domingo, 29 de maio de 2016

InstaLife

A gente publica as fotos esperando os contornos dos corações seja preenchidos de vermelho.
Maravilha esse Instagram.
Podíamos fazer os mesmos com os sorrisos e com a vida.
Mostrar mais sorrisos por aí esperando que os corações todos se preencham.

Ignorante

Não posso me considerar um ser humano digno de tanta riqueza existencial até que eu aprenda a distinguir devidamente maias, astecas e incas.

Réus

A conversa estava normal, tal qual esperado, até que ela, casualmente, confessou: "escrevo poesias, mas só vão ler depois que eu morrer!". Como podem as palavras restarem ali fechadas, mudas? É um paradoxo, é uma violência. E, ainda assim, o mesmo sucede a todos os espíritos seja em poesia escrita ou pensada. Diga, ó Deus, que se há um crime do qual toda a humanidade é culpada então é este: nos mantemos em cárcere privado, não é?

A consciência política

Eu acho que todos os nossos problemas se reduzem, em última análise, a um amplo problema de educação. Aqui com Temer. Nos EUA com Trump. Sem falar em Felicianos e Malafaias e Bolsonaros. Show de horrores. Falta às pessoas uma consciência existencial maior. Podemos não ter respostas completas e definitivas, mas já temos respostas profundas o suficiente para questões como "Quem somos?" e "De onde viemos" para rechaçarmos posturas retrógradas diante de outros seres humanos e de decisões políticas apoiadas em bobagens. Mas falta educação política. Falta consciência de que a sociedade está em nossas mãos e de que não devemos usar este poder apenas em benefício próprio. Devemos nos importar também com os outros. Como mudar para um mundo em que exista essa consciência?

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Mudanças

Cortar o cabelo. Mudar a cama de lugar. Comprar uma camisa de cor diferente. Ir a um restaurante em que ainda não fui. Mudar de casa. Pedir demissão. Trocar de emprego. Trocar de cidade. Trocar de sonhos. Trocar de vida. Trocar de reclamações. Trocar de exclamações. Provar diferentes interjeições. Mudar olhares. Mudar as preces. Deixar de me secar com precisão cirúrgica depois do banho. Trocar de espírito.

Efeitos

Agora a família tem WhatsApp. Não conseguimos mais nos ver. Moramos em bairros diferentes. Em cidades diferentes. Em países diferentes. Mas, finalmente, podemos dar bom dia e boa noite em tempo real. Contar dos causos do dia. Dizer que vimos um cachorro bonito ou contar que a janta não está assim tão boa. Só espero que esta tecnologia maravilhosa não nos acostume à distância. Com sorte terá o efeito contrário: nos deixará mais ansiosos pela proximidade completa.

Não aprendi dizer adeus

Nem sei contar os anos. Vim aqui tantas vezes. Fiz deste lugar minha casa. Vi pessoas daqui chegarem. Partirem. Partirem até mesmo da vida. E agora é minha vez de ir, mas não desta vida. Vou para um outro lugar. Desemprego ou um novo emprego. Ainda não sei. Mas é hora de caminhar. Finalmente estou cortando o cordão umbilical. Embora a idade já seja avançada posso dizer, num certo sentido, que é agora que estou me tornando adulto. Sendo, finalmente, jogado ao precipício. Tudo para ver se aprendi a voar.

Vida nos sebos


Eu descia a Vieira de Morais a pé. Mochila nas costas com computador, máquina fotográfica, kindle. Essas coisas que levo sempre por aí. Restaurantes. Lojas de chocolate. Petshops, as mães levando filhos e filhas para comprar brinquedos para os cachorrinhos. Cenas de um país em crise.

Até que vi aquela imagem inconfundível. Uma pilha de livros à porta. Um sebo. Entrei.

Explorei o que pude. Romances. História. Livros de viagens. Livros antigos. E então...

A trilha sonora. O som inconfundível de um violão sete cordas acompanhando. Perguntei qual era o CD que estava tocando. "Homenagem a Toco Preto", de Agnaldo Luz, Luizinho 7 cordas & Regional". Resolvi comprá-lo. E então o responsável pelo sebo olhou para mim e disse:

- Não vendo!

Achei muito simpático da parte dele. Porque eu sou desse tipo de pessoa que acha que os outros estão brincando e sendo simpáticos. Só que ele estava falando sério. Muito sério!

Ele sugeriu que eu voltasse outro dia. Talvez uma semana depois.

- Mas eu não moro por aqui, e não passo sempre por aqui!

Um outro cliente perguntou onde eu morava. Contei. Logo mais outros clientes se juntaram em um lobby pela minha causa.

- Vende o CD pra ele! Veio de tão longe!

Começaram a zoar.

- Veio a pé... é um peregrino da música... fez promessa!

Rindo, o dono do sebo me vendeu o CD. Algo arrependido de se distanciar de tão boa música, mas contente pelo que se passara ali.

Sebo é vida.

Vulnerável

Descobri na prática o que todo brasileiro já sabe. Posso ser roubado. De repente eu chego em casa e minha televisão não é mais minha. Saiu por aí sem dar notícias. Meu computador se foi. E com ele meus textos, ideias, meus arquivos baixados. Músicas e filmes que eram tão meus. Felizmente meus livros sobreviveram. Ou infelizmente: me dou conta, no meio de um alívio até então reconfortante, que os ladrões não se interessam a mínima pelos meus títulos. Já tem um tempo mas, desde então, vivo com medo. Quero colocar trancas em tudo. Quero levar minhas coisas comigo. Neurótico. Não deixo nada em casa. O carregador do celular. A máquina fotográfica. Vai tudo comigo. Como se não pudessem me roubar na rua. Como se, no caso de roubo, fizesse sentido poder dar um último adeus.

Cadernos velhos

- Achei quatro cadernos lá em casa. Cadernos velhos.
- E o que tem neles?
- São diários.
- Diários! Você tem diários guardados! Vai deixar eu ler algum dia?
- Não. Eu li um pouco. Acho que não quero ler mais. Estou em dúvida sobre jogá-los fora ou não.
- Como assim? Mas são seus cadernos, sua história! E quatro... quatro! Você escreveu em todas as folhas né? Você não é de fazer desenhos... sair pulando linhas... escreveu em todos os cantos, não é?
- Sim...
- E por que quer jogá-los fora?
- Quanto tempo perdido, sabe... Fico lá... apaixonado por esta ou aquela menina, todo carente, todo mergulhado em existencialismos... Acho que é um passado um tanto quanto patético. Tempo jogado fora. Eu poderia ter feito outras coisas.
- E jogar o caderno fora muda isso, de algum jeito?
- Não quero cultuar esse passado de modo algum. Não quero mergulhar nunca mais nessas tristezas. Deveria ter sido muito mais prático com meus sentimentos. E fico me perguntando se não sou assim ainda... E então não quero mais ser. Não quero ser assim nunca mais. Eu que vá fazer algo da vida. Escrever um livro. Viajar para algum lugar. Conhecer alguém. Viver de verdade. Olho aqueles cadernos e, agora velho, imagino ali em algum quarto um menino com caneta na mão. Escrevendo e escrevendo e escrevendo. Que coisa mais patética.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Arqueiro

Quando pratiquei tiro com arco aprendi o seguinte: não devemos olhar para o oponente. Nosso tiro é unicamente nosso. Olhar o oponente em nada irá ajudar, pelo contrário. Irá causar distração. Irá tirar a capacidade de a mente focar completamente em meu próprio tiro. Vou ter pensamentos sobre o que o meu oponente está fazendo e vou me distrair. O mesmo vale, acredito, para a música. E para a vida.

domingo, 22 de maio de 2016

Mistérios

Não sei se vai dar tempo de entender tudo. Eu, nessa idade em que estou, já quase morri algumas vezes. Pela bala de uma arma. Pelo ônibus desgovernado. Pela picada do escorpião que vi de última hora. Por aquela febre inacreditável que quase explodiu o termômetro. Não sei se vai dar tempo de entender tudo. Entender, por exemplo, essas reuniões familiares em que pessoas tão diferentes passam o final de semana juntas. Discutindo. Discordando sobre tudo. Teimando. Irritando-se mutuamente. E, no fundo no fundo, amando-se de um modo profundamente incondicional.

Que se exploda

Eu gostaria de me importar mais com política. Brigar pela volta do Ministério da Cultura. Explicar a diversos amigos meus porque eles estão sendo idiotas a tirar conclusões sobre pessoas e sobre políticas com base em piadinhas da internet. Gostaria de ridicularizá-los tal e qual eles ridicularizam pessoas e instituições que não conhecem, a fim de fazê-los provar do próprio veneno.

Mas no fundo, sinceramente, eu quero que se exploda.

E eu acho que sou simplesmente humano. É o que a humanidade está fazendo. Cuidando da própria vida e o resto que se exploda.

No fundo é assim que teremos sucesso.

No fundo é isso que vai garantir a explosão de tudo.

sábado, 21 de maio de 2016

Máquina desregulada

Acho que essas ondas alternadas de frio e calor lembram diretamente um sistema dinâmico em processo de desestabilizá-lo. Não iremos descambar diretamente para uma super e contínua onda de frio ou calor. O aquecimento global está ocorrendo mas o que veremos é uma oscilação com amplitudes progressivamente maiores de frio e calor. A média aumenta mas o mais importante para o planeta será a maior violência das alternâncias de estação.

Prompt 01

It was broken, but she was determined to fix all her hopes. One could not say it would be easy. It wasn't only herself. The city was a chaos. The country politics was a mess. The whole mankind, it semmed, was loosing grips from the proper course of history. So it wasn't just for her daily dreams. She was a part of the whole. Her doughter was having problems. But carbon dioxide was rising and no one else was doing a thing. She should be looking for a better job, but people kept dying from poverty and hunger in half of the country and no one really cared.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Perfis

Tem gente inacreditável no mundo. Gente que foi repórter da Globo por muitos anos. Depois decidiu mudar para a aviação. Abandonou tudo e virou piloto. Aí decidiu ir morar nos Estados Unidos e ter a filha lá para dar a ela dupla cidadania. Aí trouxe um monte de aviões dos EUA para o lado de baixo do Equador. Aí finalmente os anos se acumularam e não se deu por vencido: dá instrução de voo em simuladores em uma escola ao lado de Congonhas.

Designorantes

 

Cuidado aí, sabidão

Com suas arrogantes indiretas

Que de minhas palavras tortas

Saem muitas ideias retas

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Futuro

Jovem. Não tem dez anos ainda. Um doce, menino do bem. Coração puro. Mas os amiguinhos o convenceram a atirar um saco de lixo do terceiro andar da escola. Por sorte não acertou em ninguém lá embaixo. Os "amiguinhos" usaram nada mais do que pressão psicológia. "Você NÃO É HOMEM de jogar esse lixo lá embaixo, é?" Desafio aceito. Ao chegar em casa, depois da suspensão na escola, a mãe lhe daria uma enorme lição sobre princípios e a importância de resistir à pressão dos outros. Acho que mais adultos deveriam ter passado por uma experiência dessas...

Guilherme

- Boa tarde amigo, com licença? Teria aí dois reais? Um real? Pra me ajudar...
- ...
- É pra comprar uma marmita, compro ali na frente...
- ...
- Custa quinze reais, lá eles fazem uma boa a quinze reais.
- ...
- Achar lugar pra dormir na rua é foda, sabe? E não dá pra dormir sempre no mesmo lugar.
- ...
- Tem os skinheads.
- ...
- Sim, uma vez chegaram a jogar gasolina em mim. Eu fugi, saí correndo mas cheguei a levar uns chute.
- ...
- Não, sou do sul. Tinha minhas crianças, mas aí não deu pra ficar aqui. Ficaram com minha mulher. Minha ex-mulher. Pelo menos consegui um canto pra elas, sabe?
- ...
- Um barraco. Dei dois mil no terreno. É pouca coisa, mas é um espaço que conquistei. Na verdade foi de assentamento. Mas hoje tem um lugar lá. Um barraco de madeira. Mas coloquei uns móveis lá pra eles. As crianças tão lá.
- ...
- Treze anos. Ela tinha treze anos quando eu engravidei ela da primeira vez. Daí depois a gente teve mais dois. São três filho, sabe? Num dá pra ficar aqui na rua com eles não. Lá é melhor...
- ...
- Tenho vinte. Hoje tenho vinte...
- ...
- Tô com um ferimento na perna também. Precisa de uns remédios, sabe? Anti-inflamatório. As feridas ficam estourando. Daí infecciona. Porque não tem onde tomar banho.
- ...
- Noite fria é foda, mas esses dias tá de boa.
- ...
- Água? Pode ser um refri? Sabe, né? Tem uma glicose, já dá um grau melhor nas energia. Daí a gente vai levando...
- ...
- Obrigado, deus te abençoe!

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Crise

Demissão. Eu me ofereci. Me demitam, me demitam! Feliz. De repente, feliz. Documentos para o RH. E a moça do outro lado da escrivaninha com aquela cara de velório. E eu ansioso: onde eu assino? Onde eu assino? É a crise. Crise.

Substância

Quanto menos leio, menos sou eu. Entrar nos pensamentos alheios. Mas assim também o fazemos ao viajar. Entrar nos olhares. Os cheiros dos lugares. Os sons que nos abraçam nas caminhadas e em nossas distrações. As infinitas variações dos copos de café. Quanto menos viajo, menos existo.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Resumo

Ele estudou eletrônica mas queria mesmo é ter o próprio negócio. Dizia que vendendo poucos pastéis por hora era possível ter uma renda melhor que de assalariado. A mãe se desesperada. Mas, divorciada, não tinha profundo controle sobre o filho mais velho. Que comprou uma bicicleta das mais caras quando terminou o primeiro grau e depois se presenteou com um carro e uma moto ao terminar o colégio. Em boa parte com o dinheiro da mãe. Abriu uma loja de peixes ornamentais. Teve problemas com o sócio. Conheceu uma jovem determinada e impulsiva como ele. Casaram-se. Morou na casa dos fundos por um tempo. Teve uma filha. Mudou-se para o interior. Construiu uma casa perto da casa dos sogros. Voltou a ser empregado mas assim que pode comprou a pequena empresa de eletrônica. Teve uma segunda filha. Está cansado dessa vida de indústria e multímetros e cheiro de ferro de solda. Comprou um terreno enorme e está montando um canil.

Pai

Meu pai era todo diferentão. Ele não era assim de falar com as pessoas, sabe? Sei lá, tinha o mundo dele. Nessas, até que o véio fez muita coisa. Fez coisa pá caráio. Mas arranjou muita treta também. Porque brigava com a família, com os amigos. Na verdade as pessoas é que brigavam com ele, porque ele não fazia por mal. Enfiava um objetivo na cabeça e saía reto, direto. Nessas, comprava máquinas pra fazer motores, peças. E se os negócios não davam certo ele continuava com o objetivo fixo na cabeça. E acabou vendendo casa, carro, a chácara. Foi tudo. O véio era foda. E ele era mergulhado no mundo dele. Lembro de uma vez... A gente tava no carro. Ele ia guiando e minha irmã tava contando de uma prova de inglês. Ela tinha tirado nove. Porra meu, nove! Nunca tinha tirado uma nota assim. Daí ela falou, né: pai, fiz prova de inglês, tirei nove! E o véio lá, olhando pra frente. Mão no volante. Guiando... Pai! Ela insistiu. Tirei uma nota nove, na prova de inglês! E ele olhando pra frente. Olhava pros lados pra fazer a curva. Daí eu virei pra mana e falei, quer ver só? E falei pro velho, olha, aquele giclê ficou torto, não ficou bom não. E na hora o véio, olhando pra frente, falou, o giclê vai ter que mexer de novo! Olhei pra mana... Eu não disse? Assim só que o véio fala. Não tá nem aí pro resto não. E a gente cresceu assim. Acostumado que a gente ficava no nosso mundo e ele ficava no mundo dele.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Só avisando

...que qualquer hora dessas volto a escrever.  Espero!