domingo, 29 de março de 2009

Coragem

Há algo de errado com as frases que nunca foram ditas. Ou, no mínimo, algo de estranho. Com os pensamentos que nunca foram pensados. Explorá-los é asfixiantemente encantador. É essa angústia de preciso-voltar-logo querendo e querendo continuar a ir. Sinto essa asfixia quando sinto meus pensamentos se concretizando em palavras antes de eu ter sondado o quanto eles eram pensáveis. Porque aí faço perguntas que não devia. Faço conjecturas nada éticas, confesso desejos humanos demais. Defendo um ideal muito inatingível. Pensar livremente é assim tão simples quanto ser o que se é. E por ser o que se é, se é diferente, pois isso ninguém faz mais. E por ser assim tão diferente no mundo dos iguais, se fica sozinho. Junto com o deslumbre de um novo e encantador mundo, uma biblioteca gigante em que se entra pela primeira vez, vem esse frio da solidão de um parque vazio no inverno: você de bermuda e camiseta regata. Quando se é assim simplesmente o que se é, lembrando de alguém escondido sei lá aonde dentro de nós, nascemos também para fora, com toda a dor de nascer de novo. Mas agora a dor não é na carne, é nesse outro universo em que nascemos. E com as lágrimas desse mundo metafísico diferente, é impossível, nesse novo nascer, evitar chorar de novo. O desespero incontido poeticamente belo do choro de um bebê.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Dependente

Dois minutos se passaram e eu ainda não recebi nenhum e-mail. Será que eu não tenho mais amigos? Será que o mundo parou? Entrei no Orkut, mas não tinha notícia nenhuma na comunidade "O fim do mundo" sobre o mundo parar.

Conectei o MSN, o Yahoo! Messenger, o ICQ e o mIRC para ver quem estava por perto. Conheci uma moça muito bonita, tinha olhos lindos, o corpo na medida que gosto, mas ela tinha conexão discada e caiu a linha. Azar o dela.

Três minutos. Nenhum e-mail para mim. O mundo parou. Eu travei, esperando uma resposta. Eu travei, não sabendo sobre o que seria a resposta.

Não quero aceitar que nada inesperado aconteça voltado a mim. Onde estão os e-mails? Quero ser só uma engrenagem empurrando dentes de uma máquina que não entendo, sem pensar.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Entrevista

-Quando o senhor vendeu as fazendas então, não havia mais esse problema?

-Não, não havia mais. Eles já eram crescidos, todos. Também não queriam ir para lá só a lazer, por livre vontade, e a mãe concordava. Então que ficassem na cidade.

-Onde o senhor não aguentou muito tempo.

-Pois é. Voltei para o campo. Eu cresci lá, vivi lá, prosperei lá. Sempre tinha parente indo pra alguma cidade. Cidade grande. Mas o campo me deu muito. Riqueza inclusive. E eu acabei voltando.

-Então isso é mais uma ligação emocional mesmo?

-Ah sim. Mas não sei se posso dizer que foi por isso, pois aí não seria de todo coerente...

-Por ter deixado seus filhos na cidade?

-Sim, pois emotivamente, sinto falta deles também. Meu passado está no campo, mas minha vida são meus filhos, e eles estão longe. Sinto falta deles. De alguma forma senti que eles tinham que viver a vida deles, mas eu não queria que isso fosse longe de mim.

-Mas o senhor está complicando tudo. Temos que decidir logo o que vou fazer da sua alma. Mas nem você sabe se era amor à libedade deles ou egoísmo possessivo com seu passado e suas lembranças...

Longe

Uma tábua de madeira sobre a calçaca, cobrindo uma manutenção de rotina no pavimento. As pessoas andando. E as cenas típicas, as piadas despropositadas... Tudo acontecendo ali. A situação inusitada, os comentários, as fotos. Um cruzamento na cidade grande e lá muitas pessoas fazendo do inútil o objetivo final, dando-se à alegria com gosto.

Sorri um sorriso desacompanhado. Não que não houvessem pessoas comigo. Mas simplesmente não haviam outros sorrisos ao lado do meu. Quando se esmiuça o mundo assim com os pensamentos que vão perguntando o que está por trás de cada parede... vão surgindo salas escuras.

Ah! Mas que é que estou fazendo aqui? Sei que fui aonde não devia, me perdi por esta e aquela viela das pessoas que ficaram ao meu lado.

Vi uma criança sorrindo um sorriso expontâneo com seu amigos. Vi as duas sorrindo um sorriso só a uma cena que, em si, não mereceria tanto, não fosse o trabalho árduo daquelas crianças que havia pouco garimparam o duro simples do mundo atrás dos tesouros escondidos.

Sorri um sorriso desacompanhado. Mas olhei de volta, deixando de lado as salas escuras. Olhei à volta. Olhei... olhei que volta.