quinta-feira, 30 de março de 2017

Só de passagem


Os portos do mundo acabaram associados a um nível de decência consideravelmente inferiorizado. De fato. Lá há carga, circulação de dinheiro, e homens em um ambiente com baixíssima densidade demográfica e pronunciadas relações de hierarquia: prolifera-se tudo o que há de errado. Contrabandos, tráfico de influência, propinas. É também um antro de prostituição. Mas isso não acontece apenas nos portos. O que a humanidade associou ao mar, o homem aprendeu a mandar também pelo ar. Ao redor dos aeroportos existem, aqui e ali, alguns conhecidos puteiros.

Não vou dizer prostíbulo ou casa de prostituição ou qualquer outro termo. Vamos à linguagem que as pessoas usam corriqueiramente: puteiro. Porque o assunto é, na verdade, exatamente esse: hipocrisia. Fico pensando... quem frequenta esses lugar? Quem alimenta esse mercado? Entendo, de um pouco de vista ético ou moral, ou mesmo emocional, muito mais a puta que ali trabalha do que seus clientes. Mas nossa sociedade não hesita em condenar a puta e absolver o "homem de família" que "deu uma escapada".

Aliás... tenho um amigo que não considera ser possível trair sua esposa com uma puta. "Porque comer uma puta é um negócio. Não precisa ter sentimentos. É um serviço. Traição é só quando tem sentimentos!" Ele se absolve com esse argumento e mantém sua paz de espírito. Mas eu sempre pergunto para ele se a esposa dele concordaria com tal definição e se eu posso perguntar a ela o que ela acha desta ideia, e então rapidamente a conversa se encaminha para prenúncios de inimizade.

Nem quero mais desenvolver o assunto. Transformar isso aqui numa crônica com ironias. Não vem ao caso. É isso mesmo. Não importa se na relativa pobreza suja dos portos ou se dentre os engravatados executivos que transitam pelos céus... uma sociedade hipócrita e machista sempre acha um jeito de acomodar-se pacificamente às suas desvirtudes.

quarta-feira, 29 de março de 2017

Protesto

É uma pequena diversão minha: deixar sempre, em minha biblioteca, A Riqueza das Nações ao lado de O Capital. E fica a mensagem subliminar ao mundo: se entendam!

Segurança


Fui conhecer o vagão restaurante. Era dia de festa no pátio do museu, mas o restaurante não funcionava. O que me atraiu foram as luzes coloridas internas e a aparência de que o vagão estava bem conservado. Havia um segurança cuidando do cordão de isolamento. Ele me autorizou a chegar mais próximo ao vagão. Subi as escadas e fotografei o interior através da janela. Aí então veio o comentário inusitado:
- Aí é bom pra levar a amante!
- A amante? Pode ser a namorada também, não é?
- Pode... mas a amante é melhor!
- Por que?
- Porque olha em volta... é um lugar bem escondido, esse aqui! Melhor do que ficar dando bandeira em algum restaurante lá fora.

terça-feira, 28 de março de 2017

O músculo da escrita

E uma ideia tão simples de repente traz um insight tão necessário. É um músculo: o músculo da escrita.
E aí toda sorte de considerações começa a pipocar nos meus pensamentos:
Quais os pesos que eu tenho levantado?
Que tipos de exercícios dá pra fazer? Coxas? Bíceps? Flexão?
Supino às quartas-feiras?
Baterias com três séries de doze repetições?
Por isso é tão importante ir à academia ou arranjar um personal trainer ou ficar mais atento às colunas de saúde nas revistas de avião e dos cabelereiros. É preciso conhecer os diferentes exercícios.
E qual alimentação combina com o que? Gordura trans faz mal à poesia? Carboidratos são necessários às prosas?
Carne vermelha pode provocar excesso de adjetivos? Ser vegetariano não deixa as digressões muito caretas?
E os doces, hein? Energia necessária, mas podem deixar tudo mais lento também, não é? Há que se equilibrar os prazeres e as dores, as energias e o emprego das mesmas.
O que alimenta o músculo da escrita, afinal? Não é à toa que falamos em experiências amargas e doces momentos. Experiências pesadas, assim como uma exagerada macarronada, são alimentos fartos que têm seu papel mas não devem vir em exagero.
A ideia do músculo faz pensar na academia, que faz pensar na alimentação.
Um mundo novo pela frente. Novos pesos, novos exercícios e uma nova dieta. Segunda que vem eu começo, prometo.

O círculo do artista


O artista de rua tem à mão um giz. Risca um círculo. Este é seu espaço. Lá ninguém deve entrar. As cenas no filme "A Travessia", com a história de Phillippe Petit, são reveladoras. Mas há um outro espaço que não é físico e que também deve ser respeitado. O espaço mental. Um está associado ao outro. Para onde vai quando quer garantir uma mente tranquila? Para onde vai para ficar longe das coisas que o distraem?

segunda-feira, 27 de março de 2017

Encontros fortuitos


Se eu tiver a oportunidade, entrevistarei Noenio Spinola (nem sei se está vivo, por onde anda, o que faz) a respeito de sua história "Mariana Adeus". Nela um jovem paulistano cruza com uma jovem em uma estação de metrô. E ele está destinado a nunca mais vê-la. Apenas um nome. Mariana. Quantas Marianas existem por aí? A história foi terminada em 1998. Dava para imaginar os aplicativos que iriam invadir nossos celulares? Acho que, para um brasileiro, lá em 1998 ainda era difícil até imaginar que os celulares viriam a ser o que são. Era dos motorolas gigantes nas cintas de gente rica, lembra?

Sinto qualquer paralelo entre o que aconteceu com essa história e o texto do Max Weber "A Ciência como vocação". O desencantamento do mundo. Antes, o mistério. Quem será que são essas pessoas? Hoje, a informação. Com pouca coisa à mão vamos ao Google, Facebook, Whatsapp, Instagram, Twitter e temos um dossiê completo daquela pessoa. Completo?

O dia D


Foi o dia em que eu descobri que não era mais amado. O que fazer com o meu tempo? Com minha atenção? Com meus filhos? Com as ferramentas? Com o futuro? Tudo havia se transformado em inutilidade e desperdício porque ela era, até então, o propósito final. Neste sentido, em linguagem precisa, era a Deusa da minha vida. Meu norte. E então eu descobri que ela não me queria mais. Eu não era mais o centro da atenção dela. Dos carinhos. Mudança de proa. Mudança de vida. Mudança de rumo. Pra onde? Pra onde?

domingo, 26 de março de 2017

Manda nudes!


Já escrevi em algum lugar que a tecnologia só serve para potencializar nossa natureza. Nada mais. E há pessoas assustadas com essa onda de "manda nudes" que invadiu alguns setores mais saidinhos da internet. O verdadeiro incômodo não é o comportamento. Atitudes diferentes das nossas sempre existiram e sempre vão existir. O que a internet tem perturbado, vez ou outra, são as fronteiras. Gente que nunca sequer conversaria sobre algo equivalente a mandar uma foto com a alcinha do vestido mais solta de repente começa a ver mensagens de "manda nudes" circulando por aí e, eventualmente, dirigida para elas! Não se deixem enganar pelo exemplo: o que digo vale para homens e para mulheres. Essa efervecência de fronteiras sociais é a coisa mais interessante da transição de eras.

Raízes


- É como as raízes das árvores, sabe? Se a árvore cresce em uma encosta, torta, então ela precisa se retorcer toda pra acabar virando uma árvore reta. Depois, não é mais possível tirar essa árvore e colocar em um chão plano, achando que ela vai virar uma árvore reta como as outras. Eu tenho as minhas histórias. Eu tenho as minhas feridas. Faço o melhor para me tornar uma árvore reta. Mas tenho minha história. Posso fazer o melhor daqui pra frente. Mas vai sempre existir uma parte torta no tronco.

sábado, 25 de março de 2017

Meu ceticismo


Eu costumo ouvir com alguma frequência a acusação: "Você é cético". Sempre assim com tom de voz de dedo-apontado-na-cara. É um defeito. Um motivo para sentirem pena de mim. Resumindo, constatam o fato e sentem lá no fundo: "pobre homem de pouca fé!".

Mas há algo de bem injusto nessa acusação. Muitas vezes vem de pessoas que dizem ter algum tipo de mediunidade e de sensibilidade aguçada para coisas espirituais. Eu, curioso, converso com elas para entender melhor essa experiência.

-Você sente os espíritos? Tem uma espécie de sensação ou intuição? Ou é algo mais direto?
-É mais direto mesmo. Às vezes eu me assusto porque escuto vozes. E às vezes, ainda que seja mais raro, eu vejo algo.

Neste caso essas pessoas, devo dizer, são tão céticas quanto eu. Mas elas vêem os espíritos! Eu não vejo nada! Então não é culpa minha custar a acreditar. Se os espíritos existem mesmo então só posso pensar que estão de sacanagem comigo por ficarem fingindo que não existem.

Divã

- E o que você descobriu, pensando em tudo isso?
- Descobri que sou carente. Essa carência profunda. Abraço. Afeto. Carinho. Isso tudo tem uma energia profunda. É um combustível. Combustíveis podem explodir, incendiar, ou propelir à distância. Tento encontrar essa conversão motora. Não é simples. Só não consigo mesmo é me livrar do combustível em si. Transforma-se às vezes em ansiedade. Em um vácuo. Em um turbilhão neurótico. A distância é uam coisa estranha de se lidar. Transforma o tempo em incógnitas e hipóteses. Escrevo mais? Escrevo menos? Sou simplesmente natural e corro o risco de enjoar por escrever demais? Tenho o cuidado de escrever menos e corro o risco de ser uma pessoa fria e sistemática com algo que deveria ser tão natural e espontâneo? O que acha, doutora?
- Interessante. A consulta continua semana que vem, já deu o horário.

sábado, 4 de março de 2017

Ironias espontâneas

Tempos atrás dei vazão aos meus sonhos de uma vida saudável e disposta: fiz a inscrição na academia. Deveria ter desconfiado que a escolha de uma academia pelo critério único exclusivo de proximidade com a minha residência denotava um predomínio da preguiça como lógica maior. Hoje, anos depois daquelas tímidas sessões de supino, encontrei o cartão da academia. Praticamente todo em branco. E servindo de marca páginas para um livro que fica sempre pertinho da cabeceira da cama de modo a exigir mínimos movimentos do braço esquerdo para alcançá-lo. Título do livro: O Vagabundo.