domingo, 2 de agosto de 2020

Das motivações positivas e negativas

A Física ensina que o movimento pode ser produzido através de tração ou propulsão. Um objeto pode ser posto em movimento sendo empurrado ou puxado. Na mecânica básica, onde despreza-se a dimensão dos corpos, ambos processos são equivalentes. No mundo real, tridimensional, a tração apresenta a vantagem da estabilidade: empurrar um objeto pode levar a instabilidades dependendo dos arranjos do centro de massa e das forças de resistência. Projetistas de navios e foguetes lidam o tempo todo com este problema, mas mesmo situações mundanas como carregar um carrinho em um supermercado são capazes de demonstrar esse fenômeno. (Você coloca as compras mais pesadas na parte de trás ou da frente do carrinho?) A motivação das pessoas também é multifacetada. Podemos empreender uma mesma ação, do ponto de vista externo, porém movidos por diferentes forças internas. Podemos fugir ou podemos buscar. Podemos agir por medo ou por paixão. Dado que o medo é um limite inferior que acontece naturalmente em diversas situações - no limite não há como fugir da morte e sua possibilidade sempre aumenta quando nos damos à inação completa, a sociedade até aqui vem se estruturando com base no gerenciamento do medo. A Economia moderna tem uma visão tão pobre e rasa da alma humana que não aprecia devidamente essa diferença. É freqüente, por exemplo, a narrativa de que um dos lados positivos da desigualdade é a motivação para a atividade econômica, pois pessoas mais pobres observam a vida que é possível nas camadas mais ricas e se motivam à ação. Essa interpretação pode parecer verdadeira ao se observar dados de produtividade e desigualdade em alguns países, mas essa leitura ignora por completo a natureza da alma, a experiência subjetiva de quem está a trabalhar. Uma vez que se considere também este aspecto, torna-se óbvio que um dos grandes fatores de motivação hoje não é a paixão por progredir mas sim o medo de retroceder. Até o presente momento de nossa civilização as estruturas construídas em torno do medo são responsáveis pela massificação, porém são as ocorrências em que as pessoas podem dar-se ao luxo de mover-se pela paixão que respondem pela verdadeira criação. Fábricas asiáticas que exploram trabalho barato produzem milhões de celulares todos os anos, mas foram cientistas movidos pela paixão da investigação que criaram a ciência e a técnica capaz de possibilitar tal maravilha. Esse aspecto da realidade humana está hoje completamente fora das análises econômicas. É um estudo que nem sequer começou. Se, no futuro, aceitarmos o desafio de entender como estruturar mais e mais setores da sociedade sobre alicerces de paixão e não de medo, abriremos espaço para a multiplicação de gênios - espíritos humanos que hoje silenciam sob vidas estruturadas no medo. A transição contudo esbarra em uma enorme barreira ideológica - uma transição de fase com altíssima energia de ativação. Hoje qualquer pessoa que busque estruturar suas condições de vida para possibilitar um movimento para a busca da paixão, minimizando o impacto das propulsões por medo, é vista como irresponsável ou como alguém marchando em busca de algo sem sentido. Quem quer se dedicar à música, à pintura, à escrita, ou basicamente a qualquer outra paixão que seja, vai ouvir inúmeras críticas ou dúvidas que são, pura e simplesmente, ecos do medo tentando recapturar sua presa perdida. “Vai viver disso?” “Mas e o seu futuro?” “E a estabilidade?” “E se não der certo?”

sábado, 1 de agosto de 2020

Por que estranha lógica haveria de suceder este impossível de ser um ser humano político algo superior e distinto em suas virtudes e em seu coração aos demais humanos? A irracionalidade maior das pessoas é essa confiança no poder dos títulos e posições como se suplantassem em seus desígnios aquelas marcas realmente pessoais que se abismam em cada um de nós. Mentira, engano. As instituições são tão somente a máscara padronizada, a certeza da mentira correta, a cortina pronta atrás da qual adormecemos nossos erros numa serena espera por desfrutá-los impunes.