terça-feira, 31 de março de 2015

Só hoje

Ele saiu de férias. Já tem vinte e tantos dias. Hoje, só hoje, a secretária percebeu que ele não está na sala. Quanto aos chefes, esses acho que ne vão se dar conta. Essa nossa existência está errada. Fundamentalmente errada.

Quinta

Já tem um ano e meio. E toda semana, no whatsapp, acontece algo com alguém. Era uma turma grande, quase cinquenta pessoas. Um conseguiu o certificado. Parabéns! Vamos pro bar? Vamos! E ninguém vai. Outro conseguiu mudar de emprego. Ae! Viva! Maravilha! Vamos marcar um bar? Vamos! Quinta! Quinta não vai dar, tenho um casamento. Meu filho nasceu. Minha vó morreu. Estou na Tailândia numa conferência. Quem sabe na outra quinta, né?

Foto #090


segunda-feira, 30 de março de 2015

Foto #089


Comigo sozinha

Sinto saudade
Saudade de mim
Vontade de ficar sozinha
Sem te deixar ir embora!
Fica sozinho comigo
Fica comigo sozinha
Fica sozinho comigo
Fica comigo sozinha
Gosto de companhia
Mas sinto falta de mim
Gosto de TV a dois
Mas livro é coisa de um só
Só eu e você
Fica sozinho comigo
Fica comigo sozinha
Fica sozinho comigo
Fica comigo sozinha
Gosto de falar bobagem
Mas absurdos sussurro
Pra ninguém ouvir
Chega mais!
Fica sozinho comigo
Fica comigo sozinha

A decisão é sua

-Imagine que você tem a certeza de que o mundo não suporta a humanidade, e que vai haver um colapso do ecossistema, do clima, de suprimentos, e a humanidade vai se dizimar em guerras-civis fazendo o pior do holocausto da segunda guerra parecer um desenho dos ursinhos carinhosos. Imagine que você sabe disso com cem por cento de certeza. E imagine também que você tem o poder de evitar isso, porém essa decisão vai acarretar na eliminação prévia de 75% da humanidade. Você sabe perfeitamente quais pessoas devem ser mortas e quais devem viver. Não importa como você sabe disso; é um pressuposto desse problema que essa certeza existe e não é isso que está em questão. E aí? O que você faz? Dizima bilhões de pessoas para salvar o mundo e tudo o mais, ou deixa a história seguir seu curso e o maior caos já visto no planeta se desenrolar?
-Nesse caso, eu jogaria uma moeda.
-Eu sabia! Deixou a decisão ir para o emocional em detrimento do racional.
-De modo algum!
-Claro que sim! Mesmo sabendo com uma certeza racional, que era hipótese do problema, qual era a escolha boa e a ruim, escolheu jogar uma moeda para não ficar com o ônus da culpa em nenhum dos casos.
-Não é isso! Quem disse que uma das decisões é boa e a outra é ruim? Por isso deixei ao acaso! Ainda que eu tenha, neste cenário, plena certeza quanto ao desenrolar dos dois cenários, não sei o que me garantiria que um dos quadros é bom e que o outro é ruim. Matar 75% da humanidade pode ser bom por salvar o ecossistema e a estrutura social e intelectual da nossa civilização atual. Mas pode ser ruim pelas mortes em si, ou mesmo pelas mesmas razões. Se foi nossa civilização e cultura e tecnologia que deixou tudo chegar ao estágio atual, matar 75% da população para salvar esta estrutura pode significar, apenas, perpetuar o problema. A população voltaria a crescer e os recursos naturais continuariam a ser consumidos e a biodiversidade continuaria sofrendo de nossa voracidade cruel. Já no cenário de deixar a história seguir seu curso e ver a civilização entrar em colapso, a humanidade iria se consumir a si própria em guerras e fome e tragédias. O que talvez arruine toda nossa cultura e possibilite o surgimento, dentre os sobreviventes, de uma cultura mais respeitosa com a escassez, com a natureza. Algo como o Japão, que vive passando por tragédias e tem uma relação mais humana de uns com os outros (ainda que não com os oceanos, porque isso eles sempre tiveram de sobra e então ainda hoje não ligam em matar baleias). Também pode ser algo horrível, bilhões de mortes trágicas e sofridas sem nenhum efeito colateral benéfico para o futuro. O ponto é que, mesmo com as certezas que você deu, essa distinção de valores entre uma escolha e outra não é óbvia e não tenho palpites quanto para um lado ou outro. E, por isso, jogaria a moeda.

domingo, 29 de março de 2015

Grilhões

Qual a fronteira entre responsabilidade e escravidão? Conheci a Cássia e tive o prazer de longas conversas com ela, ainda que poucas vezes. Uma pessoa que vive em um outro mundo. Completa em breve vinte e cinco anos. Já dirige uma das indústrias do pai. "Ele é assim. Joga as coisas na nossa mão e diz 'se vira!'. Fiz muita besteira no começo, mas aprendi muito também. Perdi algum dinheiro, mas rapidinho a gente aprende a se virar." Pergunto sobre férias. "Ah, agora isso não existe. Chego a fazer algumas viagens, mas não dá para ficar mais de quatro ou cinco dias longe. E já teve algumas vezes em que planejei viagens e de última hora tive que adiar. Perdi um bom dinheiro remarcando passagens e hotéis de última hora, mas fazer o que? Acontecem coisas. Problemas com um fornecedor. Um funcionário que se machuca. Uma máquina que dá um problema imprevisto." Escuto essas histórias com um maravilhamento ambíguo. Qual a fronteira entre responsabilidade e escravidão? Será que no futuro ela terá condições de delegar essa responsabilidade a outras pessoas e usufruir mais do pequeno império que possui?

Foto #088


Tramas

Teorias da conspiração. Cada vez gosto mais delas. São irresistíveis. Nos reduzem imediatamente ao papel de vítima. Deixamos de ser culpados também. Comemos alimentos adulterados. Somos vítimas de aviões que pulverizam o céu para alterar nossa biosfera. Os EUA derrubaram o WTC de propósito para dominar o país pelo terror e liberar orçamentos bilionários na máquina de guerra, que andava em crise num período de paz crescente. Estão sucateando o Brasil na verdade por conta de influências externas, com vistas a dominarem nossa reserva de petróleo no pré-sal. O plano, maquiavélico e macabro, tem seu cronograma devidamente planejado. Deixarão que a Petrobrás faça a parte difícil de desenvolver toda a infra-estrutura e depois darão um xeque-mate. O petróleo era nosso, mas isso na época em que não tínhamos tanto petróleo assim. E a água em São Paulo? É algum golpe também. Talvez para expulsarmos os pobres da cidade. Talvez um golpe imobiliário... Quando os preços despencarem no meio do êxodo urbano haverá uma grande troca de escrituras com pouca troca de dinheiro. E aí quando o nível dos reservatórios subir, o nível dos preços subirá mais ainda. Teorias da conspiração. O governo se reúne de tempos em tempos para discutir como manter a população ignorante. E, por trás disso tudo, maçons. Certeza que tem influência dos maçons. Sempre tem. E da Rosacruz, a Mão Negra, Sociedade Teosófica e, claro, os Illuminati. E eu aqui, que ainda não consigo levar adiante uma conspiraçãozinha no Banco Imobiliário.

sábado, 28 de março de 2015

The End

Estuprou uma mulher. Ela anotou a placa do carro. A polícia foi atrás do veículo reportado. Quando o encontrou, o criminoso fugiu e tomou a contra-mão em uma rodovia Castelo Branco. Quatro horas de estrada bloqueada. Estuprou uma à noite e fodeu com a vida de milhares pela manhã. Mas morreu. De frente com um caminhão. O caminhoneiro sobreviveu ao acidente. Antes fosse assim o final de todos os crimes desta cidade maluca.

Foto #087


Sonhos

As represas esvaziando. E aí quando cai uma chuva sobre a metrópole não sobra tempo para comemorações. Carros se amontoam entre postes, árvores e paredes, carregados pela correnteza súbita. Árvores despencam. Trens e metrôs param. Pessoas morrem afogadas. Fios elétricos despencam e salteiam ricocheteando no chão como serpentes ferozes em busca de vítimas. Um caos. Não sobra espaço para as devidas comemorações. A chuva é uma maravilha bem vinda. E a cidade ser assim tão passível de efeitos negativos por parte da água apenas demonstra nossa total indiferença à água. Vivemos, construímos nossas cidades, cuidamos de nossas ruas, efetivamente como se a chuva não fosse vir nunca. Nossa coletividade é profundamente irracional, por mais que gostemos de pensar o contrário.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Indiferença

Um administrador de empresas. Pacaembú, zona oeste de São Paulo. José Paulo Machado, quarenta e sete anos. Choveu na cidade de São Paulo no dia vinte e cinco de fevereiro de dois mil e quinze. Um fio elétrico caiu. O que poderia ser mais desprovido de significado, na vida de alguém? Mas o fio caiu sobre seu carro. Treze mil volts subitamente cruzando o corpo do homem. O noticiário diz apenas: "a chuva fez uma vítima ontem". Ele tinha família? E os amigos dele? Ele era uma boa pessoa? Tinha irmãos? Filhos? Seus pais são vivos ainda? Nada disso importa ao noticiário. Nada disso mudou a queda do fio. A morte, e custamos a admitir isso, não é apenas o fim da vida. É uma brutal constatação da indiferença à vida.

Foto #086


Até já

Quando eu publicar meu primeiro livro, e ele for um sucesso, vai começar o assédio. Vão querer fazer entrevistas. Eventualmente vou viajar para eventos. Dar palestras. E essas coisas todas vão me distrair do foco principal, que é escrever mais e mais. Daí que parece que o único jeito para eu me tornar um escritor bem sucedido, com muitas obras na biografia, é não ser assim um escritor tão bem sucedido. Fico brincando com esses pensamentos idiotas e penso que não são tão idiotas assim. Afinal, não é raro vermos que muitos dos grandes filósofos, pintores, cientistas e afins, ficam famosos apenas no final da vida ou postumamente. Normalmente pensamos que a humanidade é meio lerda. Demora a descobrir e reconhecer suas mentes mais brilhantes. Mas talvez haja um outro fenômeno aí. Gênios descobertos precocemente tendem a ter sua genialidade tolhida pelo excesso de exposição e expectativa. Acho que vou, deliberadamente, continuar à paisana, escondido aqui. Nos falamos daqui a uns sessenta anos.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Espaços

Quantos anos se passaram! A gente ficava junto no intervalo entre as aulas. Todos conversando, rindo. Todos ali eram alunos das mesmas matérias. Mais ou menos as mesmas idades. Estavam todos no mesmo barco. De repente a vida seguiu. Um agora tem um apartamento em Fortaleza. Uma outra foi morar em Londres. Trabalhou alguns anos em empresas por lá, casou com um inglês e hoje tem uma empresa por lá. E eu? O que eu fiz nesse tempo todo? Parece que todo mundo cresceu em duas áreas bem peculiares: família e dinheiro. Eu confesso que meio que ignorei essas coisas. Sei que coloquei outras coisas no lugar. Mas, intangíveis que foram, vez ou outras me flagro com essa pergunta: o que foi, exatamente?

Foto #085


Bola sete

Esse jogo, menino, esse jogo é prática. Mas tudo é prática, sabe? Andar de moto é prática. Baralho é prática. Namorar é prática, falar é prática também. Tem que dar uma tacada, ver que a bola foi no lugar errado. Tacar de novo. Ver quando ela perde a caçapa por todo. Tem que ir aprendendo. Mas a vida é assim também, né? Entrevista de emprego. Tem que praticar. Erra aqui, erra ali. Uma hora certa. Igual dar desculpa pra mulher. No começo, a gente fala e elas ficam puta da vida. Mas com o tempo a gente vai aprendendo a dar a desculpa certa. E é igual jogo também, tem horas que tem que saber perder, né?

quarta-feira, 25 de março de 2015

Pedaço de chão

Brigas de família. Uns brigam pelas ações da empresa que agora atua em todos os continentes. Outros brigam pelas terras, os milhares e milhares de hectares que vão ser divididos entre tantos. Outros brigam, como lá em casa, porque trouxeram menos esfihas de carne do que haviam pedido todos. Na próxima, cada um que faça seu pedido. Ou vou querer mais terras quando chegar o dia da partilha!

Foto #084


Nossa, olha só aquela nuvem!

Desconversar. Desconversar é uma arte. Te perguntam sobre um determinado assunto. Ou você menciona algo de passagem e percebe que a outra pessoa não faz a menor idéia do que você está falando. Será que você deveria mesmo estar falando aquilo? E então um silêncio desastrado. Deixa cair algo. Ou aponta para a janela e grita "ai minha nossa!", ou qualquer coisa assim. O importante é desconversar. Meu amigo está namorando, e fiz amizade com a namorada dele. Agora não sei mais do que ele sabe e do que ele não sabe. Ele sabe que ela já namorou alguém a distância? Ela se importaria se eu contasse? No trabalho, de repente, faço amizade com o pessoal do outro setor. Comento do projeto 312 que se refere a ampliação das vendas também para o Mato Grosso do Sul, estado ainda não atendido pela empresa. Mas percebo que ninguém ali sabe do que se trata. Hora de elogiar o café. Tropeçar no pé da cadeira. Dar um tapa na bunda de alguém e perguntar se andam malhando. Qualquer coisa. Qualquer coisa.

terça-feira, 24 de março de 2015

Depoimentos

Eu matei. Foi há muitos anos. Posso culpar as drogas. Eu era o mais velho ali. Posso culpar a idade também, eu era mais novo. Mas ainda assim, dentre os três, ali eu era o mais velho. Eu desferi pauladas na cabeça deles. O tempo passou. Minha vida continua. Preciso olhar pra frente. Mas esse passado vai me perseguir pra sempre. Eu não sei explicar. Não acho que alguém em sã consciência faria o que eu fiz. Mas eu fiz. Aconteceu. Foi a agitação daquela nossa relação. O plano surgiu, uma idéia, e ganhou vida própria. A gente falava nos detalhes, imaginava, e de repente lá estava a gente pondo tudo em prática. Como uma idéia idiota qualquer. Uns pensam em queimar uma lixeira. Outros aceitam um desafio de racha e de repente estão fazendo merda no trânsito. Ou alguém resolve dançar em cima da mesa numa festa e apronta a maior tragédia. Pode ser. No meu caso, essa vibe toda, essa idéia maluca, foi uma tragédia. Aconteceu assim com a gente. Vai me perseguir pra sempre.

Foto #083


Coisas melhores pra fazer

Coisas que gostamos de pensar como absolutos, absolutos etéreos mas com algo de material: nossa ética, nossos princípios, nossos valores. Essas coisas são dependentes de um excedente que, na verdade, não é garantido: segurança. Sei que esse discurso está algo "jogos mortais". Mas é por aí mesmo. Rousseau, vale ressaltar, não assistia esses filmes escatológicos. Mas bem poderia ter modificado alguns de seus textos. Hobbes não precisaria de tantas adaptações. Se bem que, não posso deixar de pensar, seus livros seriam mais curtos caso fossem escritos hoje. Entre filmes tão bizarros e seus textos longos, longos, longos... a que você acha que ele se dedicaria?

Distâncias

Ano passado foi tudo muito radical. Viajei para um local longe, mas tão longe, tão longe, tão isolado, que não tinha nem internet. Ultimamente prefiro ir, no máximo, até o Japão.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Eu pensaria num título melhor

Eu falaria mais com você. Eu passaria mais tempo com você.
Mas eu também passaria mais tempo viajando.
Também passaria mais tempo com minha mãe.
Também passaria mais tempo com minha filha.
Também passaria mais tempo estudando.
Também passaria mais tempo andando pela Paulista.
Também passaria mais tempo vendo filmes.
Também passaria mais tempo jogando.
Também passaria mais tempo com meus amigos.
Também passaria mais tempo trabalhando.
Também passaria mais tempo lendo livros.
Também passaria mais tempo sozinho, meditando.
Também passaria mais tempo explicando tudo isso.

Foto #082


Termodinâmica da iniciativa

Quando eu escrever um tratado filosófico desses alicerçados em grandes princípios, certamente vou discorrer sobre a grande assimetria entre força disponível e uso dela. Ainda não estou seguro quanto aos termos. Poder e ação. Capacidade e deliberação. Sejam os termos que forem: a ação tende a ser naturalmente menor que o potencial para a grande maioria dos seres. Para uns poucos deles, a ação é desproporcionalmente maior do que a força potencial. Penso aqui num vaqueiro tocando a boiada. Dois, três vaqueiros no máximo. E cento e cinquenta bois vão obedecendo, deixando seus caminhos serem ditados. Quem é mais forte? Um boi sozinho já é muito mais robusto do que o cavalo em que está o boiadeiro. O boiadeiro então, coitado, é o mais fraco de toda a história. Essa assimetria de poder e ação gera o que chamamos de submissão, muito embora o conceito de submissão deva de algum modo tratar também de vontades e desejos. E, que fique claro, não estou aqui preocupado apenas com boiadas e vaqueiros. Penso em última análise em nossa sociedade. Cheia de boiadas obedientes e de uns quatro ou cinco exibidos barulhando em seus berrantes.

domingo, 22 de março de 2015

Formigas

Temos algo em comum com as células. Com os formigueiros. Com as galáxias. Um empresário não está preocupado com os rumos do capitalismo. Com a hegemonia do ocidente. Com a balança comercial. Mas são essas as coisas que ele está afetando. São esses os corpos dos quais ele é parte integrante e fundamental. Não nos percebemos assim. Não temos essa consciência. Será que as formigas sabem, afinal, que constroem um grande formigueiro? Ou elas apenas têm esse repentino impulso de colocar esse grão de terra ali em cima, junto com aquele outro, e ficam contente quando conseguem? Será que um planeta sabe que constitui um sistema solar? Será que o sistema solar sabe que é parte da galáxia? É muito louco isso tudo. Meus pensamentos... fundamentalmente, neorônios trocando impulsos elétricos. Porque é isso que eles fazem. É isso que eles gostam de fazer. Meus pensamentos, meus amores, meus sonhos e minhas memórias: trilhões de impulsos trocados entre neurônios. Mas nenhum deles sabe no que diabos está pensando.

Foto #081


Sopro

Quanto vale sua vida?
Eles estavam fazendo uma ultrapassagem. Riam e comentavam como aquele carrão tinha mais arranque que o anterior. Mas um pedestre atravessou na frente do caminhão. Tentaram desviar e voaram para a outra pista, de frente com uma van.
Quanto vale seu tempo?
Ele estava com pressa. A mãe falava coisas na cozinha. Ele a deixou falando sozinha. Ainda tinha que passar no banco. Na faculdade. Buscar uma cópia autenticada dos documentos no cartório. Estava no elevador, pensando na chatice de sua mãe, quando sentiu a fisgada no peito. Em seus últimos segundos, ainda antes de a porta de se abrir, pensava apenas nessa palavra: "mãe! mãe!".

sábado, 21 de março de 2015

Inocente

Li "O Inocente", romance policial de Harlan Coben. Não é meu gênero favorito e não conheço nada do autor. Mas devorei o livro em dois dias e fiquei pensando no valor desse tipo de literatura. Se ficamos assim presos à uma história, não pode ser algo tão desprezível, não é mesmo? Não contém uma grande revelação sobre os meandros da alma. Não contém um vocabulário capaz de revolucionar a língua como nunca aconteceu depois de Shakespeare. Mas contem uma narrativa envolvente, em alguns momentos previsível, em outros nem tanto. Em alguns momentos há um quê de "forçado demais", mas creio que isso faça parte do processo criativo. Permitir que pequenos absurdos tornem-se viáveis na história. Há um quê de novela mexicana, mas não estou aqui para criar spoilers. Meu próximo passo é ler alguma coisa de Paulo Coelho. Algo mais recente, porque o último livro que li dele foi "O diário de um mago". Que, aliás, foi o primeiro também.

Foto #080


Manias

E essa minha mania de querer ser todo mundo? Desespero de ouvir as histórias por dentro. Desde as origens. Desde as origens ventrais, viscerais? Deve ser a extrapolação dessa minha criação como alguém que sempre esteve de fora. Nunca fui o centro das atenções. O centro da roda. O cara popular. O destaque no time de futebol. O indicado para ser o representante de sala. O primeiro convidado para uma festa. O primeiro a saber de uma fofoca. Talvez seja isso. Hoje, que tenho um acesso diferente às pessoas, não me contento com pouca proximidade. Quero tirar a mesa do meio e encostar-me. Quero passar para o outro lado. Quero enxergar o mundo com os outros olhos. Saber dos medos. Dos sonhos. Dos prazeres. Dos receios. Das risadas. Das memórias. Das besteiras. Dos traumas. Das dúvidas. Das conquistas. Não descanso enquanto não conseguir.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Foto #079


Tem horas que não sei...

É injusto ele ficar assim tanto tempo longe! Eu sou a namorada dele! E daí que mandaram ele pra puta que o paril pra fazer aqueles trabalhos todos? Num dava pra arranjar um trabaho aqui, não? E se fosse um trabalho na Austrália? No Kwait? No Nepal? Ele vai? Ficar um mês? Um ano? Um século? Sou a namorada dele ou não sou? Só queria que ele me colocasse um pouco nos planos dele. Sentir que ele se importa em ficar um pouco aqui perto. Mas parece que ele não se importa, e isso me machuca. Eu queria ele por perto. Gosto de cuidar dele. Gosto de protegê-lo e gosto quando ele faz eu me sentir protegida. Mas tem horas que não sei se queremos as mesmas coisas...

Como é que pode?

Como é que pode? A coruja ficar ali, em pé, o dia inteiro no sol, e não morrer torrada? Como é que pode o cachorro que fica em casa, no sofá, preso, quieto, sair correndo daquele jeito, e aguentar o pique? Eu, sedentário que sou, se tentar uma corrida aqui até a esquina já tenho que voltar de maca, tanque de oxigênio, desfibrilador e tudo. Como é que pode o boi viver aquela vida mansa, pastando, de baixo de sol forte? Aliás, como é que pode o boi aguentar a dor da perda de um amigo? Li outro dia... Bois e vacas são animais sociais. Têm, no meio do rebanho, um melhor amigo. Quando este melhor amigo some, ficam em depressão. Curioso é que tiveram que fazer um estudo pra isso. Porque não é óbvio quando a gente passa na estrada olhando. Como é que pode, nós, humanos que somos, passarmos na estrada diante de tantos outros humanos e não reconhecermos suas alegrias ou depressões? E nem sequer nos damos ao trabalho de fazer nossos estudos...

quinta-feira, 19 de março de 2015

Foto #078


A véia

Rapáiz... Óia, vô falá uma coisa procê. Que eu num acreditava, num creditava não! Num tinha conversa de entortá minhas idéia. Mas inté que acabei indo eu também lá, foi, foi causa de que levei um outro amigo, sabe? Entrei lá e num é que aquela véia já jogô logo umas coisa na minha cara? Falou anssim:
-Ocê trata logo di si livrá desse caminhão aí que ocê arranjô, que isso só te dá problema!
Menino... eu num tinha falado di caminhão nenhum! Fui lá meu amigo mais eu no carro dele! Cumé que ela sabia do tal do caminhão? E já foi falando logo pra eu indireitá tudo na vida, sabe? Pois dito e feito, vendi o caminhão, que fazia mais dívida que dinheiro. Mas foi que também parei de fazê tanta festa, sabe? Era muita festa, forró do bom mesmo, tava aprendendo inté dançá quiném esses do palco, aqueles da tevê lá do concurso. E lhe digo pra você... Acreditar, eu não acreditava em nada não. Mas que di algum jeito o santo que baixou nela sabia das coisa, ah sabia!

Encaixes

Namorei a distância. Por três anos. Conheci meu namorado em uma viagem para a Austrália. A gente se deu bem, só que quando voltou, era ele numa cidade e eu em outra. A gente se via a cada quinze dias. As pessoas me falam que o namoro acabou pela distância. Eu não acho. O que aconteceu com a gente, sim, foi em parte o amor, mas foi algo mais maduro que isso. Decisões de vida. Ele queria trabalhar em uma empresa em São Paulo, no ramo de Administração, que ele estava estudando. E eu iria para o norte do país, cuidar de uma das fazendas da minha família. Ele poderia vir junto. Ou eu poderia abandonar as fazendas e buscar uma vida na cidade, algo que eu já havia decidido abandonar desde que decidi não seguir a carreira de advogada (mesmo tendo passado na OAB). No fundo, eu não acharia justo ele abdicar dos sonhos dele para viver comigo, e eu também não estava disposta a fazer algo de que gosto, a levar um certo tipo de vida, para tentar ver onde nossa vida a dois iria parar. Existem pessoas que se encontram com objetivos de vida complementares. Outras até que trabalham na mesma coisa, buscam o mesmo ideal. Acho que no final das contas essas coisas são mais fortes que o amor romântico em si, do que aquele sentimento com que toda menininha nova sonha ao ver um filme da Disney. Até onde podemos ser parceiros um do outro? Até onde estamos dispostos a seguir outra pessoa ou a suportar a distância? Namorar se vendo de quinze em quinze dias foi algo que funcionou muito bem. Nosso problema foi a distância enquanto para a maioria dos casais o problema é a proximidade. Dois lados da mesma moeda. A dificuldade de encaixar vidas, um encaixe que acaba sendo muito mais difícil do que o encaixe de corpos (que é a preocupação imediata de muita gente).

quarta-feira, 18 de março de 2015

Foto #077


Raimundo

Somos cinco irmãs e quatro irmãos. As moça ia casando tudo e se alonjando já cedo. E os homi iam ficando, ficando. Eu é que fui de inventá de ir pra longe, sabe? Fui pra São Paulo. Não na capital, capital, mas lá no São Bernardo. Que já é tudo lá na metrópole como eles diz né. Rapaz, não me adaptei não. Essa coisa de acordar cinco e meia, ônibus pra ir, ônibus pra voltar, tudo lotado, todo mundo cansado... Sabe, isso não é vida não. Não era pra mim, que eu não nasci ali naquele formigueiro de gente não. Tô acostumado a andar por aí eu mais eu, sem aquele mundaréu de gente que junta todo mundo e não anda ninguém. Aí fui subindo, uma cidade aqui, outra ali, até que me enamorei, casei, e aí passei a procurar trabalhos aqui na região mesmo, pra não tirar minha muié daqui igual as da minha família que ia tudo fugindo pra longe.

Assim existo

Eu escrevo para poder me ver de longe. Para olhar meus pensamentos de outro ângulo. Para resistir ao tempo. Escrevo para não me diluir em minhas próprias distrações. Porque gosto. Porque preciso. Porque é assim que existo.

terça-feira, 17 de março de 2015

Meu avô

Foi meu avô que saiu da cidade dele primeiro. Comprô uma fazenda onde não tinha nada. Ele que derrubou a terra lá. Não tinha desses tratores. Não tinha essas máquinas todas pra jogar a semente. Era tudo no braço. E braço quem tem é gente. Chegava caminhão com as sacas de semente, e lá ia a peãozada toda carregar tudo na cabeça. Hoje tem empilhadeira. As coisas vêm nessas caixas grandes. Uma tonelada. Duas. Cinco. A empilhadeira dá conta. Duas pessoas. Uma dirigindo ela e outra monitorando se tá tudo bem travado, bem encaixado. Não foi fácil não. Mudar de uma época pra outra. Meu vô derrubou muita árvore pra plantar tudo que plantou. Pra dar espaço pra esse gado todo andar. E aí a gente vai pra cidade e vê o povo falando de desmatamento. Desmatamento é só se for pra roubar madeira, sabe? O que meu vô fez não foi desmatamento não. Sem essas fazendas, o povo ia comer o quê?

Nasci nos anos quarenta

"Nasci nos anos quarenta. Fui criada aprendendo que todas minhas escolhas já haviam sido decididas por outras pessoas, e que era polido e correto concordar de modo cortez. Depois chegou em minha pequena cidade o movimento feminista. Propunham esse outro modo de ver um mundo. Eu tinha uma individualidade e era possível exprimí-la. Era inclusive correto e desejável exprimí-la. Fui fazer teatro e por décadas tive que lidar com esse sentimento de culpa ambivalente. Quando eu me comportava de modo mais manso pensava "É assim que uma pessoa normal se comporta, estou apenas mostrando respeito e educação", mas era invadida pela culpa de negar a mim mesma. E quando finalmente conseguia me exprimir, pensava "essa sou eu, tenho meu espaço no mundo e direito de ser eu mesma", mas era invadida pela culpa de negar a educação da minha família, o sonho dos meus pais e todas as minhas noções de respeito."

Foto #076


segunda-feira, 16 de março de 2015

Só falta você

Sou cada vez menos adaptado a elogios. A adulações à minha aparência. Ou adulações em geral. Talvez seja uma certa raiva. Talvez seja coisa para voltar aos psicólogos. Por que algumas pessoas gostam de coisas em mim e outras simplesmente ignoram esses traços, ou menosprezam as mesmas coisas? Sim, as pessoas são diferentes. Mas adicione aí uma falta de sorte. É ridículo. Algumas pessoas me acham culto. Ela ri dos livros que eu leio e acha que leio pouco. Algumas pessoas elogiam minha aparência. Ela só fala que ando engordando.

Caliandra

Há flores enfeitando o cerrado. A terra seca. A terra que ninguém visita. E elas ficam lá, debaixo de um sol escaldante, embelezando cenários que não são olhados por ninguém. E nada as desanima dessa nobre tarefa.

Foto #075


domingo, 15 de março de 2015

Há uma escolha sendo feita

Quando em 2013 protestos tomaram a terceira maior cidade do mundo, motivados contra os excessos da polícia militar, falou-se em 70.000 pessoas na cidade. As pessoas ocupavam, num continuum humano, não só a famigerada Avenida Paulista, mas também a Rebouças, a Berrini, a Faria Lima, a Juscelino e boa parte da Marginal Pinheiros e da Av. Bandeirantes. Hoje, em São Paulo, uma grande massa popular tomou a Av. Paulista. E então o cálculo dispara: estimou-se mais de um milhão de pessoas nas ruas. A polícia não disparou contra as pessoas. Como fez inúmeras vezes em 2013 contra grupos de poucas dezenas reunindo-se nos entornos da Paulista por questões variadas.

Há uma escolha sendo feita. Mas quem faz essa escolha não é a população. É parte da mídia. É parte da direção do que chamamos de poder público, os detentores do monopólio da violência, ao menos oficialmente. A população, ao invés de se informar e refletir sobre essa escolha, apenas a endossa. Aprende sobre ela pelos meios óbvios de comunicação e, na homeopatia das notícias diárias, absorve essa visão como única, não tomando consciência sequer da possibilidade de interpretações alternativas. Viva a democracia. Um regime que permite que a estupidez seja voluntária, e não imposta a força.

Rotinas

Minha vó sentava na poltrona de canto, na sala. É porque o meu vô gostava de sentar de frente para a televisão. Ele que mudava os canais. O jornal, o futebol, ele que escolhia. Ela sempre acordava cedo também, pra fazer o café. Mas ela não tomava café. Café era pra ele. Meu vô tomava café toda manhã, parecia que não podia começar o dia sem café. Tem um ano já que ele morreu. E todos os dias minha vó se levanta às seis da manhã. Faz café. Ao fim do dia joga o café fora, porque ninguém tomou. Senta-se para ver tevê. Senta sempre na poltrona, de canto. Nunca senta no melhor lugar. O lugar de frente para a tela. O lugar que agora está vago. Não perdeu a rotina. Não perdeu a rotina de amar o falecido esposo em cada minuto de seus atos.

Foto #074


Denominador

Há tempos que eu não vinha para a fazenda e a vida aqui é tão diferente da cidade. Aqui acordo com o céu azul, os pássaros cantando lá fora e o orvalho se preparando para evaporar. Sensação de estar longe de tudo. Eis, por contraste, o poder da cidade. A ilusão de se estar perto de tudo. Aqui como lá, não sei dos sonhos dos meus vizinhos. Não sei seus nomes. Não sei seus anseios. Não sei suas histórias. Aqui como lá, ninguém sabe o que estou lendo. E daí que a gente se vê nas ruas? Escuta os barulhos uns dos outros? Vê cem mil rostos diferentes numa caminhada pela paulista? A cidade é uma grande solidão coletiva. Talvez, pensando bem, seja essa sua força. Nos sentimos, por fim, confortados ao compartilharmos nosso traço mais comum.

sábado, 14 de março de 2015

?

-Que livros você anda lendo?
-Que filmes tem assistido?
-Que música gosta de ouvir quando está sozinha?
-Qual seu sorvete preferido?
-Onde gosta de passear aos finais de semana?
-Que tipo de barzinho prefere?
-Onde planeja viajar este ano?
-Gosta de escrever?
-Aceita uma carona?
-Gosta de rir à toa, ou acha idiota?
-Gosta de mão boba e mordida na orelha na hora de namorar?
-Café ou chá?
-Chocolate com bolo?
-Na minha casa ou na sua?
-De verdade ou sonho?

Foto #073


sexta-feira, 13 de março de 2015

Aquele olhar

Não sou dessas mulheres de um metro e noventa, estilo super top models. Mas tenho e tive meu histórico de admiradores. Hoje, adulta, formada e trabalhando, a vida é mais séria. Menos aberta a manifestações extremas. Uma indireta aqui e ali, a gente mostra a aliança na mão e já se faz entender. Mas na época do colégio era diferente. Eu lembro de um menino de nome diferente, Adoniran. Quem dá um nome desses a uma criança de hoje em dia? Veio de outra escola. Era quieto, mas desesperado por se socializar. Vivia querendo participar, mas tinha esse jeito sempre nervosamente tímido. Então suas brincadeiras nunca funcionavam completamente. Nunca era realmente espontâneo. Estava sempre sentindo-se na iminência da vergonha e isso o acuava. Deixava cartas para mim. Deixava bilhetes. Deixava cartões do Garfield escondidos no meu material. Eu achava fofo, mas era só isso. Sempre senti respeito por ele. Era inteligente como obrigatoriamente deveria ser alguém mergulhado em tamanha introspecção. Falei com ele tempos atrás. Trocamos alguns e-mails. Parece que continua isolado em idealismos, querendo estudar e fazer coisas estranhas. Tem gente que simplesmente não acorda de uma vez por todas para a realidade. Tenho uma certa admiração e respeito por isso, mas é como nos tempos do colégio. Não é o suficiente para eu sentir uma atração, para querer trazer isso para minha vida. Às vezes penso que ele foi o amigo que mais me compreendeu, mesmo sendo distante. Às vezes penso que isso é egocentrismo de minha parte, vontade minha de me igualar a essa mulher idealizada e perfeita que ele sempre teve na mente e no olhar dele. E que não sou eu.

Rápido demais

Sempre acordo cedo. Ainda quando tá sem sol lá fora. Estico os músculos, saio lá no resto do sereno da manhã. Compro os primeiros pães quentinhos. Preparo o café. Já coloco o açúcar sobre o pó preto, no coador. Do jeito antigo. Como minha mãe preparava, sobre o fogão a lenha. Olho o céu, aqui ainda tem horizonte. Olho lá longe. Onde estão meus filhos? Tem dois meses já que falei com o mais velho. Os outros, mais ainda. Tenho coisas para cuidar. Escritura da casa do irmão mais velho, que morreu não tem muito. A vida está passando. O que estão fazendo meus filhos? Eu lembro deles ainda pequenos. Trazendo os cadernos da escola com dúvidas nas lições. E eu desesperado para conseguir ajudá-los. Não tinham segurança para separar sílabas e agora moram em outros continentes. Quando foi que aprenderam tanto?

Foto #072


quinta-feira, 12 de março de 2015

Em família

-Cara, não tô aguentando esse livro. Livro gay da porra! Só fica falando que o cara isso e aquilo, descrevendo como ele é bonito, charmoso. E putaria que eu achei que tinha, até agora: nada!
-Cinquenta tons?
-É! Essa porra mesmo. Que merda viu.
-Minha mãe leu.
-E aí, o que ela falou pra você? Você leu?
-Ela disse que era um livro que todo homem tinha que ler.

Subconsciente

Vou casar em um mês. Não vejo a hora de voltar para a cidade. Este trabalho é bom, mas ficar muito tempo longe de casa é estranho. Ainda mais agora, que arrumamos uma cahorrinha nova. É tão pequena, aquela raça minúscula, que late estridentemente quando vê a gente. Dá última vez que apareci ela fez xixi de alegria. Ainda bem que nós, humanos, não somos assim. Minha noiva disse que a cachorrinha não havia feito isso para ninguém. Será que ela já consegue me reconhecer? E a Bruna quer ter filhos. Eu iria deixar para daqui quatro ou cinco anos, mas ela está cada vez mais ansiosa. Achei que esta urgência fosse só da família, mas é dela também. Quem mandou namorar um cara mais novo? Imagino que depois as preocupações vão se alterar. Hoje eu penso na minha vida. O dinheiro que vai sobrar para mim. Se troco ou não de carro. Mas, com um filho ou uma filha no mundo, minhas preocupações serão outras. E a escola dela? E comida? E quando precisar de hospital de qualidade? E para fazer a faculdade? E as roupas que vai usar? E os enfeites das festas de aniversário? E a casa em local seguro? Vou casar em um mês, mas ando tentando evitar pensar nisso.

Foto #071


quarta-feira, 11 de março de 2015

Trovador romântico

Ela escreveu mensagens para ele.
-Comi lasanha hoje, que eu adoro. E você, o que gosta de comer?
-Gente.
Namoram há meses e ela é louca por ele. Nada como saber ser delicado e romântico.

Foto #070


Dois lados...

Falei ontem com a Milena, e-mail gigante. Tinha já muito tempo que não falava com ela. Contei da vida aqui, distante. Ela contou de lá, dos últimos anos. Vou dividir seus segredos aqui, já que os nomes e detalhes estão em realidade preservados. O namorado da Milena trabalha demais. Empresa multinacional, dessas gigantescas. Horários complicados, não é sempre que conseguem namorar. Estavam já há um tempo com a data do motel marcada para aproveitar todas as brechas (da agenda mesmo, nada de trocadilhos infames aqui). Até que quando o dia chegou, o clima simplesmente não esquentava. O cara parecia não estar a fim, ela parecia estar se cobrando demais. Foram embora. À noite, tentando contato com ele, o encontrou em casa, num estado estranho entre nervoso e chorando.
-Saí daí e fui pra um puteiro, queria provar pra mim mesmo que o problema não era comigo, queria me sentir capaz. Mas fui roubado. Pararam do lado do carro, arma na cabeça e tudo, levaram celular, dinheiro, o carro. Liguei para casa de um orelhão que tinha ali perto.
Milena prosseguiu nos detalhes de como foram as conversas subseqüentes. De como ela chorou. De como ele se explicou.
Hoje procuram apartamento para comprar e continuar construindo a vida juntos. Ela diz para mim que confiança é uma coisa complicada. Algo que deveria ser fundamental mas que não é fácil de recuperar, de reconstruir, como gostaria. Ela perdoou. E eu aqui, lendo a história, me perguntando se este perdão é mais sintoma de uma qualquer grandeza de caráter ou de carência de auto-estima.

terça-feira, 10 de março de 2015

Transbordamentos

Amar de perto nunca funcionou. Por alguma razão nunca soube lidar com minha ebulição de emoções e sempre fui aquele jovem ridículo, mais tímido que o necessário. Desesperado em confessar uma paixão desproporcional. Incapaz do conflito por excesso de idealização. Ao invés de aprender a me aproximar do mundo e entender sua realidade, aprendi a preservar minha distância e a conservar este amor impossível. Protejo meus sentimentos em cantos escondidos. Adulto, descobri que o amor em excesso espanta não só no amor romântico. Excesso de empolgação com música, com livros, ou com a ideia de uma reunião de amigos no domingo. O mundo não está aberto a excesso de empolgações.

Foto #069


Ecos

Sonhei com você. Já faz mais de vinte anos que a conheci. Dez anos que não nos vemos. Sempre fomos distantes embora a vida nos tenha feito passar assim de raspão. E sonhei com você hoje de novo. No sonho, você me fazia feliz. Conversava com sorrisos. Aquele olhar brilhante, profundo. Deixava minha companhia continuar em todas as deixas que dei para você ir embora. Já vai pegar o ônibus ou vamos esticar a conversa? Vamos esticar a conversa, você dizia. E andávamos dividindo idéias. Você é essa mentira. Em minha mente, essa perfeição que não deve ser. Nunca ficamos pertos o suficientes para brigarmos nossas diferenças. A distância fez você assim impossivelmente igual. Sonhei com você. E continuo sonhando.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Constatação

A superação e a derrota são, ambas, auto-catalizadoras. Cada pouco que você desiste é um pouco mais para te convencer de que já largou mão de vez. E cada pequeno degrau em que você se supera é uma motivação para não deixar a peteca cair. O difícil é transitar de um atrator ao outro.

Foto #068


Débitos

Eu não consigo te dar a atenção toda que você gostaria. Não consigo responder sempre. Tem vezes que quero desligar. São muitas vezes, eu sei. Tem vezes que eu quero que esteja aí. Não consigo ser presente assim demais pra ninguém. Talvez seja porque eu não consigo sair demais do meu mundo também. Ou trazer alguém pro meu mundo. Não consigo dar atenção demais sem sentir uma dor maior por não ter essa atenção também, nessa profundidade. Talvez seja egoísmo. É, certamente é egoísmo. Quero uma troca justa com o mundo, vai ver é isso. Então, enquanto não conseguir resolver isso, fico aqui com meus pensamentos e você fica aí com os seus.

domingo, 8 de março de 2015

Vazio

O sol já arde em minha cara e sei que me deixei enrolar na cama porque é sábado. E sei que deixei a cortina aberta porque queria acordar cedo. E sei que, de novo, burlei meus planos. Aí me dá uma vontade louca de ligar pra ele. Talvez chamar pra ir ao parque andar de bike. Ou ir tocar violão na casa dele, porque ele sabe que aqui meu pai não gosta muito do barulho. Mas ele não está mais lá. Tem três meses já. Amanheceu um dia e ele não estava mais. Ele dormiu pra sempre. Dormiu e não acordou. Uma morte indolor para alguém que trouxe tanta alegria pra tanta gente.

Foto #067


Brasil, 2015

-E essas coisas ainda acontecem?
-Oxe! Que acontece sim, ih se acontece! Ó! Vô falá procê... Num é nem caro mandá matá um não. Aí na cidade ali perto mesmo, dois conto... Um conto inté, cê acha gente que topa o trabaio. Eu sei de uns ali que faz o serviço. Vai lá, atira, e depois ocê que dê a grana, se não cê vai junto!

sábado, 7 de março de 2015

Dos mundos manifestos e ocultos

Há um mundo que não é dos segredos, é das coisas ditas e explícitas. Vamos chamá-lo aqui de Mundo Manifesto. E, por frescurização do léxico, atribuamos ao seu complementar, domínio dos segredos, o nome de Mundo Oculto. Já disseram os escritores bem afamados que todo ser humano tem sua parcela de segredos. E que esses segredos são em gradações diversas. Há coisas que hesitamos em contar até para nós mesmos, não é mesmo? Pois bem. No Mundo Manifesto não há um ajuste perfeito. Mas as coisas tendem ao ajuste, porque estão em constante contato. E quando o desajuste é grande instala-se um terremoto, e deste terremoto vêm as oscilações todas tentando reencaixar as peças. E no Mundo Oculto? Qual o grau de complementaridade entre as ilhas que somos? Será que aquela paixão escondida é correspondida em segredo? Será que não? Será que aquela saudade encontra um eco nos domínios do mundo sem palavras?

Foto #066


A falecida?

Quando a gente acha que já ouviu de tudo... vem esse cara simples pedindo pra eu criar uma conta de Skype para ele. Sem problemas. E aí ele quer saber se dá para falar pela Hebe Cam.

sexta-feira, 6 de março de 2015

A criação e a criatividade

Ela escreveu um livro que lhe custou cinco anos de alta concentração, pesquisas, privações. Centenas de páginas de uma história bem elaborada. Apoio da família. Do marido. O primeiro de uma trilogia, finalmente nasceu. Publicado. E agora ela não escreve mais nada, tem vários anos já, porque está ocupada com toda agitação que se instalou em sua vida agora que se lançou escritora.

Foto #065


Métricas

Marilyn Monroe seria possível se não tivesse morrido? O que seria dela nos anos seguintes? Como seria sua eventual decadência, sua migração lenta e gradual para a história? Como ela suportaria se tornar um museu de si mesma? Eu acho que a morte dela, como ocorre para muitos famosos, foi fundamental para a criação do mito Marilyn, não obstante o sucesso que tenha feito em vida. Deveríamos refletir mais sobre esse fato, pois ele trás à tona um lado sombrio de nossa sociedade, de nossa cultura. De nossos valores. Quantas mulheres não sonham, ainda hoje, em ser Marilyn? Quantos humanos, homens e mulheres, deixam de perceber, ainda hoje, que o lado mais importante da vida não está ligado a aparências e não produz fama?

quinta-feira, 5 de março de 2015

Saramago gênio

Não acredito mais em nenhuma explicação mundana para o que acontece. Falha de planejamento. Descaso. Essas coisas normais, de sempre. A calamidade que se avizinha deve ter causas pensadas profundas. Ainda que eu não goste de teorias da conspiração. Mas não me sobram outras. Querem mesmo sitiar São Paulo. Tirar proveito desse estado de emergência. Que vão logo os pobres todos daqui. Que saiam também as pessoas de classe média de bons bairros. Quero ver quem vai comprar os restaurantes de Moema e do Tatuapé quando estes começarem a fechar. Essa gente deve ser culpada. Só pode. Lei de mercado? Balela. Estão falindo a cidade de propósito. Esperar mais para começar um rodízio oficial e intenso só porque caiu uma chuvinha a mais é a mais pura piada. Mas somos anêmicos políticos, e não fazemos nada. Ficamos indignados com a morte de meia dúzia na redação do Charles Hebdo e não ligamos para o holocausto silencioso que se instala ao nosso redor. Diarréia. Sede pura. Quando li Ensaio sobre a Cegueira não imaginava que aquela nogentice toda que se instalou a cidade também fosse causada por cegueira política. Saramago gênio. Povo burro.

Foto #064


Rondônia

-Ixe, que o que eu gosto mesmo é de viajar viu.
-Topa emprego diferente só pra conhecer outros lugares, né?
-Rapaiz! Olha que de lá do sul de onde nasci já fui parar foi até lá pros lados de Rondônia!
-É mesmo? Que coisa! E o que achou de lá?
-Horrível. Um lugar onde não quero voltar nunca mais.
-Por quê?
-Terra de ninguém, cê tá é louco! Trabalhava no trator e tinha um caboclo da fazenda que ficava do lado com um revólver, tinha que trabalhar assim!
-Tá brincando! Tinham medo do que? De você roubar o trator? Ou de não fazer o trabalho direito?
-Não, não é isso não! O revólver lá não era pra mim não. Era como se fosse meu guarda-costas, cê tá entendendo? Porque si vinhessem os pistoleiros da outra fazenda, aí sim é que eles ia atirá.
-E por que os da outra fazenda iriam vir?
-Oxê, pra que... pra que... Pra pegar as terras! Lá é terra de ninguém, de grileiro. Camarada falou que a terra é dele, se tiver mais chumbo é dele sim. É assim que é. Camarada incomodou, apaga. Camarada tá pegando terra que você quer pra você, apaga o cabra. Assim que funciona pros lado de lá. Inté hoje. Fiquei três mêis e saí inquanto tava vivo. Oxe rapaiz... quero é continuar vivo viu, aquilo ali né pra mim não sô...

quarta-feira, 4 de março de 2015

Vida perfeita

Uma cidadezinha de tamanho médio. Sem aquela meia dúzia de mesmos rostos de sempre. Sem aquela confusão de marginais e estação da Sé. Uma casa que não é gigante. Mas não é um ovo. Tem um quintal com um bom espaço. Suficiente para não incomodar os vizinhos. E receber amigos. Amigos que vêm sempre. E que gostam de conversar. E que têm interesses diferentes. Um conta das coisas que está lendo sobre a China. Outro conta das besteiras que ouviu no puteiro. Outro fala da banda de blues que descobriu. E outro jura que descobriu aspectos da vida de Manoel Bandeira que a gente ignora, mas que são muito interessantes. Bebemos. Rimos. Torcemos para que a noite nunca acabe, mesmo sabendo que haverão inúmeras outras.

Foto #063


Agora

Nesse momento uma bala atinge um crânio e o sangue começa a voar para fora do orifício, miolos e tudo.

Em algum lugar do mundo, agora, voa o buquê da noiva e aquele grupo de mulheres bem vestidas se posiciona para interceptá-lo.

Filhotinhos de cachorro de uma raça fofinha bocejam de sono, aninhados uns contra o calor dos outros.

Em algum lugar um veículo atinge outro, em alta velocidade. Ninguém vai sobreviver.

Pessoas aplaudem um show que acabou de terminar. A cantora sorri e sente-se em êxtase com aquela energia toda.

Uma criança apanha do pai e berra um estridente agudo de choro.

Um velhinho está ao lado do leito de UTI em que repousa sua esposa em seu último suspiro. Se olham docemente antes que ela feche os olhos pela última vez.

Um jovem pedala sua bicicleta em uma praia deserta, à noite.

Em algum lugar do mundo, agora.

Passageiros decolam para um vôo que vai chegar em segurança, mas pensam em todos os acidentes aéreos de que conseguem se lembrar.

Em algum lugar do mundo, agora.

Um vírus voa pelo ar à procura de uma narina nova para morar. Não há cura para ele caso consiga encontrar seu novo hospedeiro.

Em algum lugar do mundo, agora.

Um pescador aprecia o pôr do sol de um lado do mundo enquanto passageiros num transatlântico fotografam a manhã do outro lado do planeta.

Agora. Em algum lugar do mundo.

Um casal briga soluçando rancores.

Desconhecidos sentem tremer a espinha com o prazer do primeiro beijo.

terça-feira, 3 de março de 2015

Diálogos Sinédoques

Penso: Oi, bom dia! Que saudade, que vontade de abraçar você! É difícil ficar longe, sem conversar... sem a conversa boa que você sempre tem. Tenho saudade de te olhar também. Eu gosto do jeito que você sorri e me faz bem olhar seu olhar feliz.

Digo: Oi.

Penso: É uma merda que a gente não tenha ficado junto, que a vida tenha tomado esse caminho. Porque eu gostaria que fosse lícito te contar mais histórias. Eu gosto de te contar histórias. Gostaria que fosse lícito te perturbar a qualquer horário para dizer "estou com saudades" e só. Quero saber mais da sua rotina. As coisas que te deixam feliz e as coisas que te deixam tristes no dia. Quero te dar conselhos, ainda que não resolvam nada, mas que ao menos mostrem o quanto eu me preocupo com seus problemas. Quero ficar mais perto.

Digo: Ah, quando der a gente marca algo.

Foto #062


Diplomacia

Eu não pertenço a nenhum desses hectares todos. Fico no alojamento, anônimo. E, ousado, saio às cinco da manhã para caminhar. A matilha escuta o barulho destoante da rotina. Alerta. Latidos vindos da escuridão em direção à minha apreensão. Vinham mostrando os dentes, rosnando, assustando. Agachei-me e estendi a mão, para cheirarem. Pararam a um metro de mim, desconfiados. Aguardaram um pouco. Aproximaram-se. Cheiraram minha mão. E responderam à minha ausência de hostilidade ou de fuga de um jeito simples: dali adiante, me ignoraram. Quando as civilizações vão aprender a fazer o mesmo?

segunda-feira, 2 de março de 2015

Civilização de merda

São Paulo é a grande metrópole mais honesta de todas. A mais justa. Para uma raça de humanos que faz o que faz com o mundo, nada mais justo do que beber merda na água da torneira. Comer merda jogada até nas frutas, venenos pulverizados nas plantações. É coerente com nosso descaso pelo mundo. Somos ratos. Pretensão hipócrita essa de querer viver limpinho. Merecemos uma diarréia interminável até a morte por desidratação. Porque é essa a doença que somos para o mundo.

Foto #061





Essências

A equipe não é gigante, mas é bem heterogênea. O mais velho da turma parece ser também o mais moleque. Fica em seu mundinho, fala pouco. Faz piadas inocentes. Já disseram, em mais de uma ocasião e em inspirações independentes, que ele merece o "Troféu Praça-É-Nossa de Humor". Mas o mais velho da turma não está na equipe há muito tempo. Tem quem já está há muitos anos nesse serviço. E vai casar, inclusive. Já está nessas seriedades. Ainda assim, não dispensa uma boa conversa sobre puteiros ou um contato com a ninfetinha do Tinder. O mais novo, então, não só pela idade, ocupa outros extremos. Bebe mais que todos juntos. Chega à noite no alojamento e já traz um pack de cerveja. As latinhas acabam e ele sai para comprar mais. E em um dia normal haverá pelo menos mais uma viagem para buscar outro pack. Que ele jura estar bebendo com os amigos, mas não há amigo que acompanhe seu ritmo. É uma latinha minha para cada três ou quatro dele, e assim também com os demais. Vive no puteiro a ponto de ficar de namoro com uma das putas, que liga para ele todos os dias. Virou refúgio sentimental dessa moça tão acostumada à inexistência de espíritos. É uma equipe que não é gigante e é bem heterogênea. Juntos, com todas nossas diferenças, contamos histórias e rimos um do outro. Nas risadas a gente é igual.

domingo, 1 de março de 2015

Culpas

Amigo, vou falar com sinceridade. Essa responsabilidade não é sua. Somos todos adultos. Sim, a empresa é sua e os funcionários são seus. Mas estávamos a lazer. Lazer é lazer, não é trabalho. E digo de novo: somos todos adultos. Todos bebemos. Nenhum de nós exigiu a direção no lugar dos mais bêbados. Todos deixamos a coisa acontecer como aconteceu. Não nos alertamos pelas derrapadas que quase deram em besteira. Ao invés disso, rimos. Todos juntos, rimos. Não foi só você. Sim, você conhece a equipe, conhece o perfil de cada um. Mas isso não lhe faz mais responsável. Álcool e é álcool e eu não preciso ser um especialista em álcool ou especialista no perfil de cada um para ser mais responsável que você. Eu também deixei que o Léo dirigisse. Deixei que a coisa toda se passasse como passou. E só me senti realmente errado quando o carro já estava ali sobre a grama, de ponta cabeça. Aquele estrondo acorda a gente. Ainda bem que a porta abriu. Que tiramos vocês de dentro. Ainda bem que parou mais gente na estrada. Que ajudaram a quebrar a janela. E esta responsabilidade não é toda sua. É sua na mesma medida em que é minha, do Léo e de todos nós outros. Não aceito dizer "acontece" para diminuir nossa culpa. Praticamente imploramos para que esta pequena tragédia acontecesse. Já me imaginei em cadeira de rodas. Já me imaginei sem poder nem mesmo mexer as mãos para escrever, para virar uma página numa tarde inválida e longa. Não sei como isso não aconteceu. Sorte das sortes. Mas as sortes têm sua cota. Erramos todos. Faça um favor pra todo mundo e divida essa responsabilidade conosco, porque precisamos todos das lições desse erro.

Foto #060


Diagnósticos

Tem esse livro, que nos dias de hoje se compra baratinho até nas bancas de jornal. Amores que Matam. Relacionamentos tóxicos, fixação no outro que se torna prejudicial para si. Querida, minha querida... será que nosso amor é assim? Será que meu amor por você é assim? Pois eu sei que me deixei sofrer. Sei que deixei se desenvolver no meu peito esse lado do sentimento que dilacera e sangra o espírito. E não é justo, não é? Não é justo com você. Se hoje estamos distantes é porque fujo desse sofrimento. Um sofrimento que, imagino, você nunca quis para mim. Tenho você como pessoa querida e, ainda assim, tem tempos já que preciso evitar sua companhia. Pois ainda que tenha sempre um lado feliz, tem também esse confronto com o lado que dói. E nos nós dos contraditórios tem essa minha vontade de que não fosse assim, mas acima de tudo porque aí poderíamos ficar mais perto, nas circunstâncias que a vida deixasse. E sei que não é este o motivo certo para eu querer ficar bem.