sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Harmônico

Tão verdade que às vezes existimos pro mundo, às vezes existimos pra gente, e às vezes moramos aí nesse meio termo sem saber ao certo onde enfiar os pés.

Há dias de criar.

Há dias de consumir.

Há dias de ser indiferente.

Há dias de se importar com os outros...

Olha, sério mesmo? Eu nem sei porque é que estou escrevendo isso.

Talvez por uma dessas nossas grandes contradições: o prazer da inutilidade. Sei que nada de útil sairá daqui. E não são as coisas absolutamente inúteis aquelas mais nobres? O ponto final de toda incrível cadeia de esforços objetivos e racionais? Este é meu particular espaço de ser inútil.

Se tudo deu certo, acabei de gastar seu tempo com nada.

De nada.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Hoje

- Você está calado, o que houve?

Calado, olhou pra ela. Sorriu.

- Sabe, tenho que contar as histórias do amigo secreto que fizemos lá no curso! Foi muito legal! Eu acabei mandando mensagens misteriosas e surpreendi todo mundo!

Sorrindo, ele ouvia.

Mas ele não pulava no pescoço dela como a saudade pedia.

E ele não gritava a deus e o mundo na rua a alegria de vê-la.

Nem protestava todo o ciúme de tê-la longe tanto tempo.

Ou o desespero de não vê-la nunca mais.

Ele não gritava todo o amor que implodia dentro de si.

- Você está realmente calado!

Ontem

Segredos segredam sinceras cisões
Segredos segregam singelas visões
Segredos segregam
Tantas paixões...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Saudade

Acabei de fechar o chat. Mandar você voltar aos estudos. Mas que fique bem claro... Queria tanto esticar a conversa. Queria tanto você de volta. Queria tanto você...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Normal II

Dá pra sair alguma coisa que preste dos nossos pensamentos, direto como eles são? Sem a menor vontade de escrever algo que preste? Só registrando as coisas como elas pipocaram na cachola e pronto? Quando a gente conversa com alguém não dá pra fugir dessa coisa de medir as palavras, de dosar, e tal. E quando estamos sozinhos no quarto, meio bêbados, meio sozinhos, meio cheio de saudades, meio cheios de solidão, meio cheios de si, contente só de ter mais idéias do que se dá pra escrever... Sai algo que presta? Extrapolando, a questão é importante sim. Sozinho no mundo, último humano, ainda que com vida eterna, esse isoladíssimo Homo sapiens faria algo que presta? Ou só fazemos algo que presta quando tem alguém olhando? Temos momentos solenes para nós mesmos? Quantos de nós brincam de fazer poesias com os próprios pensamentos, rimas bobas? Quantos de nós andam por aí cantarolando músicas que jamais serão conhecidas por ninguém mais no universo? Sons imaginados que nunca serão sons, se perderão pra sempre. Isso acontece? Tem sua razão de ser? É arte? É uma existência artista, ser o espectador de si mesmo? É narcisismo? Ou narcisismo é só quando se é flagrado se apreciando? Aí narcisismo passa a ser uma experiência não mais tão íntima. Passa a ser o show da auto-admiração, algo que pode ser muito mais cinematográfico mas certamente está um degrau abaixo da auto-admiração velada, secreta. A auto-admiração, como qualquer outra forma de amor, encontra um terreno vasto na escuridão dos segredos.

Mas não, não é de auto-admiração que falo aqui. É de pensar assim como estou pensando, etilicamente nem aí. Que importa se é um telefonema, um quarteirão ou um oceano a me afastar de um grande sonho impossível, se mergulhado em mim agora vivo mil mundos meus, só meus, que escrevendo o quando eu puder escrever jamais serão escritos, que dizendo tanto quanto eu possa dizer, jamais serão ditos?

E eu sei que não sou só eu a existir assim.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Normal

Eu vou te odiar por um tempo. Mas é claro que vou! Que outra coisa eu poderia fazer?

Não me interessa saber se é injusto pensar tanta coisa horrível a seu respeito, se o excesso de confiança que você depositou em mim foi um erro, um eqüívoco compreensível ou explicável, se você não tinha a intenção de me deixar tão vulnerável a esse abandono sem aviso.

Te odiarei e pronto. E não é nem isso que vai doer. Vai doer ser o ódio meio forçado. Porque se eu não te odiar, se eu ouvir claro o que sinto e pronto, o sentimento vai se prolongar mais do que deve.

E depois passa.

E aí passamos.

domingo, 28 de junho de 2009

E finalmente

Ele queria.

Ele não podia.

Ninguém saberia.

Ele não suportaria.

Ele queria.

Ele não podia.

Ela queria.

Ela não sabia.

Ele não suportaria.

Ela não entendia.

Quantos talvez nuns poucos acasos. Tantos afagos nuns muitos desafetos. Quantos afetados nestes desconexos. Quantas conexões nesses tantos corações.

A loja ia abrir. Os ônibus iriam andar. O dia seria como todos os outros.

Ele tinha desejos sujos. Ele tinha vontades lambusadas. Ela estava ali. Fácil. Ele via tudo. Cheirava o cheiro quente e salgado de cada possibilidade próxima.

Ele queria.

Ele não podia.

Ninguém saberia.

Ele hesitava.

Ele não sabia.

Ela queria.

Ela não sabia.

Ela não entendia.

Que maravilha, que maravilha de desencontro... os dois últimos botes do mundo que sobreviveram ao holocausto, passando um ao lado do outro, no meio do oceano. No meio do nevoeiro. Não se viram. Nunca mais se cruzaram. Que maravilha de desencontro! Tão ousado! Tão desalentador. Tão encantador em seus detalhes incontornáveis. Tão concreto em sua materialidade aguada. Motim de acasos.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Multidão

Ah, vida, sua palhaça! Você abusa de mim, não tem vergonha? Você é irônica, mais irônica que eu. Mais sem pudores, mais sem princípios, mais sem remédio!

Ele saiu andando. No meio da noite. Pelas ruas do bairro. Pelas avenidas. Pelas estradas. No meio da noite. Pelo meio do nada. Até a montanha mais alta. No meio da noite. Sentou-se à beira do precipício, pernas balançando ao vento. No meio da noite. Sozinho. Olhava o mundo. Olhava a vida.

Tenho raiva de você, e morro de amores também. Não sei onde você se instala, onde pulsa seu coração, se no acaso das coisas indiferentes ou se no onipresente arquitetar divino. Pouco importa. Seja lá o que for, o efeito é esse: irônica até não poder mais. Vida, querida vida...

Abriu uma garrafa de conhaque. Tomava num pequeno copo de vidro, sem tirar os olhos das luzes ao longe. No meio da noite.

Eu cuspo em você com minhas irresponsabilidades e meus impulsos, e você, feliz dos meus pulos de vida, faz o mesmo em retorno! Que graça, que alegria. Amo ser zombado por você. Invisível. Me abraçando assim sem me tocar, de todos os cantos. Namoro minha vida num namoro angelical. Não sei onde fica seu centro pulsante, mas me sinto abraçado por todos os lados o tempo todo. De forma sedenta. De forma selvagem. Minha vida zomba de mim. Minha vida não me larga. Amo minha vida.

Tomou mais um gole. Jogou o copo ao longo só para ouvir o barulho dos estilhaços lá embaixo.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Secreto

A minha solidão. Eu gosto de preservá-la. Estou num momento da minha vida em que nada me faz mais falta do que uma devida inserção em diversos grupos sociais. Me sinto fora da faculdade. Sou um marginal nas atividades do meu trabalho. E ainda assim, profundamente carente de gente, temo pela paz da minha solidão. Estar sozinho, realmente sozinho. Ocupar minha mente com o que ela quiser ali na hora. Pensar em criar coisas, sem ter o menor compromisso com questões financeiras ou questões práticas de qualquer espécie. Há várias sensações possíveis de se experimentar na vida. Várias. Que podemos subdividir em categorias. E uma das categorias é essa: sensações de dentro. De nossa imaginação. De nossas conversas conosco. Uma boa paisagem sempre ajuda. Uma boa música sempre ajuda. Mas nada que perturbe essa liberdade irrestrita. Incontida. Irresponsável até. Inconseqüente. E, por isso tudo, deliciosa.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Não

Você é bonita. É inteligente. É simpática. Tem um sorriso lindo. Mas eu não sou o mesmo de tempos atrás. E sua vida é tão nos trilhos! Eu não queria magoar você...

E não pense que é fácil te dispensar assim... Não me sinto bem. Me sinto de certa forma sujo, tenho raiva de mim e raiva da história toda. Raiva de como o mundo funciona. Por que você não se interessou assim por mim da primeira vez? Por que tinha que ter escondido tanta coisa de mim a ponto de me deixar mergulhado numa raiva profunda incapaz de te dar atenção ainda que você eventualmente pulasse no telhado da minha casa vestida de caranguejo?

Desencontros. É assim que é, não é... uma coisa cheia de desencontros, a vida. Cadê a arte? As carícias de nossas mãos vão se diluir em nossas lembranças, mas pertencem ao passado.

Talvez assim nos tenhamos um pouco mais. Em sonhos puros de futuros felizes ao invés de tentativas solavancadas que magoam os dias.

Você é linda. Eu sou outro. Te estimo a ponto de me importar realmente com sua felicidade. E sei que atualmente não sou a pessoa para alimentá-la.

sábado, 20 de junho de 2009

O preferido

Essa coisa da vida vir cheia de idéias me cansa. A vida me diz o que fazer, o tempo todo, e não me pergunta nada. E é rabugenta pra caralho também, cheia de dedos com qualquer sugestão de mudança e resmungona sempre que invento qualquer idéia que seja.

Eu não existo. Eu viabilizo a existência extensa dos outros, de alguma forma. Sou desejos alheios, atividades alheias, sonos alheios. Sou civilizado no mundo de civilizadores alheios. Eu não inventei as palavras que uso. Eu não cuido da minha vida. Os amores que quis me fugiram entre os dedos. As ciências que encantaram minha curiosidade não sabem que eu existo. As que conhecem o meu trabalho não acessam o meu encanto. O mundo me é alheio.

Esse texto parece todo desgostoso com a vida, e pode ser só uma documentação dela. Essa é só mais uma das razões pelas quais gosto tanto do Elogio de Erasmo.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Minas

A viagem foi o máximo. Todos gostaram, todos felizes. Bom assim. Mas chegou a hora de ir embora, e em um só carro não caberiam tantas pessoas. Quem manda metade do pessoal ir de ônibus? E eu me ferrei. Gosto de parecer o gara gente boa no meio da turma, mas vez ou outras aparece uma situação dessas e, pra não cair em contradição, me ferro. Lá fui eu prontificando-me a voltar pra casa de ônibus.

Ponto de ônibus. Beira de estrada. Dois bêbados se aproximam. Um bem bêbado e com cara de ser a pessoa mais ingênua e bem intencionada do mundo. O outro, não tão bêbado e com cara de ser um mal elemento às vésperas de queimar uma igreja com o padre dentro. Conversavam assuntos deles. Os carros passavam. Os mosquitos me mordiam. Eu olhava o horizonte. Uns urubus ignoravam tudo, em cima de um poste ao lado.

Resolvi fugir dos bêbados e subi no primeiro ônibus que passou, sem nem ver qual era. Fui até o fundo mas só tinha gente feia pra trás, voltei pro primeiro banco e sentei ao lado da morena bonita. Normalmente evito o primeiro banco, mesmo que tenha morenas bonitas, pois considero um lugar perigoso na eventualidade de um acidente.

Fisioterapeuta. Conversei com ela por um longo tempo. A viagem toda. Até Belo Horizonte. Eu nunca tinha ido pra Belo Horizonte.

domingo, 14 de junho de 2009

Subscrito

Eu te disse uma vez que não acredito em palavras, e acho que você se surpreendeu. Logo eu, tão dado a escrever em qualquer guardanapo jogado, não é? Logo eu, que preciso de mais de um nome pra guardar todas as minhas idéias, não é? Mas não, não acredito em palavras. Em declarações, em flores, em juras... Não acredito em nada disso. Essas coisas mentem. Essas coisas são mercenárias, se dão aos usos de quem as pagar e pronto, sem pudor.

Mas naquela tarde a gente se olhou nos olhos... Do jeito que se olhou. Você lembra, eu sei que lembra. Que mais caberia dizer? Que mentira invalidaria aquilo? Você viu em mim, não viu? Eu vi em você também, não vi? Estava lá, não estava?

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Aconteceu

Vai. Então vai, e vive sua vida. Era isso, não era? Eu precisava ter meu coração de pedra quebrado de novo. Não é justo escrever de amor e descrever cenas de amor sem amar, não é? Então vai agora, vai que aqui sua missão está cumprida. Sinto a saudade de que passei um tempo enorme fugindo. E sinto aquele peso no peito que só sente quem ama. Sinto saudade. De todos os tipos de saudade. De querer te abraçar apertado. De querer não te amar mais pra aliviar meu peito. De querer você pra sempre porque não tem outro jeito.

Quem imaginou que isso pudesse acontecer assim tão rápido? Era tão impossível, não é mesmo? Era sem sentido, até. Olha só o que você fez. Não sabe como estou hoje. Queria sair correndo pela cidade e te achar. No seu trabalho. Na sua casa. No meio do trânsito, que seja. Te pegar no colo e sair correndo, e correr e correr e correr, fugir pra algum gramado gigante, com árvores, sombra e uma paisagem. E um canto invisível, esquecido. E ficar lá. Te dar meu ombro como travesseiro e meus carinhos como cobertor. Perguntar histórias suas. Dormir com meu rosto grudado no seu.

Por que é que eu quero tanto isso? Eu não sei mais de resposta. Não sei nem das que eu deveria saber, nem das que eu gostaria de saber. Só sei que você já me faz falta. Me faz uma falta danada. Vá... Já se apoderou do meu coração, coisa que deveria ser algo impossível e não lhe foi. Agora vá, tome sua vida para si e vá vivê-la, antes que eu não consiga soltá-la nunca mais.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Silêncio

Pare, pare, por favor pare! Pare de perguntar quem sou! De que interessa? O que muda? Aliás, é exatamente isso: pare de perguntar pois isso mudaria tudo! Eu vivo nesse pseudônimo a liberdade de não me ser. De ser tudo o mais que não sou. E também a de ser o que sou escondido. E também a de ser o que sou imaginado. Aqui eu minto. Aqui eu contrario meus princípios. Aqui não tenho que ser coerente. Hoje tenho um filho. Amanhã, nenhum. Depois cinco. E aí só duas meninas. E quem sabe nenhum de novo? Tanto faz. Sou pedagogo. Sou sociólogo. Sou um bêbado que nunca estudou. Sou um tarado. Sou uma mulher no cio. Sou uma beata. Sou um chinelo metafísico ponderando ingrato sobre os pisões que leva. Sou o nada melancólico querendo se masturbar à noite e pensando que é só o nada, e que portanto isso é errado. Não tem mãos, não tem sexo e não tem um banheiro em casa. Me deixe em paz. Me deixe desconhecido, porque assim, escondido, sou também um pouco você.

domingo, 7 de junho de 2009

Euselino

Eu comprava cachorro quente todas as tardes no mesmo local, seguindo o mesmo ritual. Eu me achava super descolado por cumprimentar o vendedor pelo nome. Euselino. Olá seu Euselino, me vê um dog completo sem passas, por favor? Mas outro dia fiquei ali sentado e tinha mais gente nas mesas do lado. Pedindo coisas também. E perguntavam coisas pro Euselino. O Euselino foi falando... Ele tinha se graduado em direito numa faculdade no Mato Grosso do Sul. Chegou a ser juiz numa cidadezinha, mas foi ameaçado de morte por um jagunço doido que ele condenara à prisão pelo assassinato de oito famílias, um bêbado, o próprio pai e algumas normas gramaticas que vagavam sozinhas à noite, desamparadas e abandonadas. Euselino então mudou-se para o coração do Pantanal onde ensinou jurisprudência da pororoca a uma família de dourados. Mas um jacaré achou que a coisa era com ele e ameaçou arrancar as pernas de Euselino a dentadas. Euselino então mudou-se para uma outra cidade e conheceu Joseph Climber. Este, à época, pintava quadros com sua perna direita, e então Euselino o ajudou a expor seus trabalhos pelos EUA, Ásia e Europa. Mas num dia horrível o senhor Climber sofreu alucinações e amputou as próprias pernas. Euselino fugiu, horrorizado, e perambulou pelas ruas sujas de São Paulo. Aprendeu a fazer malabarismos nos faróis, juntou uma grana e comprou o carro e a barraquinha de cachorro quente. E eu achava que conhecia o Euselino só porque lhe sabia o nome.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Cara ou coroa


Engenheiro. Engenheiro formado em faculdade boa. E trabalhar em uma grande empresa, ter um ótimo salário. Uma casa grande, um carro. Mais de um carro. E viajar sempre. Viajar a trabalho e viajar nas férias. Trabalhar na Petrobrás e... na Petrobrás? Mas e o aquecimento global? A poluição do mundo e tantas e tantas guerras alicerçadas no fundamentalismo do petróleo? Acho que vou deixar essa vida de engenheiro pra lá... Vou ser um ativista do Greenpace. Ou vou deixar tudo isso de lado e viver uns anos mochilando por aí. Pela América do Sul. Pela Europa. Pela África. Ou vou construir uma casinha no meu terreno em Araçoiaba da Serra e viver uma vida pacata, alheio a auto-fagocitose humana. Participando dela. Em paz.

Quero comprar um clarinete e aprender a tocá-lo muito bem. Ler partitura como quem lê palavras de cartilha. Quero ser piloto. E voar vários tipos diferentes de aviões. E ganhar alguns prêmios de acrobacias. Quebrar récordes. Ter histórias. Quero pescar com amigos à toa. No mar. No pantanal. Quero não ser ninguém e ter histórias de quem anda pelo mundo despercebido, com acesso aos mais díspareces seres e cenas. Quero brincar de kart. E ganhar um grande prêmio de fórmula um. Quero galinhar pelo mundo conquistando mais gostosas que qualquer amigo rico e com mais classe que Vinícios de Moraes. Quero ter uma única mulher pra vida toda. Filhos e uma história. Paz de espírito. Quero escrever o manifesto da frugalidade, mas exijo que seja na escrivaninha de Fausto, e com uma das canetas dele.

Quero o yin e o yang. Mas não na dose certa não... Quero pelo menos três doses. Com limão, açúcar e um pingo de mel. Pra virar de uma vez, ficar tonto, perder a vergonha e sair dançando pelo salão. Gafieira, salsa, zouk, soltinho... E conquistar todas as atenções do salão. E fazer um filme dançante.

Só sei querer tudo. Tudo. Do bife como a gordura. O osso. A pele. O casco. O pasto. A fazenda. O hemisfério. O periélio.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Vazio


Estou há uma hora querendo escrever. Duas horas? Quatro horas? Passa rápido. Não vem nada. O que vem é lixo e eu apago. É assim que funciona quando fico pensando que quero pensar algo de útil. É assim que funciona quando fico pensando que não quero pensar em nada.

Ontem à noite, no ônibus, pensei que eu poderia escrever grandes coisas.

Lembrei de coisas bonitas que me disseram. Coisas significativas que vi fazerem por aí. Paisagens que despertam um sentimento de religião, de tão belas.

E nada disso se presta a uma boa descrição agora, porque se as idéias existem e se as palavras continuam obedientes, falta qualquer coisa daquela víscera estranha que é a inspiração genuína, que impulsiona as palavras meio que um passo à frente de nossas ordens, que revoluciona nossos próprios conceitos em mosaicos inéditos montados com estilhaços de nosso antigo mundo inquebrável. E nada disso se presta a uma boa descrição agora. Nada de útil por hoje.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Presente


Faz tempo, não faz? Quem iria acreditar numa história dessas. Passo aqui os dias todos imaginando coisas, caçando na rede imaginações alheias. E nada que seja ao mesmo tempo tão inocente e profundo.

Lembra? Era meio que segredo. Era algo proibido. Era tentador, não sem conflitos. Não sem dúvidas. Como que um vício novo sem recomendações. Seríamos os primeiros a experimentar?

Aquela tarde foi especial. Primeiro encontro de olhares e éramos velhos conhecidos.

Você já tinha ido àquele parque, assim como eu. Você já tinha visto várias vezes o pôr do Sol no horizonte dessa nossa cidade. Ainda assim, não era tudo novo? Ainda assim, não tinha uma familiaridade diferente? Mudamos o gosto das coisas.

Indo para o aeroporto hoje meu peito apertou. Apertou estranho. Queria outro abraço. Sede gulosa. Gula insaciável. Sacear irresponsável. Queria te rir de novo, só mais uma vez. Passagem. Bagagem. Horário. Quilômetros. Outra vida. Outras pessoas. Outras histórias.

Ainda assim, você veio. Sem pagar passagem. Sem atrasos na imigração. Sem carimbo no passaporte. Eu não fujo, mas você me persegue.

sábado, 30 de maio de 2009

Todo dia


Todo dia Maria lava roupa. Todo dia o mundo gira. Todo dia Tiago lê e-mails. Todo dia o mundo gira.

Todo dia um poeta morre.

Todo dia uma palavra nasce.

Todo dia o mundo gira.

Todo dia Heróclito está certo.

Todo dia é urgente. Todo dia tem uma última vez.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Método

- Sabia que o pai de Nietzsche, o Karl Ludwig, era um pastor protestante fanático? Quando Nietzsche diz que Deus está morto ele estava é perturbando o pai, era uma crise familiar acontecendo ali!

- Não sei... Ele fundamenta bem seus pensamentos de que Deus é uma invenção humana, de que a divindade como se apresenta não faz sentido e nem é viável à nossa sociedade, e que nos submetermos cegamente à invenções literárias do nosso passado é fraqueza pura. Algo assim, se entendi direito, embora não seja nenhum especialista... Acho que não era só a questão familiar da briga com o pai não.

- Não, não era só isso, claro. Mas a inspiração familiar é uma coisa muito forte. Mesmo uma mente sagaz e atenta como a de Nietzsche acaba por perceber sua revolta com a cultura religiosa como uma dedução lógica de sua própria mente e nunca chega a explicitar a parcela de influência que sua vida pessoal, por vias irracionais, tem no processo. Nossas histórias de vida nos engolem, creio que esse seja o ponto. Ele chegou às conclusões que chegou por vias lógicas, mas talvez tivesse adotado outras vias lógicas, tivesse tido outra infância, outra ascendência.

- Não está simplificando muito não?

- E quem disse que não pode ser simples?

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Tão pouco


Não suma. Eu só quero que você não suma. Você não. Eu não esperava você aparecer. Eu não acreditei que nos conheceríamos tanto. Eu não sabia que seria tão rápido. Agora só quero que você não suma.

É o desencanto do mundo em nossos pequenos mundos? De perto, todo anormal é normal? Minhas poesias continuam dentro de mim. Tuas aparições ainda inspiram novas idéias.

Ou é medo? Respeito tanto você, sabe disso, respeito tanto que talvez, sem querer, te desarme. De onde vem um desejo tão agudo que ao mesmo tempo é assim tão libertino, talvez se pergunte.

Corpos há muitos no mundo. Só quero sua alma. Quero seu sorriso de perto, mas dispenso seu beijo se custar qualquer inconveniência. Quero só passar por seu olhar até entender seus sonhos. Até rir suas graças todas de dentro pra fora.

Talvez estranhe o comedimento de meus abraços. Mas sou possessivo. E mais que outros homens. Só quero sua alma. Quero estar dentro de você até de longe. Quero te preencher inteira até quando não estiver pensando em mim.

Só quero mudar as cores das coisas que você vê. Quero mudar a graça das coisas bobas que você vê na TV. À noite, jogada no sofá. Eu aí perto ou longe. Só quero que sinta meus tapas indignados protestando contra suas bobeiras num quase abraço que nunca se rende. Direto de minha mão, ou ainda que eu esteja do outro lado do mundo.

Não quero mudar o mundo. Não quero fazer desabar contra você a ira de convenções seculares.

Mas, diz pra mim, que legislatura há contra a comunhão invisível das almas?

Só quero sua alma. Só quero estar em seus pensamentos. Ainda que não esteja pensando em mim.

Só quero que entenda que você me é assim.

Íntimos


Hoje eu fui à praia. Precisava caminhar. Areia. Vento. Cheiros, ondas quebrando. Precisava caminhar. Santos. Praia Grande. Mongaguá. Itanhaém. Eu não parava. Não tinha energias suficiente para ficar ali parado. Tinha que andar como se conseguisse manter meus pensamentos todos ao menos um passo atrás de mim. Sempre.

E eles me seguem, me atropelam, correm atrás de mim.

Entre Itanhaém e Peruíbe há um pedaço de praia deserta. Gaivotas, com letra maiúscula, e umas poucas das de letras minúsculas.

O céu nublado: olho e penso que é melhor assim. Nos sentimos mais íntimos nessa semelhança recíproca.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Breve......

Eu ouvi a música tantas e tantas vezes
Todas pensando em você
E fui ao piano
Tirei nota por nota
Nem sabia das partituras
O que eram as colcheias
As semibreves e as mínimas
Mas escrevi
Escrevi e pratiquei
Tocava e tocava
Toda tarde
Tocava e tocava
Copiando aquela voz doce
Aquela voz doce que você mandou pra mim
E aí um dia, eu sabia,
Um dia eu iria tocar pra você
E você sentiria
Das coisas que senti
E eu e o piano ficamos íntimos
E você nunca mais apareceu
E assim ficamos
Como dois estranhos

domingo, 17 de maio de 2009

Widescreen

Cinema. Só eu, ela ao lado, e como se ninguém mais. Começa o filme.

Passam-se minutos. Dividimos a pipoca, mãos se tocam num pretenso acidente de acaso movido pela fome do estômago. Mentira. Com o sono acarpetando as ousadias, levanto o apoio de braço e a convido ao aconchego do meu abraço. Nos ajeitamos.

O que estou fazendo? Essa história de novo? Ela de novo? Já não bastam todos esses anos e anos de histórias? Essas idas e vindas que borraram com tantas lágrimas e soluços as madrugadas de saudades indevidas? Isso tudo não havia sido tão facilmente esquecido mais de uma vez?

Eu a conheço, penso. E nossa história... Por que deixar-me convencer pelos tristes solavancos do passado de que o percurso deve ser abandonado? E essa pele, esse cheiro. O braço dela que acaricio levemente enquanto utilizo as mais poderosas técnicas de concentração da ioga para continuar acompanhando algo do filme. Os seios dela que sinto com meu braço por baixo da blusa de frio, graças à geometria do abraço. Quero morder a orelha dela de leve.

E aquelas noites soluçando? E aquelas tardes quietas, de olhar parede?

Eu não sei mais, eu não sei mais... quem sabe?

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Alicerce

Gosto de atenção. E gosto de dar atenção. E o tempo não colabora. O tempo é pequeno. Falta ar, falta comida, falta água. Mas no mundo, tem isso também: falta tempo! Tempo de mandar oi pra todo mundo que amo. Tempo de ser atencioso com tudo o que minha atenção guarda no bolso da camisa.

Meus livros na estante. Meus trabalhos esperando. Meus familiares e visitas que não acontecem. As músicas que não conheço. Os teatros que não vejo. Os sites que não acompanho. As bebidas que não preparo.

E com tanta coisa pendente, o que me move a vir aqui escrever sobre este prolongado atraso?

Que coisa mais curiosa que a vida precise pensar de si até mais do que precisa ser pra si!

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Self

Personalidade? Eu não tenho nenhuma.

É que eu tenho todas. Abro o guarda roupa e escolho uma, logo antes de escolher a meia ou a calça do dia.

Falastrão.

Tímido.

Folgado.

Recluso.

São sete os dias da semana. Quase sempre trinta dias no mês. Cabem muitas, muitas escolhas.

Hoje eu vou cuspir em você. Amanhã vou passar reto. Na sexta lhe deixo uma flôr à porta de casa.

Você não é assim comigo? Não minta!

Você jura me amar, com seus olhos nos meus. Me deixando borrar seu batom. Jura me amar.

Que mentira que é jurar. Um desejo recluso de que não saibamos nunca mais de nossas outras verdades.

Hoje eu vou ler Nietzche.

Amanhã eu vou assistir o Faustão.

Até eu descobrir se na vida vale ser fútil ou profundo, rico ou pobre, fiel ou sincero, só deu tempo de perceber que a vida sempre quase já passou.

Você vem comigo hoje? A gente deita naquela praia, a primeira que fomos, lembra? Deita seus cabelos longos sobre meu ombro, me deixando beijar sua testa. Olharemos as estrelas. Vamos rir das nossas bobagens. Vamos falar do nosso futuro inteiro, dia a dia. Mas amanhã eu não sei.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Ambulante

Cheguei na plataforma junto com o sol da manhã. Eu e outras oito mil pessoas. Já o trem, este se deu ao luxo de atrasar um pouco. Mas veio. Trazendo mais quinze mil pessoas. Por vagão. Eu poderia descer na estação seguinte e fazer baldeação, mas hoje, só hoje, decidi fugir da rotina e das coisas e ir a linha toda até a Grécia antiga. Depois de Mauá o trem começou a esvaziar, ainda bem. Passando pelo Rio Grande da Serra já eram uns poucos que sobravam.

Na estação Siracusa sairam uns ambulantes, entraram outros. Um barbudo de manto branco segurando uma caixa de papelão com uns livros e pergaminhos.

- Bom dia, senhores passageiros. O meu nome é Platão. O meu professor se suicidou e meus alunos são inadimplentes. Cortaram a luz da Academia. Eu poderia estar roubando, eu poderia estar vendendo. Eu poderia estar trabalhando. Eu poderia não estar enchendo o saco. Mas estou aqui pensando! Trago a vocês hoje mostras da realidade imaginada e sensível.

Ele remexe em suas caixas, joga os livros pro lado e pega ou pacote com outras coisas.

- Quem estiver interessado na realidade imaginada, tenho aqui um pouquinho desse chá feito com cogumelos colhidos por epicuristas nas encostas dos Urais, coisa finíssima. Leva cinco, paga dois, enxerga dez, garanto! Quem estiver interessado na realidade sensível, tenho essa coletânea pirata de CD's emo em mp3 que eu baixei da internet enquanto deveria estar trabalhando e não achava nada legal no Orkut. Tem de tudo! Lost Kids! For Fun, Simple Plan, Fresno, Green Day, Good Charlot, My Chemical Romance... Paga dois e leva três. Se chorar, apanha!

terça-feira, 5 de maio de 2009

Endoscopia do ego

Recebo elogios. Recebo carinhos. Recebo afago. Recebo saudades. Recebo olhares.

Elogio. Acaricio. Afago. Sinto falta. Olho.

Escambo frio, podre. Ninguém gosta pra fora. Mundo egoísta. As pessoas são pra dentro. Não é? Você não é assim?

O que você quer saber de mim das coisas que não tocam sua vida? Das coisas que não ligam pra você? Nada, nada! Sei que nada!

Caçamos elogios mentirosos e esqueçemos de nós mesmos a obviedade destas enganações. Queremos o direito de livremente fingir ser o que não somos. Brincar de viver o que sonhamos. Só queremos que nos apóiem. Que nos apóiem e que se fodam em todo o resto das coisas. Carteiras esvaziem, prateleiras empoeirem, ombros pesem. Foda-se. Quero minha atenção mentirosa. Solidão é nossa moeda de troca oficial.

sábado, 2 de maio de 2009

Ficção

Ele era tímido, retraído, no que se referia ao trato social, à construção de seus relacionamentos com amigos, com mulheres. O primeiro beijo e a primeira foda vieram tarde. Mas o que demorou mesmo foi para que ele pensasse sobre sexo com essa naturalidade: uma foda e pronto. Criava sua bolha de romantismo e tinha certeza de que ela o recompensaria com a história perfeita. Amou. Amou de escrever cartas. De fazer surpresas no meio da noite. Amou de chorar saudades. Amou de guardar segredos. Amou de ser confidente até a última gota, até o último segundo, até a última fidelidade possível. Conversava com ela sobre tudo. Ouvia dela fatias roubadas de um amor divino.

- Gosto de você... Já tentei ter amizade com vários meninos legais, mas no final eles sempre se apaixonavam por mim e isso estragava a amizade. Você é meu único triunfo!

Ele vibrava de alegria, de ódio, de raiva, de orgulho. Era anjo. Era humano. Era idiota. Era vencedor. Queria só desejá-la e não conseguia descer a tão pouco. Continuava seu confidente.

- Caro amigo! Estou apaixonada!

- Como assim? Você não disse que o achava um impertinente por ficar se declarando pra você mesmo na época em que você namorava?

- Disse, mas ele insistiu tanto que acabou conquistando meu coração.

- Mas e você gosta mesmo dele? E se ele não tivesse se declarado, guardado segredo?

- Acho que aí eu o amaria ainda mais.

Raiva do mundo. Raiva de si. Só os anjos deveriam poder amar assim. E o segredo morreu com ele. Nunca souberam. Nunca saberão.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Amor perfeito

Véio, é foda! Ela qué viajá com as amiga dela, beleza. Mas mano, tô falando, se ela for nessa viagem aí que eu tô ligado que vai rolá os baile funk lá, maluco, eu vô tocá pras micareta com a galera também, e tô poco me fudendo! Cacete, ela já não deixa eu í dançá forró... acha que eu fico me esfregando e que as mina às vez vem pra dançá só porque tão a fim. Ela é muito troxa! Como se precisasse disso pra eu traí ela. Se eu quisé traí ela saio com minhas amiga de boa quando me der na telha, num vivo grudado nela! Você tá ligado que eu já traí ela várias vez. Porra, agora ela vem falar na cara larga que qué viajá pra essa festa, vai tomá no cú!

Namoram há seis anos. De todos os meus amigos de infância, são os únicos que estão prestes a casar. Exemplo de amor perfeito.

domingo, 26 de abril de 2009

Impróprio

Madrugada. Cinco pessoas no carro, eu no banco da frente, passageiro. Conversávamos de tudo. Risadas na volta pra casa. Piadas com nossas vidas. Nossos passados que se entrecruzavam em histórias várias da infância. Semáforo vermelho: paramos.

- Olha a loirinha aí, você ia nela não é, se sela não tivesse seus quarenta anos já!

Olhei a tal para conferir. Que quarenta anos que nada. Mas só tinha um jeito de confirmar a dimensão do erro. Abri o vidro, cabeça pra fora:

- Ei! Posso fazer só uma perguntinha?! Quantos anos você tem?

Ela não me olhou. Olhou pra frente, tensa. Séria. Músculos do pescoço contraídos. Parecia amaldiçoar o semáforo que permanecia vermelho indiferente ao seu desespero de sumir dali. Meus amigos todos me condenaram: isso não se faz!

O que é que há com o mundo? "Isso não se faz!" Isso o que? Falar com outras pessoas?

- Ela deve ter pensado que a gente ia assaltá-la! A essa hora da noite!

Ah, claro! Pois é mesmo uma nova modalidade de assalto, veja só. Quantos anos você tem, pergunta o assaltante. Vinte e dois, responde a vítima. O nobre assaltante consulta então uma lista. Deixe-me ver... Vinte, carteira, vinte e um, o carro, vinte e dois, bolsa... E então grita: passa a bolsa!

A mitologia do medo esfumaça a vida!

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Cida

Lotação, uma pequena van dessas que a prefeitura anda espalhando por aí. Pessoas sentadas. Pessoas em pé. Sol. Calor. Janelas abertas. Olhares perdidos. Barulho do motor diesel sendo dirigindo de um modo qualquer. Dos solavancos nos buracos. Dos outros carros. Das obras pelas quais passamos. E uma voz: uma voz que insiste em se sobrepor a tudo isso.

Olho pra baixo. No banco à minha frente estão uma velhinha e uma moça. A velhinha falando muitas coisas rapidamente. A moça concordando e, de tempos em tempos, dizendo que é só descer no ponto final. A moça levantou. Sentei-me ao lado da velhinha.

Que bairro seria este por onde passávamos? Qual era o metrô mais próximo? Ela queria saber tudo. Aí eu queria saber também. De onde você vem? O que veio fazer pra esses lados da cidade? Quantos anos tem? Quantos filhos tem? É casada? E ela ia respondendo tudo. Sacou da bolsa fotos da família. De quando tinha dezoito anos. Linda. Vestindo roupas elegantes que ela mesmo fazia.

E eu olhava pra ela ali do meu lado. Baixinha, miúda, toda enrugada. E com um sorriso de rasgar a cara. De orelha a orelha. Pegara naquela manhã quatro ônibus e um metrô só pra ir ver um show gratuito com artistas desconhecidos. Contente. Feliz com sua história. Feliz do seu presente. Cida, chamava-se. Mais sábia que o mundo todo que já vi. Talvez só disso ela não saiba, e nem faz falta...

terça-feira, 21 de abril de 2009

Presília

Ele deixou na caixinha do correio de casa uma presília. Não exatamente igual a que quebrou, aquele dia, no carro. Que desastrado... Dou muita risada com ele. Já namorei, já fui noiva, mas nenhum homem guarda para a vida adulta essa alegria de viver que com ele é algo espontâneo. Eu saí da cama como num dia qualquer, e veio minha mãe falando: "Filha! Deixaram uma cartinha pra você!". Uma cartinha... quem deixa cartinhas hoje em dia? Ele veio até a porta de casa, no meio da madrugada... E deixou uma carta. Está magoado comigo. Talvez ele suma.

Mas eu posso reclamar? O que eu fiz não foi errado? Eu devia ter contato a ele antes, e não acho errado ter finalmente contado, embora todos tenham dito pra guardar segredo. Não querer guardar esse segredo pra mim foi um egoísmo meu? Eu quis me sentir uma pessoa melhor e honesta ainda que isso trouxesse todo esse sofrimento e rancor a ele? E que eu o perdesse? E ainda assim, uma cartinha e a presília deixadas no meio da madrugada na porta de casa... Quem faz isso?

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Parabéns

Contradições da vida. Mistérios da metafísica. Segredos do bicho homem. Vai entender...

Fazemos aniversário uma vez por ano. Ah, é uma festa. Chamar os amigos, comprar muita comida, muita mesmo; bebida. Cantar alto a mesma, manjada e pouco criativa música, sem se importar com isso. Soprar a velinha e fazer vários pedidos.

E olha que contradição: a festa, feita uma vez por ano cheia de alegrias e presentes, é para celebrar algo que é amaldiçoado todos os outros dias do ano: o envelhecimento, o invencível e inexorável passar do tempo.

Ou será que o aniversário é para comemorar só que mais um ano se passou e ainda estamos vivos? Que sobrevivemos ao tempo mais um pouquinho?

Na dúvida, tenho um plano: agora vou lembrar que sobrevivi cada segundo. Parabéns pra mim. De novo. E de novo. E mais uma vez. E de novo. Já ganhei quinze desejos. Dezoito agora. E parabéns mais uma vez!

Nem sei mais o que desejar. Talvez eu deseje mais comemorações. Todos em festa. Vamos celebrar todos os nossos idos segundos! Que tal? Que tal de novo? Vamos repetir a dose? Mais uma vez???

domingo, 19 de abril de 2009

Ético

Ah, a crise política. O furação. A fome na África.

Ontem teve um assalto aqui perto. A família reagiu e a mãe foi morta com um tiro na cabeça. Os filhos e o pai assistiram tudo de camarote.

Vi no supermercado um rapaz cedendo a vaga no estacionamento à senhora que vinha em seu carro. Bem na hora, na mesma hora, um senhor veio dirigindo toda sua pressa e tomou a vaga.

Faz já sei lá quantos anos que explodiram as bombas no Japão. Ainda existem milhares de ogivas nucleares pelo mundo. Dizem que muitas delas ligadas a sistemas automáticos de defesa dos tempos da Guerra Fria. Mais hora menos hora o sistema se confunde com alguma coisa e lança um contra-ataque.

Vi no jornal ainda ontem que uma mãe deixava os três ou quatro filhos trancados em casa o dia inteiro, a noite toda, enquanto ia para bailes, saia, esquecia da vida. Os vizinhos davam comida para ela, já que era pobre, mas era o filho mais velho (de 5, 6 anos, algo assim) quem cuidava do fogão. Aos prantos.

Egoísmo, mediocridade. Tristeza aos montes por aí. Uma pequena batida de carro. Uma enorme falta de paciência. Um tiro que não precisava ter acontecido.

Ah! Como gosto das tragédias do mundo! Que ótimas desculpas são para minhas tristezas inconfessáveis!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Pauta

Referencial. Tudo depende do referencial. E decisões precisam ser tomadas. Abstração ou a vida concreta? Daqui a pouco a vida já passou, e ficar decidindo não vai permitir que nem uma coisa e nem outra seja vivida.

Referencial: Como é que sou para mim? Onde busco sempre os olhares que me definem?

Bateu um carro lá embaixo, dá pra ver aqui da janela da sala. Devo me importar? Eu tenho minhas coisas para fazer. É um sucesso ter essas ocupações ou um fracasso não estar trabalhando nelas agora? Eu sou pra mim ou sou pro mundo?

Quero tudo, mas dizem que não pode.

Preciso pensar a respeito e chegar a um acordo.

A batida está atrapalhando o trânsito no cruzamento. Já estou em casa, não estou dirigindo: só acho engraçado mesmo.

Sou pra mim ou sou para os outros? Adam Smith me disse no bar que se eu fosse eu pra mim seria automaticamente o melhor eu para os outros também. Jesus discordou, mas já tinha bebido muito vinho. Marx veio me falar que o que contava mesmo era a sociedade. Tá Marx, mas quem é a sociedade, eu, você, ele ali na rua, quem? "Bem, veja que..." E me enrolou. Pensei em dar ouvidos ao Smith, mas quem fica se gabando da mão-invisível me cheira mais a batedor de carteira que só pensa em dinheiro.

Vejo que vou ter que decidir eu mesmo. Qual olhar me define?

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Outros eus

O silêncio faz barulho, disse ela.
E ficou em silêncio.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Essência

O nariz evoluiu para poder suportar os óculos. Confesso ter uma dificuldade em ver a extensão do gênio empreendido nesta frase. As pessoas menosprezam esta frase. E não percebem a extensa manifestação condensada de todas as lógicas aos domínios mais inexplorados da realidade: aqueles que estão presentes em nossa vida em todos os instantes. Discutiu-se muito já, nas filosofias várias que a História andou criando, a natureza do determinismo. O demônio de Descartes era capaz de conhecer o futuro com a mesma clareza com que se conhece o passado, tal era a rigidez das leis do universo. Veio a Termodinâmica e, mais importante que a segunda lei, a idéia de rendimento. As próprias leis da natureza tem um rendimento limitado, extendendo o conceito. Quando extendemos todas essas abordagens a sistemas muito complexos, tão complexos quanto a vida, é espantoso não notarmos a obviedade desta verdade direta e a profundidade de seu princípio oculto: o nariz evoluiu para poder suportar os óculos.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Isso posto...

O céu convidava a voar! Azul, desse azul infinito que vem de onde foi prá até aonde se vê. As árvores todas verdes. As flores contentes. As lápides secas e legíveis. Era um bom dia também para se caminhar pelo cemitério. E uma lápide, em particular, me chamou a atenção. Nela lia-se...

"Julgaram-me depressivo. Julgaram-me dependente de fracassos inventados. Tolos! Leram em minhas tristezas um certo despropósito em existir. Não! Pois é justo agora, neste leito pleno de felicidade que me julgo pronto para morrer. Não construí nenhuma felicidade em minha vida fechando os olhos para a tristeza. Sempre a olhei nos olhos, à mesma altura. Sempre a abracei forte, levava-a comigo pelas caminhadas. Destes, destes todos que me tomam agora por triste lendo as palavras escondidas em meus diários debaixo da escada, de vocês é que sinto pena. Desta felicidade solitária segregadora dos sentimentos todos do mundo. Queria que experimentassem ao menos uma vez a sensação de fazer a própria Tristeza, companheira ao seu lado, rir de seus comentários. Além do mais, que outra amiga me mostraria com tamanha dedicação, os esconderijos da originalidade? A vida não é a felicidade! É o nascer da felicidade. Assim como a arte não é o quadro. Não é a Monalisa. Não é uma tela de Van Gogh. Arte é a tela em branco na hora que a tinta molha. É desenterrar a cor. Agradeço à tristeza por cada segundo de sua companhia. E agora que ela se foi, em protesto retiro-me também, desta que foi uma vida incompreensivelmente feliz."

terça-feira, 7 de abril de 2009

Farol

-Tio, leva uma bala?
-Não.
-Tem uma moeda pra mim?
-Não.

-Tio, tem um trocado?
-Tó, toma aqui. Me fala, o que você quer ser quando crescer?
-Eu quero ser motorista de caminhão!
...
-Eu quero ser bailarina!
-Eu quero ter um carro pra mim.
...
-Eu quero ser bombeiro.
-Eu quero ser policial.
...
-Então nunca desista tá? Promete pra mim que vai estudar

bastante?
-Prometo!
-Ó, vem cá... Vão desanimar você. Vão falar que é impossível,

mas não desista nunca! Nunca! Se VOCÊ não desistir, você pode

ser o que você quiser? Combinado? Então toca aqui!
...
-Tio, tem um trocado?
-Tó, toma aqui. Me fala, o que você quer ser quando crescer?
-Ih, nada não tio.
-Nada? O que você sonha, o que você gostaria de ser?
Olhos pro chão. Movimentos quietos. Voz pra dentro:
-Tanto faz, quero nada não.

Farol vermelho: hora de parar.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Jogado

Cadê? Onde está aquele pedaço de eu que eu sei que existe? Que não me deixa aqui inteiro por se furtar insistentemente a qualquer livre aprisionamento que eu tente? Cadê aquele eu do andar sozinho entre as árvores? Aquele eu das conversas sem fim com tão grandes amizades? Aquele eu das empolgações intermináveis dos trabalhos bem feitos?

Pra onde se rouba o existir assim que nos deixa sem controle? Do que é feita a empolgação que se sente assim tão no limiar o tempo todo?

Quando foi que a vida ficou tão grande que não cabe mais no agora?

Vou comrpar bolachas, deu fome.

sábado, 4 de abril de 2009

Agenda

Cumpri todas as minhas tarefas. As minhas metas começaram a ser alcançadas. Aquele dia em que sentei diante da folha de papel, organizei as tarefas pendentes e minhas metas em cada uma delas. Aquele instante de desejo eu estava contemplando agora, desfrutando do prazer de vencer os desafios que impus a mim mesmo.

Era o prelúdio dos piores dias do ano. Que durariam um... dois... três meses talvez. Uns cinco, sendo mais sincero aqui.

Tinha os objetivos que não estavam escritos. Achei por bem que não os iria contabilizar, assim não corria o risco do fracasso.

Não sei ainda como é que eles foram contabilizados. Quando é que se consumaram como objetivos. Mas essa ignorância voluntária em desconsiderá-los cavou um buraco fundo em que caí cego, sempre olhando pra frente e sorrindo feliz.

Meses de desânimo, levando tudo com enorme peso. Com uma vontade irresistivel de cair num canto e ficar fazendo nada.

Era eu dentro de mim tendo problemas sérios de excesso de sinceridade comigo mesmo. Coisas que não são práticas, essas coisas que são certas.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Química

Observei num poderoso microscópio várias moléculas diferentes. Não muito versado nos mistérios da química, muito menos nos meandros impercorríveis da física quântica, decidi observar o que quase toda criança um dia compreendeu de certa maneira. A água, toda simples, com seus dois hidrogênios e seu oxigênio. Curiosamente, as bolotas de moléculas que eu vi não eram "molhadas". Eu vi a água mais de perto do que qualquer outro, e não sei mais o que é o "molhado" tal como eu conhecia. Depois eu quebrei a molécula. Estava ali, diante de mim, e eu joguei os hidrogênios para um lado, e o oxigênio para outro. Mudou tudo. Era a mesma coisa ainda, mas não era mais o que estava lá. Não era como uma xícara rachada ao meio, eram coisas surgidas do nada, e o desaparecimento de uma outra. Percebe?

domingo, 29 de março de 2009

Coragem

Há algo de errado com as frases que nunca foram ditas. Ou, no mínimo, algo de estranho. Com os pensamentos que nunca foram pensados. Explorá-los é asfixiantemente encantador. É essa angústia de preciso-voltar-logo querendo e querendo continuar a ir. Sinto essa asfixia quando sinto meus pensamentos se concretizando em palavras antes de eu ter sondado o quanto eles eram pensáveis. Porque aí faço perguntas que não devia. Faço conjecturas nada éticas, confesso desejos humanos demais. Defendo um ideal muito inatingível. Pensar livremente é assim tão simples quanto ser o que se é. E por ser o que se é, se é diferente, pois isso ninguém faz mais. E por ser assim tão diferente no mundo dos iguais, se fica sozinho. Junto com o deslumbre de um novo e encantador mundo, uma biblioteca gigante em que se entra pela primeira vez, vem esse frio da solidão de um parque vazio no inverno: você de bermuda e camiseta regata. Quando se é assim simplesmente o que se é, lembrando de alguém escondido sei lá aonde dentro de nós, nascemos também para fora, com toda a dor de nascer de novo. Mas agora a dor não é na carne, é nesse outro universo em que nascemos. E com as lágrimas desse mundo metafísico diferente, é impossível, nesse novo nascer, evitar chorar de novo. O desespero incontido poeticamente belo do choro de um bebê.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Dependente

Dois minutos se passaram e eu ainda não recebi nenhum e-mail. Será que eu não tenho mais amigos? Será que o mundo parou? Entrei no Orkut, mas não tinha notícia nenhuma na comunidade "O fim do mundo" sobre o mundo parar.

Conectei o MSN, o Yahoo! Messenger, o ICQ e o mIRC para ver quem estava por perto. Conheci uma moça muito bonita, tinha olhos lindos, o corpo na medida que gosto, mas ela tinha conexão discada e caiu a linha. Azar o dela.

Três minutos. Nenhum e-mail para mim. O mundo parou. Eu travei, esperando uma resposta. Eu travei, não sabendo sobre o que seria a resposta.

Não quero aceitar que nada inesperado aconteça voltado a mim. Onde estão os e-mails? Quero ser só uma engrenagem empurrando dentes de uma máquina que não entendo, sem pensar.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Entrevista

-Quando o senhor vendeu as fazendas então, não havia mais esse problema?

-Não, não havia mais. Eles já eram crescidos, todos. Também não queriam ir para lá só a lazer, por livre vontade, e a mãe concordava. Então que ficassem na cidade.

-Onde o senhor não aguentou muito tempo.

-Pois é. Voltei para o campo. Eu cresci lá, vivi lá, prosperei lá. Sempre tinha parente indo pra alguma cidade. Cidade grande. Mas o campo me deu muito. Riqueza inclusive. E eu acabei voltando.

-Então isso é mais uma ligação emocional mesmo?

-Ah sim. Mas não sei se posso dizer que foi por isso, pois aí não seria de todo coerente...

-Por ter deixado seus filhos na cidade?

-Sim, pois emotivamente, sinto falta deles também. Meu passado está no campo, mas minha vida são meus filhos, e eles estão longe. Sinto falta deles. De alguma forma senti que eles tinham que viver a vida deles, mas eu não queria que isso fosse longe de mim.

-Mas o senhor está complicando tudo. Temos que decidir logo o que vou fazer da sua alma. Mas nem você sabe se era amor à libedade deles ou egoísmo possessivo com seu passado e suas lembranças...

Longe

Uma tábua de madeira sobre a calçaca, cobrindo uma manutenção de rotina no pavimento. As pessoas andando. E as cenas típicas, as piadas despropositadas... Tudo acontecendo ali. A situação inusitada, os comentários, as fotos. Um cruzamento na cidade grande e lá muitas pessoas fazendo do inútil o objetivo final, dando-se à alegria com gosto.

Sorri um sorriso desacompanhado. Não que não houvessem pessoas comigo. Mas simplesmente não haviam outros sorrisos ao lado do meu. Quando se esmiuça o mundo assim com os pensamentos que vão perguntando o que está por trás de cada parede... vão surgindo salas escuras.

Ah! Mas que é que estou fazendo aqui? Sei que fui aonde não devia, me perdi por esta e aquela viela das pessoas que ficaram ao meu lado.

Vi uma criança sorrindo um sorriso expontâneo com seu amigos. Vi as duas sorrindo um sorriso só a uma cena que, em si, não mereceria tanto, não fosse o trabalho árduo daquelas crianças que havia pouco garimparam o duro simples do mundo atrás dos tesouros escondidos.

Sorri um sorriso desacompanhado. Mas olhei de volta, deixando de lado as salas escuras. Olhei à volta. Olhei... olhei que volta.