quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Retrospectivas...

"Tornar-se adulto é também bancar as suas escolhas – e, neste sentido, estar só." - Eliane Brum

Verdade Eliane, verdade. E aí penso que sou mais adulto por conta dessa solidão interior do que pela idade. E assim será até os meus noventa e tantos anos.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Obrigado

Eu ainda não me conformo com a profundidade desse segredo. Quando mais escondo, mas se faz verdade por todas as formas. E tem impactos absurdamente profundos em todas as esferas da minha vida. Não deveria. Talvez venha a ser uma enorme decepção pra ela quando finalmente ficar sabendo. Talvez ela se sinta de alguma forma responsável por coisas que não deveria, que são totalmente de minha responsabilidade. Essa história toda me fez outro. Outro diferente do que eu seria. Guardar coisas demais dentro de si cria um gigante interior que ganha proporções descomunais, capaz de repente de eclipsar o resto das coisas. Sou outro. Me fiz outro. Deixei ser outro. E no entanto das mais estranhas formas, essa é minha gênese, para o bem ou para o mal. O caos atual da minha vida, que tanto me caracteriza, talvez não viesse a existir.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Equilíbrios

As tentativas de compreensão do mundo esbarram, invariavelmente, em histórias de equilíbrios.

Os antigos falavam no equilíbrios dos humores, os fluidos internos responsáveis por nossos diferentes estados.

Os economistas falam no equilíbrio dos mercados, oferta e demanda opondo-se com intensidades convergentes.

Os psicólogos falam em equilíbrio interior.

Os físicos e engenheiros falam em equilíbrio de forças, vetores pontudos apontando para tudo o que é lado até que nada aconteça.

Mas existem outros equilíbrios por serem explorados.

Os equilíbrios de prioridades. O que você acha importante? O que seu vizinho acha importante? O que o presidente do país acha importante? O que o mendigo na rua acha importante?

Os equilíbrios de carências. Quem quer fazer o bem aos outros? Quem precisa urgentemente de uma boa ação? Quem quer um abraço? Quem quer abraçar? Quem não quer saber de nada disso?

Os equilíbrios de olhares. De sorrisos.

E séculos depois de começarem a estudar esses assuntos talvez descubram o que a economia só agora ameaça descobrir: o equilíbrio é uma mentira. Inventada pelos estudiosos para simplificar as coisas e possibilitar os diagramas nos livros. A realidade é uma onda, algo que sempre pende mais para um determinado lado, gerando um fluxo em uma determinada direção. A natureza não pára nunca. (sorria)

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Time Lapse

Quanto tempo será necessário para escrever um romance inteiro?

Do que vou falar no meu romance? Vou um dia conseguir viajar sozinho? Morar fora?

Dedicar minhas energias a idéias que nem sei exatamente quais são? Tantas coisas por entender no mundo.

Tantas coisas por fazer na vida.

Vou passar uns dias longe de casa, em breve. Começar um novo trabalho.

Perseguir um sonho. Voar alto em meus devaneios. E a vontade de escrever, mais e mais.

Mas escrever consome tempo. E tempo muitas vezes são horas de sono. Atenção à família. Tempo para estudos. A hora da caminhada saudável. O tempo para preparar uma boa comida. Escrever consome. Consome muitas coisas.

O que é que eu vou escrever, afinal? Vivo escrevendo, como agora. Mas escrevo, a vida inteira, sobre o sonho de escrever alguma coisa.

Não tenho condição de ser um escritor desses super eruditos, porque a vida não me fez erudito.

Ou eu não me fiz.

Não li as coisas que sonhei ler. Não estudei as coisas que sonhei estudar.

Mas tenho dentro de mim um sonho, uma fagulha de curiosidade, e sei que é possível fazer disso alguma coisa.

Matérias abstratas que se tornam concretas por geologias estranhas.

O que vai ser do futuro?

sábado, 15 de novembro de 2014

Paradoxos ou ironias

Amar foi o que mais me afastou das pessoas que eu amei.
E conter o amor foi o que preservou um grande amor por perto, ainda que, por fim, destruindo-o.

Como, então, saber o que fazer agora?

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Ato falho

Eu ainda teclo seu telefone sem querer quando, distraído, telefono para alguém em busca de conforto e bons humores.

E escuto sua voz quando deixo minha mente inventar imaginações boas.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Ecos

Eu ainda lembro de você comemorando. Sou o único amigo que nunca se apaixonou por você. Uma amizade que venceu esta estranha barreira do desejo humano que sempre quer mais e mais e mais. Apenas que não era verdade. E desde então ecoa nas torturas de minhas lembranças... Você, feliz da vida com esta grande sorte de eu não te amar.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Vida conturbada

Penso seriamente em mudar de casa. De cidade. De país. De mundo.

Covardia. Impossível não sentir que é tudo uma grande covardia. Fobia que estou deixando crescer.

Medo de todas as pessoas no semáforo. Medo de todos os barulhos que o vento faz à noite no quintal, quando já estou na cama tentando sonhar com a abstração da paz.

Vou para onde? E as pessoas daqui? Essas pessoas todas que gosto de saber que estão por perto ainda que eu não consiga vê-las nunca por conta dessa rotina alucinante.

Um sequestro. A certeza de que o tiro viria.

Cinco meses.

Depois um assalto. A casa arrombada.

Duas semanas.

Outro assalto. O clarinete. A máquina fotográfica. Os computadores cheios de textos, fotos, músicas, leituras, idéias e lembranças.

Mais duas semanas.

Ameaças. Um maluco com a alma recheada de crack e um galão com cinco litros de gasolina na mão.

Penso seriamente em mudar de casa, de país e de mundo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Definições

Certeza. Uma mentira que acalma. E nada mais.

Perguntas, perguntas, perguntas...

Em um relacionamento, você tem que ser feliz. Namoro tem que ser bom.

Ouvi este conselho algumas vezes.

Briguei esses dias. Briguei com minha namorada. Estou cansado. Nossas diferenças. Os  momentos que eu quero ter para mim. As coisas que não concordo nela. Somos diferentes. Somos opostos em muitas coisas. E quem diria que, logo eu, teria problema com os amigos dela? Mas tenho. Não gosto de alguns deles. Não é uma intolerância absoluta, mas preciso de um contraponto. Um espaço para viver meus amigos. Meus lugares. Minhas distrações. Ela vê isso imediatamente como uma pequena rejeição. Não é isso. Não é ofensa.

Invariavelmente, triste, sozinho no meu quarto, paro para pensar: até onde as pessoas são compatívei?

Estamos insistindo em um absurdo?

Por que eu quero ficar com ela?

Por que ela quer ficar comigo?

Por que nos sentimos cansados um do outro de tempos em tempos?

Não sei encontrar todas essas respostas.

Confesso que me permito agir por instinto. E duvido dos meus instintos, ou chego mesmo a concluir algo oposto a ele.

Estou longe dela e sinto raiva. Ela tem idéias políticas erradas. Ela trata as pessoas, muitas vezes, de um jeito que eu não concordo. Não tem as mesmas opiniões que eu sobre quais lugares são legais de serem visitados e quais não são. É quase o oposto do que eu penso, em todos esses aspectos, sempre.

Mas aí eu a encontro. Aí ela vem me visitar. A quem mais eu consigo falar de todas as minhas maluquices mais pessoais, mais escondidas? A quem mais eu consigo falar das coisas que estou escrevendo? Dos meus sonhos bizarros, não convencionais? Talvez, justamente por ela discordar de tudo, mas continuar me ouvindo, eu me sinta acolhido em um nível mais fundamental, e tenha esse ímpeto de retribuir. É uma tentativa de explicar o inexplicável. Quantas vezes sentimos algo e não temos uma completa certeza da explicação?

Consciência. Consciência do que acontece. Quero ser mais honesto comigo sobre essa nossa realidade. Quero ser mais ativo em falar para ela todas as contradições que sinto. Porque nem sempre ela percebe. Sou eu a pessoa que tem a tendência a colaborar, a me controlar para deixar as coisas aceitáveis. Ela é a personalidade impulsiva que, de repente, está reclamando disso e daquilo. Eu me adapto, deixo as coisas mais convenientes. Mas tenho meus limites. Parece coisa de adolecente, de criança. Mas de repente, meio assim na marra, descubro que fazer isso ou aquilo de final de semana não é um mero capricho. É uma necessidade profunda. Minhas caminhadas pelo centro da cidade. Encontros com amigos. Livros que vou ler e meu jeito de passar um tempo a toa. Tudo isso difere do modo dela de curtir os dias livres, assistindo seriados no sofá. Não que eu não tenha dias livres, à toa. Mas nossos modos de vivê-los são diferentes. E isso precisa ser respeitado.

Qual o nível máximo de diferença que ainda permite duas pessoas ficarem juntas?

Às vezes eu acho que somos tão diferentes que é impossível continuarmos juntos. Às vezes eu acho que, justamente por sermos tão diferentes, e ainda querermos ficarmos juntos, a única explicação é a de que nos amamos de um modo bem elementar.

Eu sou uma pessoa barulhenta. Estou sempre cantando e ouvindo umas músicas num volume um tanto quanto intrusivo. Não sei se ela aguentaria ser, sequer, minha vizinha. Quanto mais vivermos juntos um dia. As músicas que gosto de berrar por aí nem sempre são do agrado dela.

Estou acostumado a ser sozinho. Estou acostumado a decidir e fazer. Amo improvisos. Num instante, nada está combinado. Nada está decidido. Nada está planejado. Aí vem uma ligação, ou uma inspiração, ou uma idéia de algum site maluco na internet... E dez minutos depois estou de malas prontas, pegando estrada para viajar algumas centenas de quilômetros sei lá aonde. É uma das melhores sensações que conheço. Como dividir isso com outra pessoa sem parecer que você não a está levando em consideração? Não se trata de ignorá-la... Como valorizar o acaso, o improviso, e também, ao mesmo tempo, fazer com que a outra pessoa se sinta incluida no processo? É uma dificuldade técnica... Talvez fosse simplesmente o caso de a outra pessoa também amar improvisos. Talvez fosse o caso de extender um pouco o horizonte. Antes improvisos eram resolvidos em dez minutos. Agora vão ser resolvidos em dois ou três dias porque envolve alguma coordenação com a outra pessoa. Mas isso tira um pouco da graça, e não é nada pessoal com ela. Improviso é improviso. O impulso de abraçar uma idéia e sair viajando por aí.

Ela não gosta de ler. Declaradamente, não gosta. Até se esforça. Depois que viajamos com um casal de amigos dela, e eu fiquei um tempão conversando sobre livros com a amiga, ela tomou um livro de minhas mãos e agora o está lendo. Diz que é a leitura do ano. Está mais ou menos na metade do livro, e meses já se passaram. Eu olho isso com uma certa admiração. Não que ela esteja se convertendo em uma leitora. O hábito de ler envolve uma paixão por livros. Ela só vai se converter em leitora quando encontrar algum livro que desperte tal interesse nela que ela queira continuar lendo. O que ela faz agora é uma espécie de obrigação, de meta pessoal. Ela não quer se sentir fora do grupo de pessoas que lêem, mesmo pertencendo a ele invariavelmente. Eu olho a iniciativa com uma certa admiração, com um certo respeito.

Fiz um monte de perguntas aqui. Não tenho respostas. Só tenho mesmo uma confissão, que é uma constatação também. Eu tomo atitudes por instinto. Penso nos nossos problemas e sinto muita raiva. Penso nas nossas coisas boas e sinto uma espécie de paz realizada. Uma pessoa diferente que aceita olhar para dentro do meu mundo e me ama mesmo assim. Seria um egoísmo dela? Ela não gosta de diversas coisas em mim, mas gosta de quando eu a estou tratando bem, e sonha que eu, pouco a pouco, abandone minhas coisas pessoais?

Perguntas, perguntas, perguntas.

Eu penso demais.

- Você pensa demais.

Talvez essa seja uma lição... Se aprendêssemos a passar mais rápido pelos problemas e a nos determos mais nas coisas boas, a vida já não melhoraria, instantaneamente, um tantão assim?

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Acknowledgment

Dizem que eu sou paciente para ensinar. Pode até parecer... Afinal, "acknowledgment", uma única palavra, e me lembro de que levou meia hora para aprendê-la. Você não queria nem tentar falar.

  • Ác... Áquinooooo... blufs plurbs clurbs!

Fomos pouco a pouco. Ack. Nou. Lé. Dje. Ment.

Depois vai juntando. Acknow. Lédje. Ment.

Lédjement.

Acknow.

Acknowledgment.

Quem olha acha que levei meia hora para te ensinar uma única palavra, e que, por isso, tenho muita paciência.

Não percebem o essencial: em meia hora, você perdeu o medo de falar inglês, estava contente consigo mesma e resolveu disparar a leitura de todas as outras palavras, que pareciam muito mais fáceis do que esta.

E me deixou uma alegria incrível.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Promessas

Vou fazer academia todos os dias. Amanhã mesmo eu começo. Já estou até inscrito. Já tem dois meses que eu estou inscrito!

Vou terminar meu livro. Que comecei a escrever ontem. Pela 832ª vez.

Vou ler mais. Depois de ficar horas à toa no computador. Depois de comer besteiras à tarde quando eu sabia que não estava mais com fome. Depois de tirar um cochilo. Que sempre dura até a manhã seguinte.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Se conselho fosse bom...

Aí uma amiga minha escreve no Facebook dizendo que gostaria de escrever mais, que tem muitos textos guardados, mas que acha que as coisas são egocêntricas demais e que não quer se expor. Aí eu escrevo pra ela dando uma certa bronca, dizendo que ela tem que confiar mais nas coisas dela, escrever sim, se expor, e deixar o julgamento dos outros para lá.

Foi isso o que eu disse a ela. Eu, um pseudônimo mal inventado de um blog imaginário que habita há 6 anos no limbo dos escritos secretos.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Nota de um domingo revelador

Encontrar uma alma gemea é aceitar um auto-engano, cair em uma mentira. E o que satisfaz mais o espirito humano do que uma boa mentira? Somos todos diferentes. Acreditar na alma gemea é ser cego. Negar as diferenças do outro ser e também esquecer um pouco de si.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Vida de gato

O gato não desperdiça suas energias em estados intermediários. Ou está sendo um dos animais mais ágeis da natureza ou está em repouso como se tivesse sido mumificado.

Pare de gastar energias em estados intermediários. Viva plenamente seus extremos.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Papelada...

A propósito, é interessante notar que os gregos, que consideravam os egípcios um povo de imensa sabedoria, chamavam uma folha de papiro de "biblion", da qual deriva a palavra "bíblia"; a palavra "papel" é derivada de "papiro", embora, na verdade, o papel seja um material bem diferente e tenha sido inventado pelos chineses e não pelos egípcios. (das minhas leituras por aí)

quarta-feira, 16 de julho de 2014

dos goles de vinho

Aí eu fico pensando no sentido de tudo isso e eu sei lá, não sei mesmo o que pensar. Estou aqui jogado, sozinho, meus medos e minhas raivas. Você está aí, indo dormir, ou conversando com suas amigas. O que foi que aconteceu neste final de semana? Um capítulo novo? Um evento novo? Ou aquela famosa gota d'água? Eu estou preocupado. Estou preocupado com a gente. Estou preocupado comigo. Vivo enfiando o pé pelas mãos. De certo modo eu sabia que ia dar nisso. Eu paguei pra ver. Quem não sabia? Você sabia também, não é? Tem sua parcela de culpa. Com uma diferença: agora é você quem quer que isso dê certo e sou eu quem está de saco cheio. Quem diria que a coisa poderia se desenrolar assim?

Eu estou solitário. Me sinto sozinho. Sozinho dessa solidão mais ácida, corrosiva e pesada: sozinho de mim. Tenho passado muito tempo com você mas me sinto abandonado. Porque eu passo muito tempo no seu mundo, vivendo os tempos como você gosta de vivê-los, falando das coisas das quais você gosta de falar. e meu mundo fica jogado ao esquecimento. Quero meus livros, minha música, meus passeios. Chega de sofá e filme, que isso é coisa pra depois da morte. Chega das histórias do seu trabalho. Você precisa de uma vida. É irônico que, nas brincadeiras da turma, voê seja a pessoa que mais teme envelhecer e quem mais tem crises com essa coisa de idade: você é a pessoa que mais cultua a velhice e o abandono do tempo como um ideal. Ficar jogada no sofá vendo TV sem fazer nada. Com tanta vida lá fora. Com tanta gente preciosa por conhecer. Lugares bonitos para ver. Bons momentos para experimentar.

Eu não sei o que vai ser daqui para a frente. Eu estou aqui no meu quarto sem conseguir ir dormir. A garrafa de vinho está pela metade. É tinto, Góes. Será que você gostaria desse vinho? O vinho nunca foi o principal para mim. Nunca vai poder ganhar das conversas que giram em volta do vinho. Amigos rindo, conversando, gostando da vida, gostando do momento. Sei que para você não é exatamente assim. Você tem seus padrões. As boas marcas para sapatos, relógios, roupas, vinhos. Sugiro procurar um namorado de marca, coisa que eu não sou. Sou um vira-lata até o fundo da alma. Quantas e quantas vezes eu quis acreditar que você gostaria de descobrir o melhor que se esconde dentro de você, mas vezes sem conta você insistiu em me desiludir. Se ao menos você soubesse gostar das pessoas com uma pequena fração do amor que tem pelos animais, então tudo estaria resolvido. Mas você tem um princípio, e é um princípio claro: vai sempre olhar tudo pelo pior ângulo possível, a não ser que seja uma das coisas sobre as quais tem um preconceito bom: dinheiro, Europa, marcas badaladas. Estou errado? Prove... Prove com algo inovador. Porque em um ano de convívio próximo eu nunca vi uma prova. E se está escondendo alguma grande prova de integridade do escrutínio do nosso convívio, então diga por que faz isso comigo. Por que me submeter a tanto.
Eu vou me perguntar e serei perguntado, diversas vezes... Errei em ir tão longe com tudo isso? Errei em dar tantos e tantos votos de fé a esta relação quando uma postura algo mais conflituosa teria colocado todos os pingos nos ís logo no começo?

Quando você falou mal das minhas roupas, depois de ficar chateado por um tempo decidi ir com você ao shopping e empreender uma profunda reforma no meu guarda-roupa, mas com uma condição: você se encarregaria de doar minhas roupas velhas. Você topou. Eu não estava interessado em roupas novas. Eu não ligo para roupas. Mas vivi em minha mente estúpida a imagem de você doando roupas e sentinto, ao menos por meio segundo, alguma compaixão de uma criança carente ou de um velhinho num asilo ou de sei lá eu que tipo de necessitado. Essa imagem, de você experimentando essa compaixão, e a alegria de fazer uma doação que deixava um estranho mais feliz, me tomou por completo e levei a idéia adiante. E, que eu saiba, as roupas ainda estão no porta-malas do seu carro. Cinco meses? Seis meses já? Passa rápido o tempo. Fiz minha parte do trato. A sua foi completamente ignorada.

Quando você falou mal de eu ir nos meus shows de chorinho, conversei a respeito e pouco tempo depois aceitei comprar por algumas centenas de reais um ingresso para ir com você em um dos seus shows de rock preferidos. De um artista que até então eu nem sequer conhecia. E você nunca entendeu esta trégua. Você tem certeza que eu gosto do roqueiro tanto quanto você e encara seu desgosto pela minha música como algo natural, instrinsecamente justificável.

Nenhuma concessão para você é aceitável. Seus princípios são absolutos e não estão abertos a uma leve e momentânea compreensão do outro. Você quer me ver feliz, eu sei que quer, mas desde que seja a sua felicidade. Minha felicidade é incompreensível demais para você. A garrafa de vinho está acabando. Espero que me ajude a dormir. Imagina só se todos os problemas da vida pudessem se resolver assim... com copos e mais copos e um pouco de esquecimento, não seria fantástico? Mas muitos já tentaram essa via criativa e até agora não funcionou. Sei que é um imperativo dos princípios empiristas que novas tentativas sejam feitas, e por isso ofereço à ciência meu esforço de hoje, gota por gota.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Apropriado

Origens

Toda criança deve sujar o pé de terra. Brincar com gravetos. Subir em árvores e ficar com raiva de formigueiros vez ou outra. É preciso conhecer nossa casa, o mundo em que habitamos. E entender que o conforto, o asfalto, a luz elétrica e as almofadas, são coisas fabricadas. Do contrário, o que temos é isso: gente que admira o produto sem admirar sua construção. Gente que admira o dinheiro e desdenha a técnica. Consumistas, no pior sentido do termo. Pessoas incapazes de apreciar um quadro, um ator, uma música, uma criança. Gente que não presta.

domingo, 13 de julho de 2014

Dona Cida

A casa estava cheia. Vinho, pizzas, comidas. Pessoas. Eu conhecia algumas, as que foram comigo. Há quantos anos não se encontravam? Dez? Doze? Alguém fez a conta. Dezessete. Mais da metade da minha vida. Por que é que as pessoas não se vêem mais? Não vem ao caso agora. Não sei responder essas coisas. Não sei responder nem mesmo sobre os meus amigos. Sobre os meus familiares. Por que é que eu não vejo mais a minha mãe? Ela morando lá em Porto Ferreira. Por que é que eu não vejo mais as minhas sobrinhas? Confesso que nem sei dizer ao certo a idade delas. Sou um tio ausente. Estou sempre cuidando da minha vida. Estou sempre com alguma urgência imediata. Nesta semana preciso estudar, vou ter prova. Na outra semana preciso ir para o interior, estou fazendo um curso. Depois preciso ver minha namorada, faz tempo que não dou atenção pra ela. Depois eu tenho que cuidar da minha casa, lavar roupa, arrumar o quarto, limpar o chão. Depois no outro final de semana é bom eu descansar um pouco, ficar no sofá vendo um filme, fazendo algo à toa assim, sem maiores preocupações. Por que é que eu não vejo mais as minhas sobrinhas? Por que é que estas pessoas não se viam há tantos anos?


Mas depois das conversas de sempre... atualizações básicas sobre o que cada um está fazendo da vida, o clima de amizade se instala novamente. O vinho ajuda as piadas a se soltarem se pudores. As pessoas que horas atrás estavam se apresentando quase formalmente agora já não vêem o menor problema em contar vexames de viagem, piadas que mencionam sexo ou falam algum palavrão. O clima é de alegria e discontração total. O ambiente é amplo, um grande apartamento. Um grande balcão mais parecendo um bar... De um lado, uma pia e ingredientes para as várias pizzas que estavam sendo preparadas. Do outro lado as pessoas trocando memórias e risadas. Fui pegar sorvete. As pessoas estavam servindo sobremesa em uns pratinhos plásticos. Pedaços de bolo e de uma torta que alguém preparou para não aparecer na visita sem levar nada. Eu achei que o sorvete também seria comido naqueles pratinhos de plástico e fui me servindo. Mas o pratinho foi tirado da minha mão por mãos ágeis e uma voz que disse: não, esse não. Melhor pegar esses daqui de metal, que pra sorvete são melhores. A agilidade do ato contrastava com a idade das mãos. Mãos enrutadas. Quantos anos tem a dona Cida? Oitenta e dois? Oitenta e cinco?


Depois do ocorrido fiquei reparando nela. Não era de falar muito. Apenas estava seguindo as pessoas mais animadas, receosa de perder as melhores partes da conversa. Estava sempre a distância, mas sempre atenta a tudo o que era dito e sempre com um largo sorriso no rosto. Em diversos momentos, nas piadas ou nos momentos mais discontraídos, eu olhava para a dona Cida e podia vê-la gargalhando sozinha.
Os assuntos eram variados. Falamos de viagem. Como as pessoas gostam de falar de viagem. Os que já foram se orgulham de suas histórias, e os que ainda não foram sonham com as maravilhas por serem vistas lá longe. Lugares bonitos, comidas deliciosas, causos inusitados nos hotéis, nos carros alugados, nas inusitadas comunicações improvisados entre idiomas que não se entendem. E a dona Cida lá, rindo feliz ao ouvir tudo aquilo.
Tudo estava ótimo. A comida. O vinho. A cerveja. A simpatia das pessoas. Mas nada superava a alegria da dona Cida. Uma alegria transbordante e ao mesmo tempo auto-suficiente.


As horas foram passando e algumas pessoas começaram a ir embora. Responsabilidades de família. O filho pequeno já morto de sono. O compromisso do dia seguinte que não poderia esperar.


Carlão, o dono do apartamento, era de uma alegria crescente. Resgatava dos confins das memórias a justificativa para um apelido esquecido. Uma lembrança de como tais e tais pessoas haviam se conhecido. Histórias daquela vez em que havia uma barata no quarto do hotel. Conversas iam se desenrolando.


Onde estava a dona Cida? Fiquei curioso, procurei ao redor e a encontrei. Ela estava já à pia. Em pé, lavando a louça. As formas de pizza, os pratos para as comidas diferentes que as visitas trouxeram. Olhar atento no trabalho, ouvidos atentos nas conversas. Já conhecedora daquelas histórias todas, não se entediava em ouvi-las. Bastava o anúncio de uma história e antes mesmo da conclusão, lá estava a dona Cida rindo sozinha, olhando para a louça.


Conheço pessoas que nunca viajaram e conheço pessoas que viajaram muito. Mas poucas... pouquíssimas pessoas encontrarão, em qualquer recanto do mundo, o que a dona Cida consegue ter em si própria o tempo todo: essa auto-suficiência em paz de espírito. Essa disposição a curtir o que há de mais alegre no ambiente sem se abalar pelo que há de negativo na situação. Ela é uma sogra ali. Quantas sogras na situação dela não iriam amaldiçoar a quantidade de louça para lavar, negando-se ao serviço e passando-o a outra pessoa. Quantas e quantas sogras não iriam se entediar por ouvir uma piada pela duzentézima vez?


Não é pela louça lavada. Não é pela falta de protesto com as histórias. Minha admiração pela dona Cida não é pelo que ela vem fazendo aos outros. É pelo que ela faz a si própria. A mairia das pessoas vai sair do Brasil, vai viajar para um país distante em procura de algo, de uma alegria, e não encontrará alegria tão grande como a da dona Cida.


Existem dois tipos de viagem que as pessoas podem fazer na vida. Uma delas é exterior. Comprar uma passagem. Deixar o avião te levar. Contratar um guia turístico. Tirar a foto para mostrar para amigos e familiares. A outra viagem é interior. Ninguém sabe onde comprar a passagem. Não há um guia turistico dizendo o que encontrar. A bem da verdade, para os segredos dessa viagem interior, não temos a quem perguntar nada... são mundos desconhecidos que ninguém visitou antes. Por isso mesmo a maioria das pessoas deixa de fazer essa viagem. E passa a vida sem ter sequer consciência de quanta alegria está desperdiçando em instantes seguidos sofrendo pelas coisas erradas enquanto poderiam ser colecionadores de alegrias sem fim. Assim como a dona Cida, que mesmo sem nunca ter saído da cidade, era ali a pessoa mais viajada de todas.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Torneios invisíveis

Os países vão se enfrentar. Todos estarão assistindo.

Mas quando os egos se enfrentam, quem está assistindo, quem está torcendo?

Quando a bola no pé da lugar à metralhadora na mão, onde está a mídia, a opinião púbica, as torcidas?

Ensaiamos um despertar de consciência política ano passado. Estávamos nas ruas, mostramos para a polícia que a tentativa de silenciar uma centena de pobres coitados pode colocar dois milhões de jovens, velhos, adultos, trabalhadores de todas as espécies nas ruas de São Paulo. Mas não entendemos bem o porque de tudo aquilo. A história dos vinte centavos. Vinte centavos sim, importantes para muita gente. O desdém de tantos que falam "só vinte centavos" é o maior testemunho dos abismo de realidades entre as gentes desta cidade. Mas de lá pra cá...

Tinhamos marcado um gol. Um gol inesperado, no início do jogo, daqueles em que o goleiro nada pode fazer. O outro time não joga um futebol bonito. Mas é bem preparado e mais organizado. A TV. O governo. Os discursos. Fomos convencidos por imagens bem selecionadas de que nas manifestações só há vândalos. Fomos convencidos de que todos os problemas possíveis são culpa exclusiva de um único partido, mesmo vendo aquele outro receber acusações das mais graves, sofrer flagrandes gritantes de transporte de drogas a casos de propinas milionárias.

Acontece. Todo jogo tem disso. De repente um dos times dá uma tropeçada e é cartão vermelho. O outro, de repente, pode sair literalmente quebrando as pernas dos adversários que nada lhe acontecerá. Tiro de meta.

Vai ver é isso. Vamos ficar no futebol, que de futebol a gente entende.