domingo, 25 de fevereiro de 2018

Guitar Hero


Elas foram o símbolo de uma geração. E será que foram exatamente isso e mais nada? Refiro-me às guitarras. Li que suas vendas estão em declínio acentuado e que não apenas lojas mas as maiores fabricantes mundiais estão em dificuldades. Inclua aí a famosa Fender.

Talvez a maior ironia dessa transição seja que um dos emblemas da geração que está matando as guitarras seja um jogo chamado justamente “Guitar Hero”. Ao menos em minha família cometi tanto bullying com meu priminho quando ele se viciava no jogo que ele acabou indo atrás de um violão de verdade e de uma guitarra. Mas não pode ser apenas influência minha. Ele é mesmo mão na massa, um tipo cada vez mais raro na humanidade. Recentemen ele construiu um amplificador ele mesmo para usar com suas guitarras. Sim, comprou os componentes eletrônico, válvulas, placas, soldou tudo como se esperaria ver em uma garagem dos anos setenta ou ointenta.

Tenho a impressão de que as pessoas estão cada vez mais mergulhadas em virtualidades e desconectadas da profundidade do mundo. Os relacionamentos via Tinder e afins não permitem enxergar profundamente a outra pessoa.Combina-se um encontro em busca de alguns beijos ou sexo e ao primeiro sinal de prolema bloqueia-se a pessoa. Nada de entender os sentimentos do outro, anseios, cultivar a empatia. Volta-se à estant para procurar a próxima oferta. Nos discursos políticos temos uma avalanche de mentiras superficiais para corroborar nossas próprias visões, então por que perder tempo tentando raciocinar sobre os argumentos dos opositores? Toma aqui esse link e esse meme que dizem que estou certo, e pronto

Assim também, acredito, morreu o esforço de aprender a tocar um instrumento. Guitar hero já é distração suficiente para quem quer sentir-se um grande astro. E pode-se, já no primeiro dia, encarnar grandes hits. É a urgência dessa nova geração. Não há tempo para o passo a passo inicial. Acordes, posições. Não. Quer-se já o produto acabado. A música na ponta dos dedos. A opinião pronta em um link. O raciocínio terceirizado em um app.

A humanidade está desistindo de se relacionar como mundo real, por pura preguiça, e sem entender nem mesmo que, no processo, deixará de se relacionar consigo mesma.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Desarmados para o debate


Discussões sobre temas importantes como a política armamentista de um país deveriam ter duas dimensões: uma primeira dimensão, objetiva e uma segunda constituída de opiniões, preferências e valores pessoais. Na dimensão objetiva teríamos os fatos. Números, estatísticas para além de qualquer discussão e mesmo algumas implicações que vão além de qualquer disputa. E só então entraríamos em uma esfera de valores e preferências. Infelizmente não é assim que o debate se processa. Quando a discussão está em marcha, o que vejo é que efetivamente cada lado do debate está enxergando um mundo completamente diferente do outro. Diferente inclusive quanto aos dados objetivos. Um lado da discussão acha que nos Estados Unidos as armas resolvem o problema da segurança. E temos, claro, pessoas que acham que os EUA erram ao possuírem tantas armas quanto possuem. Mas existem dados para isso. É possível olhar as estatísticas de cada Estado. É possível conhecer o número de mortes associadas a armas de fogo. É possível fazer comparações entre países. É possível produzir um debate realmente rico olhando o mundo como ele realmente é. E, infelizmente, parece que as pessoas estão cegas aos dados.

Essa cegueira, por si só, tem dois aspectos. O aspecto da ignorância/arrogância e o aspecto da inaptidão técnica. A ignorância/arrogância está em não conhecer a informação, e acrescento a barra-arrogância porque muitas vezes as pessoas assumem que uma determinada informação é falsa quando esta lhes é apresentada simplesmente porque vai contra o que “já sabem” que é verdade. Para o bem ou para o mal, esta é uma característica humana e é muito difícil ir contra este instinto. Requer treino. E o segundo aspecto, o da inaptidão técnica, refere-se ao treinamento formal que é necessário para poder discutir números referentes a dados sociais. Compreender a diferença entre números absolutos e números per capita. Compreender o que são ajustes de algumas estatísticas com base na distribuição estária de diferentes populações. Compreender a diferença entre uma correlação estatística e uma comprovação de causalidade. A sociedade como um todo é absolutamente despreparada para uma ampla discussão nesse nível.

Minha própria opinião? Todo esforço é válido para promover um maior esclarecimento ao debate. Mas tenho, pessoalmente, me tornado mais e mais cético quanto à possibilidade de a geração atual aprender a compreender o mundo como precisa para chegar a boas decisões. Se há alguma esperança para a humanidade encontrar seus bons caminhos, acredito, essa esperança está nas próximas gerações. É nos jovens e crianças que devemos nos concentrar se quisermos ensinar todas as complicadas ferramentas de pensamento necessárias a compreender o mundo de modo a promover boas decisões. Os adultos atuais não tem mais tempo para ler, refletir e aprender tudo o que é necessário e, além disso, neles o aspecto de preconceito quanto às opiniões adquiridas já está solidificado demais. Os adultos não são apenas despreparados para um debate de qualidade; são, em geral, refratários a este.