque logo depois da janta, em plena quarta-feira. No mais, o álcool lhe era extremamente incômodo à garganta.

Ela estava com o coração palpitante, esperando que o computador se fizesse em pleno funcionamento. Internet. Blogs. Os textos dele. Ela lia, lia... Do começo ao fim. Seriam pra ela? Estaria ele pensando nela? A incerteza é cruel. Às vezes penso que se Deus desse provas concretas de sua existência por aí o número de fiéis diminuiria ao invés de aumentar. A dúvida insolúvel libera a mente a ir de encontro aos seus anseios mais profundos, a moldar a realidade exterior tal como sua essência mais escondida. Ele a amava, era a única explicação.

Ele brincava com palavras com um misto de alegria e tristeza. Queria ser poeta. Queria ser livre. Queria ser inédito. Mas frustrava-se com as demonstrações irrefutáveis de sua pequenez. Ainda assim, buscava o prazer de criar, prazer infantil desconexo de julgamentos de qualidade. Escrevia, escrevia... Imaginava coisas, e escrevia.

Quem diria que essas vidas viriam a se misturar? Quem diria que essas solidões se acolheriam por alguns dias, desesperadas?

E depois nunca mais se souberam.

sábado, 21 de julho de 2018

Palavrões


Estou confuso. Minha professora ficou horrorizada quando falei um palavrão em sala de aula. Mas era uma aula sobre comunicação, sobre linguagem, e eu usei o palavrão explicitamente como um exemplo de como uma situação se passaria na prática, no "mundo real".

"Adoniran, ninguém fala assim!"

Falam, as pessoas falam sim!

Minha professora é jovem. Vem de uma cidade pequena. Será que isso é um fator? Será que em seu recorte do mundo realmente o uso de palavrões é tão negligenciado a ponto de passar como algo absolutamente inaceitável? Eu achei que não existissem mais pessoas assim. Acho curioso que os palavrões sejam vistos por uns como um sinal de má educação quando, na prática, é frequentemente um sinônimo de amizade mais intensa.

Imagine um homem atendendo o telefone. O Armando. E duas respostas possíveis:

Resposta 1: Olá Armando. Como vai? Estou ligando para saber como você está.

Resposta 2: Fala aê seu merda? Como é que estão as coisas com você, minha putinha?

Qual dos dois interlocutores parece ser mais amigo do Armando? É sem sombra de dúvidas o interlocutor da resposta 2, e se para você essa resposta pareceu apenas ofensiva, sinto informar mas seu círculo de amizades é muito careta ou ninguém tem por você uma amizade muito profunda. A ofensa-fake entre amigos é uma espécie de extensão das brincadeiras físicas que se verificam entre todos os mamíferos. Se observarmos como pequenos leões, ou macacos, ou humanos brincam, frequentemente essas brincadeiras envolvem atitudes que parecem uma luta simulada. Assim é também com as palavras. São palavras ofensivas, sim, mas usadas de um modo que evidencia a brincadeira e a boa intenção e, assim, reforça a amizade ao invés de enfraquecê-la.

Nossa linguagem é complicada pra caralho, não tenha dúvidas.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Três da tarde


Se eu estou criando, estou feliz. Que importa a criação em si, afinal? Sua qualidade, seu acabamento? Deus, o criador supremo, que nós mesmos veneramos e tudo o mais, num momento de inspiração não se deu ao trabalho de fazer nada melhor do que este mundo que está aí fora. Que qualquer um poderia imaginar melhor sem a mínima dificuldade. Que tanto trabalho dá a teólogos e filósofos para a elaboração de pesadas justificativas para os problemas existentes dentro dos moldes de alguma lógica maior. Que tão ridículo torna o otimismo incontorcível de Pangloss. Estou criando, e estou feliz. Ficar sentado à beira da cama, olhando a sombra dos móveis mudar de lugar... Isso não legal. Mudar o mundo, isso não é pra mim. Não de forma desesperada. Mudo o mundo sendo o que sou e deixando que as consequências reverberem. Não quero mudar o mundo dos outros, quero meu mundo aos meus moldes. Quem se inspirar, que faça um bom proveito do que vê.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Percolação de variações sociais


Estamos em 2018. Em algum lugar das florestas africanas uma menina retorna para casa com um cesto feito de palha amarrado às costas. Carrega frutas e lenha. Em sua mão, um celular fazendo uma selfie que ela colocará com orgulho em sua conta do instagram. Em algum lugar das cidades europeias, em meio a sistemas de transporte eficientes e com bibliotecas por todos os lados, e internet rápida, uma família debate sobre a ameaça que os homossexuais representam aos bons costumes. Estamos em 2018.

Nada é óbvio. A ideia de progresso da humanidade é uma ficção. Há sim conquista de novos conhecimentos e de princípios melhores. Mas ninguém tem tempo de avaliar devidamente os rumos da própria vida. Fazê-lo decentemente demanda o tempo da própria vida. É assim que, então, as pessoas seguem sendo aquilo que sabem ser. E nada mais.

Estamos em 2018. Em algum lugar uma professora fica horrorizada porque um aluno falou um palavrão em sala de aula. Em algum lugar um aluno reflete que aquele tipo de pudor é absolutamente simbólico e arbitrário. E que sua transmissão e mesmo sua rejeição está condicionada a determinados recortes da sociedade. A ideia de que certos palavrões são inaceitáveis, bem como a atitude de vê-los como simples ferramentas de comunicação que nada implicam sobre quem os utiliza, precisa se difundir pela sociedade. Essa difusão é como nanquim na água. Precisa percorrer um caminho. Precisa se diluir. Se difundir. Mesmo hoje, com toda a modernidade, as ideias não fluem facilmente. Por que?

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Indo


Veio mais um trem
Trem lotado
Todos cabiam
Menos eu, fiquei.

Sentei ao lado de sei lá quem.
Abri um livro.
Li.
Veio outro trem.
Li.
Outro trem.
Li.
Outro trem.
Li...

Os outros entravam nos trens
Eu ia mais longe

terça-feira, 17 de julho de 2018

Dois tipos de luta


Há lutas que insistem na paz
E há lutas que aumentam as rupturas
Olhe em volta
Para as justiças que assim lhe parecem
Identifique os dois tipos
Há aquele que produz o diálogo, insistindo em aceitá-lo
E aquele que o destrói, agarrando-se às certezas de seus gritos
Porque a humanidade, no fim, não é sobre certezas
Nem mesmo, ouso, sobre verdades.
É sobre pessoas
A razão dos fatos precisa emergir
Mas só terá terreno se antes houver vontade de diálogo
Uma insistente, teimosa e revolucionária vontade de diálogo

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Passeio no parque

Rua vazia
Rua cheia
Navego a saudade
Da minha sereia

Parques de cores de sabores
Folhas de sol escondido
Fontes de brilhos partidos

Vejo a vida ser
Sou a vida a ver

A ver cores nas coisas
Haver cores em tudo
Cores que a vida me dá

Amarelo forte
Amar, elo forte!

domingo, 15 de julho de 2018

Impressões


Cara, quando você chegou aqui, vou te contar. Tive certeza de que eu estava fodido. Pensei, acabou a festa! Acabou tudo! É! Porque vi o cara e pensei Xi, um certinho, nerd, vai estudar, uma mala de livros, deu merda. Eu tenho meu som aqui, tô nessa de aprender a ser DJ. Aí, beleza. Você fica lá no seu quarto estudando, eu vim aqui praticar as músicas. Estou tocando tudo baixinho, com receio de incomodar. E aí você desce as escadas com as mãos para cima gritando "Where is the partyyyyy??????". Aí eu percebi que ia ficar tudo bem.

sábado, 14 de julho de 2018

Minha arte


Que artistas que eu sou? Eu? Eu... Eu sou artista nenhum. Eu só olho as coisas que estão nos caminhos em que passo. Eu só olho as coisas que meus olhos encontram. Nada da arte que tem um olhar diferente sobre as coisas, pessoas e lugares. Eu tenho o olhar que tenho, não é diferente nem igual. É meu e só.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Mudar a história


"Se encontrássemos vida em Marte, seria uma completa revolução para a humanidade, isso mudaria a história para sempre!"
Já houve um momento em minha vida em que eu tomaria essa frase como completamente verdadeira. Hoje acho que ela é consideravelmente egocêntrica, mas olho com ceticismo meu próprio desprezo. Não consigo decidir. Explico.

Por um lado, vejo hoje a humanidade como um conjunto enorme de idiotas, de imbecis, de retardados desconectados da história, da produção intelectual, dos pensamentos, do fluxo de criatividade que produziu as maravilhas da humanidade. Não me entenda mal. Compreendo que não é, na enorme maioria das vezes, culpa dessas próprias pessoas. Mas é assim que o mundo é. Imersos em nossas próprias atividades, estamos falhando na tarefa de instruir a próxima geração. E isso vem acontecendo há tempo demais. Assim, passando do caso geral ao problema particular que o manifesta, e se a humanidade descobrisse, por fim, vestígios de vida em marte? O que isso mudaria para o empresário que quer mais lucro para comprar um relógio de quinze mil ao invés do ultrapassado modelo de dez mil? O que mudaria na vida das pessoas que querem ter um som mais forte no carro e nada mais?

Tenha o cuidado de observar que não estou mencionando diretamente aqueles que normalmente são tidos como "os ignorantes". Os pobres coitados sem estudos e sem recursos. Ainda que para fins do presente raciocínio eles pudessem ser também englobados, creio que o extremismo da exclusão que sofrem os isenta de responsabilidades. Trato, isto sim, de pessoas com algum recurso a mais na vida, porque a estas a escolha é possível. Ver um filme idiota ou se aprender alguma coisa nova? Deveria existir um balanço. Um equilíbrio entre o ludismo da vida e o crescimento espiritual. Não, não há. Eu sei que grandes descobertas, como a de eventuais vestígios de vida em Marte, passarão deliberadamente ao largo para uma gigantesca parcela da humanidade.

Por outro lado, admito que possa ser um extremismo meu. E se, no fundo, é assim que é e pronto? O quão difundido precisa ser o progresso intelectual? Chega-se ao futuro inundando o rio do Tempo mas também percorrendo apenas um discreto fio d'água num canto esquecido. É a ideia de nicho ecológico, ainda que distorcida a um outro contexto. Talvez nem seja assim tão importante que o mundo todo compartilhe das grandezas da humanidade. Basta um estado mínimo de não-bestialidade em que se evite a destruição de nossas grandezas pela massa de estúpidos. (Não estamos, também, a salvo dessa última hipótese, vide destruição massiva de arquitetura e arte nas guerras, seja na Segunda Guerra, seja com o que ocorreu na Síria.)

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Agora


Um fusca velho na beira de um rio, numa rua com asfalto velho, rachado. Ele está sobre a terra. Aparência de abandonado. A grama da margem já nascendo por em volta das rodas, dos pára-choques. O cheiro podre da água cheia de esgoto invadindo o interior do carro, impregnando as janelas de uma coloração um tanto quanto opaca.

Um móbile feito de bonequinhos de tecido liso, gostoso de passar a mão. Um bebê no berço. Quase dormindo. Olhando hipnotizado para o brinquedo que voa logo acima de seu repouso. As paredes pintadas num levíssimo tom azul claro. Recém pintadas. Tudo com ar de novo. Presentes de parentes e amigos misturam-se com as coisas que os pais compraram. Bonecos, carrinhos, luvinhas, meias, macacões, pacotes de fraldas. E ele fecha os olhos e dorme um sono gostoso. Alheio a tudo isso. E, também por isso, o centro gravitacional de tudo isso.

Duas da madrugada. Sua visão é boa mas agora as coisas da rua lhe parecem meio turvas, desfocadas. É o efeito do vento úmido e gelado da noite em seus olhos enquanto pedala. Gosta de andar de bicicleta. Casas apagadas. Um bar com umas poucas pessoas. Um outro ainda cheio de gente até na calçada e música ao vivo. Uma casa com uma luz acesa. Alguém acordado? Teriam esquecido a luz acesa? Uma conversa? Amor acontecendo? Um doente recebendo cuidados? Uma insônia se manifestando? Um outro mundo... Pedalou e pedalou. Olhando as coisas passarem. Sentido-se ficando para trás também. Parou em frente ao hospital. Uma ambulância chegava. Manobrou rápido na rua, os pneus chegaram a cantar na curva fechada. Pessoas saíram correndo do hospital, auxiliaram a levar uma vítima de um infortúnio qualquer lá para dentro. E então voltou aquele silêncio. Era o hospital. Lá dentro, aquela correria continuava. Mas ali, naquele instante, ele olhou ao redor, e era só a ruía quieta de novo. O vento gelado e úmido por todos os lados. Voltou a pedalar.

Tem essa árvore que é longe de tudo. Que os homens nunca viram. Que fica no meio do nada. E tem nela esse galho com um ninho. E tem nesse ninho ovos chocados. Pequenos filhotes. E vai o pássaro-mãe voar e trazer comida. E vai o pássaro pai afugentando ameaças que aparecem sedentas dos pequenos rebentos. E passam os aviões milhares de metros acima todos os dias levanto pessoas que não sabem de nada disso.

Ajeitou o dedo mindinho. Justo esse, que sempre dá mais trabalho. Soprou. Soltou uma nota longa, suave... Era a nota mais grave de que sua flauta era capaz. E então encontrou ali mais umas cinco ou seis notas. E brincou com tempos. E trocou intensidades. E fez uma música. Em seu quarto. No meio da noite. E ninguém ouviu. E ele não se importou.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Censura


Nos EUA apenas, algo entre meio milhão e um milhão de livros são publicados todos os anos. Sim sim, me refiro a títulos diferentes, livros novos! É uma média de quase um livro novo a cada 300 ou 600 habitantes. Um exagero. Com certeza há muita maravilha perdida aí e há também muito lixo. Não estranha que uma nação tão capaz de produzir lixo de todas as espécies o faça também na produção literária, não é?

E aí eu fico pensando: vou escrever. Vou escrever todos os dias. Em pouco tempo acabo essa ideia. Aquela outra também. Não importa como fique. Terei algo escrito.

E horas depois olho para tudo e só só consigo pensar: quanta porcaria! A quem estou tentando enganar?

terça-feira, 10 de julho de 2018

Massa zero


Você por acaso já acordou e, ao olhar em volta, ao olhar pra você... Ao olhar pela janela... de repente sentiu essa profunda sensação de não ter certeza de quem é? Sua vontade para as coisas do dia não existe, você não a encontra. Seus trabalhos não fazem sentido. Não há um desespero, uma razão profunda para que você saia da cama e vá movimentar-se pelas próximas horas. Pouca diferença faz sair ou não. Nenhuma diferença faz. Seu dinheiro chegará da mesma forma. As pessoas lhe tratarão bem, com apreço, quer você vá quer você fique. Nada mudará no mundo. Seu existir se iguala a um inexistir e você então fica atordoado diante da magnitude transuniversal dessa incontornável insignificância. Já se sentiu assim? Não é nada interessante...

O mundo continua lá fora a despeito total do que sinto aqui dentro. À revelia do que faço, do que deixo de fazer, do que sou, do que não sou.

Li que os físicos detectam no espaço a presença de matéria escura pelo efeito gravitacional que ela exerce à sua volta. Um sujeito sem gravidade social é efetivamente um sujeito sem massa social? Sou um humano verbalizado, letrado, vestido e vacinado, e ainda assim, de certa forma, um apêndice da sociedade.

Não se interessam pelo que penso do petróleo, das crianças doentes, da fome, das doenças, das desigualdades ou das guerras. Eu também, para todos os efeitos mensuráveis, diante de todas as marcas que estou deixando para os arqueólogos de daqui a mil anos, também não me interesso por nada disso.

Já acordou assim algum dia?

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Das muralhas


Mentimos o tempo todo. Somos nós em uma intrincada rede de mentiras.

Você vai a uma entrevista de emprego de terno, mas você prefere uma confortável bermuda. Mas precisa ir de terno. Não pode causar uma má impressão ao entrevistador, que estará de terno também. Mesmo sendo que ele acha bermuda mais confortável e adoraria se pudesse estar em algum lugar sem frescura dentro do conforto de sua bermuda preferida.

E a bermuda é só um pequeno exemplo. As redes de mentiras são maiores que a gente. São os tijolos das muralhas que nos isolam. Ficamos dentro dessas fortalezas de mentiras com medo de lidar com as verdades alheias. Mesmo sendo que as verdades alheias são as mesmas que as nossas.

domingo, 8 de julho de 2018

E daí


Só se sabe experimentando.

A mente engana. Conhecer de ouvir falar é conhecer histórias mas é diferente de conhecer as coisas historiadas.

Conhecer não tem palavras. Tem tato, calor, cor e sabor.

Toda opinião possível mora entre amar e odiar.

Eu admito a maior parte do tempo ser alheio às coisas, ou as coisas serem alheias a mim. As coisas e os assuntos. Que mania besta das pessoas essa de inventar uma opinião sobre tudo. Nisso eu opino: acho besta. Deixo o resto do mundo correr em paz e dou atenção às quatro ou cinco coisas que importam na minha vida. O resto não inoportuno e espero que não me deixe em recíproca paz.

Posso até discutir a fome das criancinhas da África, mas depois da sobremesa, por favor. E por que é errado?

É errado e frio deleitar-se num farto churrasco e guloseimosas sobremesas enquanto se pensa na fome mundial, mas não o é nos dias comuns enquanto se pensa em outra coisa? A indiferença é uma falha moral sem crise de consciência, e como paz de consciência é algo muito difícil de se conseguir por outros meios, a indiferença se infiltra em todos os poros sociais como uma anestesia se infiltra nas veias do nervo canceroso.

E é assim que vi o mundo quando saí pra andar de bicicleta à noite. E não achei errado e nem certo. Não voltei pra casa nem mais triste nem menos feliz. Voltei só mais cansado de pedalar, tomei um gole fresco d'água. Só tinha visto que o mundo é assim. Só, tinha visto que o mundo é assim.

sábado, 7 de julho de 2018

Foto #191

197

Viagem

Fugi do mundo que conhecia
Corri para meus sonhos
Ou seria o contrário
Fugi dos meus sonhos
Corri para um mundo desconhecido
Momentos diferentes
De uma mesma verdade
Verdades diferentes
De um mesmo movimento

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Foto #190

159

Exorcismo


Sai, saia daqui! Saia de dentro de mim!

Preciso tirar esse demônio de mim. Esses demônios todos. Essa confraria do mal. Esse inferno inteiro do meu íntimo preciso tirar agora imediatamente.

E esse demônio sou eu.

Preciso deixar de ser outro acada pequeno depois.

Preciso deixar de lembrar das coisas erradas.

Preciso deixar de precisar dessas necessidades que corroem.

Desejos diferentes, sonhos, sabores. Meu paladar muda a toda hora. Já experimentou isso? Já leu Shakespeare e Paulo Coelho na meia noite e ficou em dúvida sobre quem seria genial? Já ouviu a suíte para cellos de vivaldi e depois arrematou com um bom e adequado Zezé di Camargo & Luciano? Nem eu cheguei a tanto, mas hipérboles me divertem num sarcasmo de sorriso largo.

Que nojo de mim. Que podre. Quero o casamento eterno e apaixonado. Quero a putaria porca e imunda dos relacionamentos despurodados de segundos.

Quero todas as vidas. E nenhuma dessas é minha vida.

Preciso tirar esse demônio de mim.

E depois experimentar demônios diferentes. Porque é incorrigível. Porque não vou achar graça em corrigir.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Foto #189

156

Finalidades

Para que serve a poesia? Para que serve um quadro? Para que serve uma roupa mais bonita? Para que serve uma frase bem escrita? Uma piada?

A utilidade tem esse caráter transitório de conectar finalidades. E, sendo transitórias, as finalidades assim apresentadas não são finais. É assim, por definição lógica, que concluímos que o grande objetivo, aquele realmente final, aquilo que merece por completo a descrição de finalidade, não pode servir para nada. A inutilidade é a grande finalidade ou, dito de outro modo, as verdadeiras finalidades são, necessariamente, inúteis. O problema aqui é o sentido negativo que nossa sociedade altamente instrumentalizada associa à palavra inútil. A inutilidade da verdadeira finalidade não é inútil no mal sentido da palavra, no sentido de algo desprezível ou de qualidade inferior. É inútil no sentido técnico de não depender de uma utilidade posterior para justificá-la. Apóia-se não na alegação de emprego futuro mas sim em algo mais puro: a vontade presente de sua existência. Esse é o conector final. Alguém que diga "porque eu quis", "porque eu gosto".

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Choices


Ele gostava de aviões. Ele sofria na escola. Ele não entendia o mundo, mas tinha curiosidades mil a respeito. Foi fazer Ciências Sociais, e amava o curso. Morreu de medo de ser um pobre no futuro. Foi fazer Engenharia. Caiu em depressão profunda lá pelo terceiro ano. Quanto mais se aproximava de seu futuro, menos sabia o que querer dele. Gostava de mudanças. Queria fugir. Decidiu-se virar jornalista e viajar pelo Brasil. Aceitou uma vaga em uma empresa de engenharia em Vila Velha, Espírito Santo. Pelo fim da tarde dava-se aos bares de jazz e companhias falantes. Voltou a voar, no aeroclube local. Comprou uma moto e uma máquina fotográfica. Aos finais de semana, ou ia voar, ou sumia com sua moto para cidades próximas, onde buscava pessoas diferentes para fotografar, filmar, escrever. Ele pensava sobre o mundo, sobre toda a história, sobre as pessoas... E no meio tempo, vivia seu cotidiano.

Foto #188

154

terça-feira, 3 de julho de 2018

Cruz credo

Essa coisa cristã de carregar a cruz para tudo o que é lado, cultuá-la. . . É um costume doentio, asqueroso. É um instrumento de tortura, de morte. Um revólver não é tão cruel. Mata e pronto. A cruz é feita para produzir uma morte sofrida. Como pode um símbolo desses se tornar um símbolo religioso que as pessoas buscam associar às ideias de piedade, bondade, compaixão e graça divina? Eu me divido entre achar a humanidade esquizofrênica, psicopática ou, simplesmente, burra pra caramba.

Foto # 187

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segunda-feira, 2 de julho de 2018

Remoendo

Por que eu me fecho? Começo a guardar um mundo dentro de mim, pensamentos e considerações, coisas que acho não serem necessariamente corretas, aceitáveis... Jogo tanta, tanta coisa pra baixo do tapete... Sentimentos e sonhos, xingamentos e posturas... As coisas vão pra baixo do tapete. Como se eu acreditasse que somos o que parecemos ser ao mesmo tempo em que mantemos uma vida interior independente... Quando consigo sucesso em esconder meus grandes segredos, sinto como se o mundo estivesse aceitando de bom grado a oportunidade de me tornar um pouco menos eu mesmo. E dói. E é estranho. Não é certo, ao menos...

O que faz aquele para quem a vida é claustrofóbica? Eu preciso de coisas novas sempre, é um fluxo constante, que não pode cessar, assim como o alimento de proteínas e vitaminas e água... um fluxo de gente que nunca vi antes, de vozes diferentes, de histórias que os ensinamentos sobre o mundo nem imaginariam possíveis.

domingo, 1 de julho de 2018

Condomínio fechado


Mordidas nas suas costas, nos seus ombros. Puxar o seu cabelo. Tenho essas sensações fortes ainda. Mas você já foi. Agora um som estranho vem de longe. Uma festa? Ou alguém solitário colocando uma música animada no último volume? Acho que é meu vizinho. O party-guy. Será que ele sabe? Será que está celebrando minha alegria? Fico com essa sensação de que o mundo todo sabe. Fico com essa sensação de que o mundo todo celebra junto com meus pensamentos.