quinta-feira, 25 de junho de 2015

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Bafo

Dez e meia da noite. Eu estava andando pela Avenida Paulista e era hora de voltar para casa. Fui até a Consolação e lá estava eu na calçada, em frente ao cinema Belas Artes, esperando o semáforo de pedestres ficar verde. Alguém me cutucou no ombro. Virei-me e vi um rapaz branco, de cabelo preto bem enrolado, coerente em sua figura esguia como uma peruca sobre uma vassoura. Jovem, bem jovem.
-Ei, desculpe a pergunta, mas você bebeu ou está sóbrio?
-Estou sóbrio, por que?
E então ele deu uma esbaforida em minha direção e com toda a sinceridade curiosidade do mundo perguntou:
-E eu estou com bafo de bêbado? Dá pra perceber?
Fui obrigado a ser sincero:
-Olha, bafo não, mas comportamento sim.

Foto #174

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E por falar em egocentrismo

Quem não é egocêntrico afinal? Não tem como. Ou é por maldade ou por bondade, que seja, mas somos todos egocêntricos. Ou a vida não seria possível.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Terapia

Tem já um tempo que parei. Mas sinto falta. Uma conversa de uma hora com uma pessoa realmente habilitada a conversar. Uma pessoa que acompanha sua história e faz comentários ou perguntas pertinentes. Acho que a necessidade de psicólogos não é de todo natural. É consequencia de uma deterioração gradual na qualidade das amizades cotidianas. Dos amigos que temos e também de como nos entregamos a eles. Eu tenho boas amizades. Mas por mil razões não tenho atingido com estas o mesmo grau de transparência que me permito com a psicóloga. Há contudo um problema. Estou me tornando mais egocêntrico. Uma hora contínua falando de mim, sem parar, sem ouvir nada sobre a outra pessoa em troca é definitivamente muito estranho. E o pior: a gente se acostuma.

Foto #173

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Harmonização

Tralhas espalhadas sobre a mesa. Uma máquina fotográfica. Um charuto que ganhei de lembrança em um casamento, anda na embalagem. Um adaptador de tomada. Flanelas. Diversos pedaços de papel com números e nomes anotados. Uma pilha de apostilas e livros. Revistas em um canto. Flanela de limpeza. Um pente. Moeda. Um quadrinho que devo mandar para Israel de presente para uma amiga, em breve. Mas, primeiro, preciso escrever uma carta para ela. Não quero mandar só o quadrinho. Tem que ter a carta junto. Que bagunça, que bagunça! E só descrevi o que está em cima da minha escrivaninha. E nem mencionei o celular, o caderninho de notas, o kindle e meu cortador de unhas. Ao lado do crachá lá do trabalho. Imaginem se eu começar a descrever o resto do meu quarto. Roupas amontoadas em pilhas diversas. Roupas por lavar e roupas limpas para guardar. E roupas que só usei uma vez e ainda posso usar mais uma antes de colocar para lavar. Coisas jogadas. Pilhas de revistas e papel. Sou um acumulador? Tenho pouco espaço para viver e precisava de uma casa maior? Ou é tudo isso apenas um reflexo de como está minha alma por dentro?

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Escritores bêbados

Eu achava que me encher de vinho ou conhaque ou, quem sabe, whisky, era a saída para ser um bom escritor. Descobri que isso é um mito. Há sim, na história, famosos escritores que tinham uma intimidade exagerada com o álcool. Mas na maioria das vezes é tudo questão de pose. Inclusive comigo. Meus textos mais bêbados foram escritos, na verdade, sobre uma sobriedade até incômoda de tão seca.

Foto #172

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Descubra o que você ama

Estavam tristes. Ficavam juntos para dividir o que de pior há na solidão. A sensação de que o outro não está ali. Ou pior: o peso duro de se perceber invisível. Ele a ignorou. Ela chorou. Protestou. Ele reagiu. Rugiu. Distanciaram-se.
Dias depois, as mensagens no celular:
-O que eu posso fazer?
-Descubra o que você ama. O que a faz feliz. A felicidade nunca sai do outro. Amor é de dentro pra fora.

domingo, 21 de junho de 2015

Cometa

As pernas não estão exatamente confortáveis. Mas a sensação de me contorcer em posições não projetadas, esticando-as para o lado por sobre o assento vazio, dá algum alívio. Vejo, no vidro oposto, meu reflexo. Um adulto com um livro na mão. A trepidação da estrada faz a imagem ficar um tanto quanto distorcida. Mas nisso há uma nítida verdade: é assim que nos enxergamos, sem detalhes suficientes. Sem perceber o movimento por completo. Mas, ainda assim, seguindo adiante.

Foto #171

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Beleza

De que adianta você gastar quinhentos reais com o cabelo e comprar o sapato mais caro do shopping se você conta assim, sem pudores, que escondeu o pote de doce de leite para a empregada não provar?

sábado, 20 de junho de 2015

34 cities

"We first meet at the main hall. She was dressing a very casual dress. Not like going to sleep, but also not like going to the Oscar night. I was smoking. I was tired to do anything else but didn't want to stay in the room looking at the walls or, worse, watching some cable channel. She approached me asking for fire. I gave her my lighter and we started a conversation. She was hot. Not lake a playboy bunny. Hot in her middle forties. Better like this, I thought. Enough of those silly little girls. Too innocent and way too dreamy. This lady was different. I was trying my best to think of a way to approach her over that empty conversation about what were we doing there and the weather and all this bla bla bla when she just looked deeply into my eyes and fired: do you want to take me into your bed? Oh my god, you are quite straight aren't you? Well, I know the looks, she replied. And I could only tell her that To be honest, Yes I want. Please don't be offended for my honesty, I mean no disrespect, but you asked me and I feel obliged to tell the truth. She took another drag on her cigarret as if I had said nothing of importance, stared back at my soul and just wispered I cannot be offended at all. I was wishing the same. Let's do it tonight. Her voice made me crazy. Completely crazy. And this was the first city I was visiting of all the thirty four I was intended to drive through in this my new job. I think I'm gonna love this summer."

Foto #170

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Política

As mesas de plástico já estavam cheias de copos vazios. Pratos com guardanapos sujos. Espetinhos de madeira jogados displicentemente, já sem carne. Talvez fosse o álcool da cerveja, talvez fosse só sinceridade mesmo. Talvez fosse algo em sua vida que estivesse errado, profundamente errado, e a raiva era descontada em mim. Dane-se a razão precisa, só sei que a raiva era descontada em mim. Eu mostrei um aplicativo de notícias, em que eu podia ver em tempo real até mesmo as notícias da França ou da China. E ele era áspero "e daí? Vai sair com guarda chuva se tiver chovendo na França?". Era o dia perfeito para começar uma briga. Minha mão fechada encontrando o nariz dele. As pessoas correndo para nos separar quando já seria tarde demais. Um pé contra meu estômago. Talvez contra meus dentes. A violência dessa imaginação me acalmou. Não por completo, mas o suficiente para eu deixá-lo sendo um idiota sozinho.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Tamires

"Eu adoro ler. Estou sempre lendo. Passei quatro anos nos ônibus, indo e voltando para a faculdade. Uma hora e meia toda vez. Cara, isso são três horas por dia, todo dia! É muita coisa. Mas eu peguei gosto por ler, sabe? Nada intelectual. Não gosto de ler coisas intelectuais não. Gosto de coisas distrativas. Gosto de entretenimento, de me sentir bem. Agora, com o trabalho... Eu me formei em contabilidade, mas trabalhava em um escritório. Trabalhei um ano. E não era feliz. Não estava aprendendo nada. Resolvi sair. Falaram para eu ficar até achar outra coisa. Mas eu precisava sair. Agora não sei o que vou fazer. Preciso descobrir. A gente precisa de um trabalho, não é? Mas eu não sei o que quero fazer."

Foto #169

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Traduções

Descobri que a maior parte dos professores ruins não confia em seus alunos. Recebo com frequencia este conselho: "não complica muito, eles precisam passar na prova, passa só o que interessa". O que significa praticamente o mesmo que "treine aqueles macacos". Nada de ensinar a pensar. Apenas dizer umas regras que podem ser memorizadas e repetidas. A memória é muito mais difundida do que inteligência, essa é a crença. Então, como professores que precisam produzir alunos que passam em provas, é melhor apelar para a memória do que para o raciocínio. Eu não consigo assinar embaixo. Não consigo. Não confio nesta abordagem. Acho que a inteligência é também tão difundida quanto a memória. Talvez até mais. Mas a inteligência exige algo que a memória dispensa: diálogo, um diálogo mais profundo. A memória é cópia direta. Você diz uam frase como "sinais iguais, você soma, sinais diferentes, subtrai". Ou então algo mais sucinto ainda como "menos com menos, dá mais". E a memória deve repetir as regras do mesmo jeito. Já com a inteligência algo diferente ocorre. Cada um tem seu idioma, seu vocabulário. É difícil dialogar com a inteligência alheia. E é por isso que a grande maioria dos professores prefere não fazê-lo. A cultura do mundo sofre agonizante por conta de nossa indisposição a buscar diálogo com nossos iguais.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Caminhos de ferro

"Seus braços se tocaram. Suavemente, sem nenhum movimento brusco que pudesse denotar intenção. Era apenas uma conseqüência mecânica dos solavancos do trem. Mas dali em diante, ele reparou, ela não levantava mais o braço esquerdo enquanto gesticulava. Deixava-o aí, prolongando deliberadamente o prazer daquele acaso."

Foto #168

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Das pessoas próximas

Qual seu critério para se aproximar das pessoas? Depende do que elas são para você? Você se importa com o que elas são para os outros? Elas refletem algum ideal maior? Ou alguma viabilidade imediatista? Ou você simplesmente deixa acontecer... Foca em seu trabalho, em sua rotina, e as pessoas que forem aparecendo serão, automaticamente, as pessoas próximas?

Eu, particularmente, nunca fui bom em escolher ou rejeitar pessoas. Embora algumas me incomodem e outras me irritem, sempre considerei que esse ato de escolher era, por si só, algo ofensivo de se fazer para outro ser humano, especialmente em contextos levianos como amizade, ou uma conversa do dia-a-dia. Ou talvez isso tudo seja uma racionalização para uma outra tragédia que nunca confesso: a inabilidade percebida de colocar em minha vida as pessoas que realmente gostaria. Diante dessa derrota prefiro aceitar quem aparece e desistir de fazer escolhas, o que é um modo de não me responsabilizar pela minha distância daqueles que mais amo.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Pesos

"Talvez ela tivesse gostado de ouvir isso, mas nunca cheguei a dizê-lo em voz alta."
(do livro "Nós", de David Nicholls)

Quem nunca incorreu nesse crime das relações humanas? Crime sim, porque tudo podia ser muito mais do que é, não fossem os sentimentos ficarem tão escondidos. Mas, ao mesmo tempo, somos todos inocentes. Porque soterrados sob uma montanha de medos e inseguranças e considerações infinitas. E se ela não sentir o mesmo? E se meus sentimentos mudarem? E se ela achar que isso quer dizer ainda mais do que quer dizer? E se eu o disser de um modo idiota? E se já for óbvio e eu parecer bobo falando? E segue assim o mundo, com essas toneladas de alegrias soterradas.

Foto #167

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Nota rápida

Estou deprimido. Profundamente deprimido com as conversas sobre redução da maioridade penal. Quanta gente idiota.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Qualificações

Eu não sei porque ele está dando aulas dessa matéria. Ele é baixinho. E o que tem de baixo tem de arrogante. Gosta de humilhar os outros. "Afe, como é possível que nem isso você sabe?" É uma frase típica dele. O pai tem dinheiro. A família tem bastante dinheiro. Que não sei de onde veio, mas não importa. Ele nem precisava aparecer. Mas faz questão de dar tantas aulas quanto possível. É um destruidor de futuros.

Foto #166

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Trabalho

Sabe, eu já pensei em parar com isso. Cansei de ficar arrumando o quarto dos outros. Varrendo o chão. Queria ficar só em casa. Tinha um tempo que eu ia é pedir as contas. Mas meu marido nunca fica em casa. Ele tem o caminhão dele. Tem quinze anos já que ele tem o caminhão dele. E ele ia trabalhar e eu lá, sem fazer nada. Aqui eu sei que todo dia a gente reclama. Não vê a hora de ir pra casa em ficar sem fazer nada. Mas a verdade é que se eu for pra lá e ficar jogada no sofá, vou acabar envelhecendo rápido. Igual meu avô, que envelheceu como que uns trinta anos em poucos meses, quando se aposentou, definhou e morreu.

domingo, 14 de junho de 2015

Madrugada

O ar condicionado faz um barulho estranho. Estranho porque parece ser constante, mas de tempos em tempos parece que ele muda. Eu não consigo dormir. Mas estou exausto. Sou como o barulho do ar condicionado. Pareço estar absolutamente indisposto mas também sou refratário ao descanso. O quarto está quieto. Queria que minha cabeça estivesse assim também.

Foto #165

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Ritmos

"A vida, disse um amigo meu, é como uma senoide. Tem hora que está em um pico, tem hora que tudo vai para baixo e você vai parar em um vale. Mas, pode ter certeza, se está em um vale, virá uma subida e um pico no futuro."
Essa definição matemática talvez explique o fluxo do meu trabalho. Dias de fixação excessiva com o teclado. Mil idéias. Criações. Projetos se desenrolando. Trabalho e iniciativas pessoais. Tudo avança. E dias em que, não importa o tempo livre que eu aloque, não consigo produzir nada. Faz parte. É preciso aprender a respeitar essas oscilações do espírito.

sábado, 13 de junho de 2015

Diagnósticos

Vivemos tempos de destruição dos laços familiares. A vida está fragmentada. As amizades são superficiais. O tempo não existe mais como um desenrolar da vida. Existe apenas um tempo imediato. O passado, mês passadou ou cinco anos atrás, não é um lugar para ser visitado. Você conversa com a psicóloga sobre seus problemas. Você ri com o comediante de stand-up para falar da vida. Você vai a um restaurante vegetariano para aproveitar uma vida saudável e vai à Disney divertir-se com a beleza do mundo. Um denominador comum: tudo é pago, e por trás do pagamento está a obrigação do atendimento. Vida enlatada. A obrigação, seja do trabalho seja do prazer. Na vida cronometrada em boletos, também o cidadão livre subitamente encontra-se atrás do código de barras.

Foto #164

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Mais de Assouline

"toda academia é uma prisão, e de toda prisão é preciso fugir"
Run Forest, run!

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Prazeres da vida

"Nada deixa [Cartier-Bresson] mais secretamente feliz do que fazer um uso deliberado do aristocrático prazer de desagradar."
A biografia do grande fotógrafo, escrita por Pierre Assouline, vai direto ao ponto. O prazer de desagradar. Deveríamos ter mais consciência desses escondidos prazeres da vida.

Foto #163

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Li por aí

"as confidências menos falsas são feitas com mais facilidade a desconhecidos"
Verdade. E aí fico pensando que um dos grandes desafios que tenho pela frente é o de desconhecer-me. O de ignorar-me a ponto de conseguir confessar a mim mesmo coisas que sei estarem escondidas em algum lugar lá no fundo.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

A melhor coisa da vida

-Aquela nossa viagem foi a coisa mais legal que eu já fiz na vida!
E então você se sente especial. Profundamente especial. Injustamente especial.

Foto #162

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Sorriso

Quis tocar...
Não pude sentir
Busco onde ir
Apenas olhar
Viver de visão
Enxergar coração
E ouvir a canção
Saber sonhar
E quando acordar
Conhecer limite
Quebrá-lo
Torcer essência
Fluí-la
Viver ausência
Destruí-la
Criar mundo
Abandonar corpo
Sopro sentir
Vida sonhar
Quando ver e ouvir
E aí encontrá-lo
Calor de tocar
Tocar...
A ordem proibida
A mãe do vazio
Amor
Rebelde por si
O sexto sentido
Toca por si,
Vê por si,
Tudo o que não posso,
Tudo o que cessou
Que sempre por si, amor,
Destrói o erro
Constrói passado
Desenha futuro
Tudo, meu mundo,
De abismos aos picos,
E do breu à luz,
Do seu sorriso se traduz.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Uma foto e uma vida

Eu tinha dezessete anos. Eu era atleta e isso era minha vida. Nunca tinha pensado em outra coisa. Eu colecionava fotos, mas eram fotos de atletismo. Aí um dia veio um pôster, um desses bem grandes. Você desdobra uma vez, duas. E era aquela foto da menina afegã, tirada pelo Steve McCurry. Eu acho que fiquei mais de quinze minutos olhando a foto, sem parar. Eu achei aquilo maravilhoso. Eu olhava cada detalhe. E só conseguia pensar: é isso. É isso o que quero fazer. E então fui estudar fotografia e me tornei fotógrafa.

Foto #161

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terça-feira, 9 de junho de 2015

Morte em dois atos

Primeiro morreu a lanchonete. A lanchonete que tinha os banquinhos antigos ainda, aqueles redondos que ficam sobre tubos de metal, em frente ao balcão. A lanchonete que tinha uma televisão antiga, de tubo de raios catódicos, mostrando vídeos o dia inteiro. Vídeos de aviões. Ficava de frente para o pátio. Pelas janelas largas entreva o sol e saiam olhares apaixonados. Os velhos frequentadores tinham sempre muitas histórias e sorrisos. As paredes eram forradas de quadros colecionados ao longo de décadas. Ilustrações. Frases, brincadeiras, presentes. Tudo isso foi derrubado. Daria lugar a um novo bar. Uma franquia. Móveis modernos. Design oriundo da mente estudada de um arquiteto. Otimização do fluxo de pessoas. Maximização dos lucros e modernas estratégias de marketing. O antigo dono, ao que eu soube, durou pouco mais de um ano. Adoeceu. Desistiu de viver. Rendeu-se ao roubo legalizado de que fora vítima.

Foto #160

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Seja louco


O mundo precisa de pessoas diferentes. Precisa desesperadamente. As praças precisam de artistas que chamem a atenção. As rodas de amigos, nos clubes e bares, precisam de assunto, de pessoas exóticas a quem admirar ou criticar. Os livros precisam de autores loucos, que perturbem a crítica divindindo-a entre apaixonados e odiadores. Não deixe o mundo indiferente a você. A indiferença é a morte.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Perdas


-Não acredito em Deus ou em coisas sobrenaturais em geral...
-Você já perdeu alguém que ama?

Foto #159

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Adeus mundo!

Descobri que não sou necessário. Descobri que posso morrer de repente. Vítima de um crime, de um acidente, ou de um equívoco das batidas do coração. E o mundo seguiria seu curso. O aquecimento global, os trabalhadores voluntários, o preço do pastel. A morte injusta dos pinguins, os xingamentos de trânsito, as denúncias de corrupção. Tudo isso seguiria em frente. E então qual a razão de eu me preocupar em permanecer vivo?

Não me entendam mal. Para a alegria de uns e tristeza de outros, afirmo categoricamente: não estou pensando em suicídio.

Estou, isso sim, pensando na necessidade de viver "como se deve". Assistindo tais e tais programas de TV. Tendo esta e aquela rotina. Sendo a pessoa que devo ser.

Estou, de outro modo, descobrindo a liberdade de existir de outros modos. De um modo que não condiz com as expectativas pouco criativas com que a sociedade nos olha. Casamento. Filhos. Casa própria. Carro na garagem. Terno e gravata nos dias de semana.

Adeus mundo!

domingo, 7 de junho de 2015

Foto #158

Ainda sobre procrastinar

Encontrei uns quinze sites com poesias e prosas sobre a procastinação.

Salvei os links, todas as abas aqui no meu navegador.

Depois eu leio.

Ode à procrastinação

Ó, Procrastinação...
Grande Deusa, poderosa,
Se impõe impiedosa,
Evitando que mediocres idiotas desenvolvam suas estúpidas idéias,
Como, por exemplo,

sábado, 6 de junho de 2015

Foto #157

Lembranças

Aquelas casas com cheiro de barro. Chão de terra batida. Os chinelos ficavam cheios de lama quando eu saía do banho, ainda molhado. Era impossível ser completamente limpo ali. Mas a vida era boa. De algum modo, as coisas eram melhores. Lembro do cheiro do fogão a lenha se espalhando pela casa. Aquele aroma denso e o barulho da lenha estalando em brasa.

Os ares se dividiam em silêncios e lamentos. Risadas e repreensões. Barulhos de botas amassando o chão. Quem deixou o trator no lugar errado? Por que a janta ainda não está pronta? Um boi escapou, vamos lá buscá-lo. Urgências. E eu, criança, achando tudo aquilo uma atração encantadora, sem fazer idéia de que era apenas uma vida sofrida, uma existência privada de outras escolhas.

Lado A e Lado B

Há duas escritas. Há uma escrita para o mundo. E esta, invariavelmente, é uma escrita de fora para dentro. É a escrita que deve inserir algo no interior de alguém que vier a ter contato com as letras. Muitos escritores ignoraram esse fato e publicaram textos que pouco conseguem ensinar e causam mais sofrimento e frustração do que informação.

E há também a escrita de dentro para fora. Que é a escrita-exorcismo. A escrita-auto-psicográfica. A escrita-terapia. A escrita-exploração-de-si. Esta não precisa ser inteligível. Não precisa voltar jamais a ser lida, nem mesmo pelo autor. Sua função é a de estruturar e acalmar pensamentos. Dar voz e estruturas a coisas perdidas lá dentro. Muitos filósofos e sociólogos publicaram textos escritos dessa forma, por não entender esta distinção.

E não é uma diferença óbvia. Não se trata da diferença entre um diário e uma matéria de jornal. Trata-se uma diferença no modo de escrever. Um texto aparentemente jornalístico pode pertencer à segunda categoria, ao passo que uma escrita em diário, devidamente bem estruturada, pode pertencer à primeira. A diferenciação está no modo de escrever. No modo de conceber, ou não, um leitor do outro lado. E sentir empatia por este leitor, ainda que ele seja no momento um completo desconhecido.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Foto #156

Parará-Tim-Bum!

E então você vai à Paulista em um domingo. Está esperando o semáforo se abrir quando nota que, na faixa de pedestres à frente, está atravessando a rua ninguém menos que a Branca de Neve, acompanhada, claro, pelos sete anões. Sem pensar, você saca o celular e prepara-se para uma foto. Percebe, então, que o policial da viatura ao lado faz o mesmo. Não resiste e aproveita as janelas abertas para um comentário:
-Tem que aproveitar... não é todo dia, não é?
Eles apenas riem. Ambos.
A polícia podia ser sempre assim.

Os outros

Li em um livro sobre redação: dispare o cronômetro e comece a escrever. Ao fim de dez minutos, pare de escrever e publique o que tiver escrito em seu blog.

Que loucura, que loucura! Faço com freqüência a prática da escrita livre. Mas as coisas que pensamos livremente... essas são difíceis de contar a quem quer que seja!

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Foto #155

Fotografia

Luz. Sensibilidade. ISO. Abertura. Diafragma. Profundidade focal. Enquadramento. Regra dos terços. Fotometria. Balanço de branco. Temperatura de cor. Henri Cartier-Bresson.

Propriedades

Quem é dono da imagem? Você está andando pela rua. Aponta a máquina fotográfica. Um segundo. E leva um desconhecido para casa.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Arqueologia da ficção

Stephen King, goste você dele ou não, defende uma imagem bem interessante para a criação de histórias em seu livro "Sobre a Escrita", que é exatamente sobre isso aí que você leu. Ele defende que a criação de história é uma espécie de arqueologia telepática. A história, de certa forma, já está pronta em algum lugar, e o trabalho do escritor é desenterrar essa história, com cuidado, limpando delicadamente o véu de areia e poeira que a esconde do mundo. O interessante dessa imagem é a separação aparente entre escritor e criador. Uma vez que se tenha partido da idéia inicial, parecem existir trilhos levando a história para o próximo evento. Isso não é, estritamente falando, verdade. Mas, em termos de postura psicológica, de estado mental em que o escritor deve imergir durante o processo de parto da história, é uma imagem verdadeiramente bela.

Medo de amar

Há pessoas que abraçam. Que ligam. Que dizem que têm saudade. Que aparecem para visita. Eu gostaria de fazer isso, mais vezes, com mais pessoas. Mas tenho medo. Tenho medo e não sei bem dizer do quê. Talez deva ir a algum psicólogo. Mas e se eu não tiver nada de interessante pra contar pra ele também?

Foto #154

Desafio do dia

Fale só coisas boas. Fale bem de você. Sei que você é muito bom em pensar coisas ruins de si mesmo. Mas lanço este desafio. Faça uma lista de coisas boas a seu respeito. Só coisas boas. Depois vá até o banheiro e leia a lista em voz alta, diante do espelho.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Desculpa muito

Fiz uma compra lá nos china. Os china da Av. Paulista. Comprei um eletrônico, mas precisava de um conector USB para que a geringonça conversasse com o computador devidamente. E esqueci a pequena chavinha lá na lojinha do china. Ao voltar para buscar o item, ele se mostrou constrangido por esquecer de verificar o produto: desculpa muito, desculpa muito!
Desculpo seu china, desculpo. Mas puxei assunto. Queria saber coisas.
-Há quanto tempo está no Brasil?
-Oito anos.
-E como foi no começo? Como você pensava que era aqui?
-Primeiro falaram muito perigoso. Brasil muito perigoso. Roubo, muito roubo. E primeiro não ficou aqui. Primeiro lá vinte e cinco, sabe? Lá mais bagunça. E dia que chega Brasil, pára na rua, e vem moto do lado. Mas eu não sabia. Tinha moto e motor fazia bum! bum! bum! Eu pensava era tiro. Muito medo.
Poxa seu china... Desculpa... desculpa muito!

Foto #153

Aprender a olhar

Gosto da fotografia porque ela é um desafio. Um desafio a achar mais coisas bonitas. Você está em um lugar feio, mas tem a máquina fotográfica nas mãos. E se pergunta: como posso encontrar uma imagem bela aqui?
Depois, com a prática, vai se acostumando, até por fim se habituar a buscar coisas belas ao redor mesmo sem ter a máquina fotográfica nas mãos.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

A crítica literária

Stephen King, no livro "Sobre a Escrita", conta sobre sua infância e sobre a crítica literária:

"Eula-Beulah era dada a peidos - daqueles barulhentos e fedidos. Às vezes, quando estava atacada, ela me jogava no sofá, coava a bunda coberta por uma saia de lã na minha cara e mandava ver.
-Pou! -Gritava ela, se divertindo.
Era como ser soterrado por fogos de artifício de metano. Eu me lembro da escuridão, da sensação de estar sufocando, e me lembro de gargalhar. Porque, embora aquilo fosse, de certa forma, horrível, também era, de alguma forma, engraçado. De várias maneiras, Eula-Beulah estava me preparando para a crítica literária."

Foto #152

Dos desprezos

Há dois tipos de desprezos. Um decorre do excesso de empatia e outro de sua falta.
Quando se despreza um tirano distante, tem-se um excesso de empatia por aqueles que sofrem sob suas garras.
E quando se despreza a experiência alheia, por puro descompasso com a estética própria, tem-se uma ausência de empatia para com a alegria do outro.