O Sol já o fazia suar, queimava sua pele, mas ainda não havia conseguido derreter o sono que pesava sobre seu corpo prendendo-o à cama. Por vezes o incômodo provocado pela luz era enorme. Abria o olho. Remexia-se. Olhava, cabeça caída ao lado da cama, os livros jogados pelo chão. O despertador derrubado da mesa. Já cerca de quatro horas haviam corrido após a primeira vez que o aparelho tocou pela manhã.
Bebida era algo que não faltava. Todos se divertiam, riam sem dispor de muita concentração para pensar se havia mesmo alguma razão para tal.
Três da tarde. O Sol já não incomodava mais seus olhos. Já não havia razão para lutar contra o sono.
Comemorações. Sorrisos. Abraços. Os amigos se reencontram. Xingam-se numa expressão quase selvagem do mais profundo apreço, vestido de manto nenhum de educação ou compostura. Os mais íntimos procuram-se para dividir as comemorações.
Troveja lá fora. Com a chegada da noite vai ficando insuportável continuar dormindo. Cansa. Ele levanta. Vai até a cozinha. Debruça-se na janela olhando a paisagem lá longe. Horas passam, várias horas.
segunda-feira, 31 de março de 2008
Fiquei
Eles se foram todos, estes seres cuja ausência me deixa um pouco mais longe de mim. E só os deixei ir para ver se assim encontro minha ausência aqui em algum lugar esperando. Esperando para me ver de novo. Ver de olhar nos olhos. Gostar assim não é bom. Não, não é bom. Gostar assim dilui. Gostar assim evapora. Gostar assim é estranho. Gostar é bom alguma vez? Temo ter ido muito contra meus sentimentos quando resolvi lhes dar ouvidos. Não são para ser assim as pessoas. Não. Tem coisa que os outros parecem encontrar quando desistem de buscar. Não entendo a simplicidade. Não me acolhe essa idéia de ter as coisas assim. Algumas honras em que aprendi a acreditar... Causam admiração nos olhares mas aí os passos são todos para trás, e vão ficando todos para longe. Quando será o contrário?
Fraqueza insuportável pela fraqueza que eu não suporto de insistir em suportar esse contínuo desistir de teimar em não se conter. A noite não me engole mas esse vazio dos outros que se foram vem vindo. Embreaguês de pensar na bebida. Repugnância de pensar nos desejos todos de infância que se consumarão mutilados e esquecidos naquele momento em que será celebrada a mais doida e incontida anomalia coletiva. Ou não. Ou estou errado. Ou sou um sozinho. Ou sou um desconectado. Só sei rir sozinho de minhas realidades ininteligíveis. Ou quero ir muito além de onde se deve, e ninguém quer se mostrar tanto assim. Assim como eu, ninguém jamais abraçará com todas as forças seus mais íntimos segredos quando estiverem bem diante deles.
Eles se foram todos. Lá no meio foi um sorriso. Um olhar. Uma voz. Um anseio que eu gostaria de compartilhar. Uma alegria que eu gostaria de dividir. Uma vivacidade que eu gostaria de abraçar. Mas não me contento com pouco, e não tenho muitas boas maneiras para lidar comigo mesmo. Resta apenas esta mutilação das sinceridades de meu coração.
Fraqueza insuportável pela fraqueza que eu não suporto de insistir em suportar esse contínuo desistir de teimar em não se conter. A noite não me engole mas esse vazio dos outros que se foram vem vindo. Embreaguês de pensar na bebida. Repugnância de pensar nos desejos todos de infância que se consumarão mutilados e esquecidos naquele momento em que será celebrada a mais doida e incontida anomalia coletiva. Ou não. Ou estou errado. Ou sou um sozinho. Ou sou um desconectado. Só sei rir sozinho de minhas realidades ininteligíveis. Ou quero ir muito além de onde se deve, e ninguém quer se mostrar tanto assim. Assim como eu, ninguém jamais abraçará com todas as forças seus mais íntimos segredos quando estiverem bem diante deles.
Eles se foram todos. Lá no meio foi um sorriso. Um olhar. Uma voz. Um anseio que eu gostaria de compartilhar. Uma alegria que eu gostaria de dividir. Uma vivacidade que eu gostaria de abraçar. Mas não me contento com pouco, e não tenho muitas boas maneiras para lidar comigo mesmo. Resta apenas esta mutilação das sinceridades de meu coração.
quinta-feira, 27 de março de 2008
A difícil vida de um pseudônimo
Acordei outro dia, dia como qualquer outro. Moleza do sono resmungando contra um relógio ainda insistente. Tentei lembrar como era o sonho que ia se indo por entre meus dedos, embora pra nunca mais. Vozes, uma paisagem... Qual era o enredo? Como era mesmo aquele cheiro? Pensei nos meus compromissos do dia. Pensei no café da manhã. Mas deixei um pedaço de meus devaneios se ocupar de coisas mais distantes. Perguntas que não dão dinheiro, cenas que não custam nada... Fui pra longe, comecei a ouvir músicas que não tocavam ali. Comecei a pensar em palavras que eu jamais falaria; frases que eu jamais escreveria. Quando dei por mim, era inescapável: já tornara-me alguma espécie de outra pessoa. Eu jamais faria coisas que, perdidas ali na minha imaginação, agora eram minhas pra sempre. Olhei no espelho e vi: sou só um pseudônimo.
Desespero. Senti o chão sumir nos medos de não ser ninguém. Entendi que minha história era cada vez mais uma mistura pastosa de fatos e vontades, de lembranças e invenções. Eu não sou de verdade! Aí o alívio: e quem o é?
Escovei os dentes mas a escova não machucava a gengiva. Eu estava então do outro lado do espelho e vivo dali adiante neste mundo. De sensações que existem quando eu invento. De mundos que são concretos quando fecho os olhos. Controle. Liberdade... Mas as coisas não são feitas só com a metade boa do maniqueísmo. E assim é que esta minha condição implica em muitas coisas. Junto com a sede de abandonar todas as minhas histórias para inventar outras, fiquei sem nenhuma... Sou retalhos de idéias. Sou rascunhos misturados. E o doloroso é que às vezes vou pra gaveta. Às vezes fecham o caderno velho e não escrevem nada. Às vezes vejo fotos dos meus filhos mas não sei ainda quando nasceram. Às vezes fui viajar, às vezes nunca fui.
Tenho o infinito pra mim como que uma posse mágica: futuro e passado são o que eu quiser. Mas, estranho descobrir isso depois de fugir pra longe correndo: esse insignificante ponto na eterna linha do tempo me faz falta... O presente tem lá seus caprichos. Na imutabilidade dura do mundo que se impõe está uma poesia que não se inventa, que não se toma em posse. Transfigurei-me em pseudônimo para sentar no alto desta montanha de abstração e olhar de longe, com toda a inveja que sente quem aprecia de fora, o realismo fantástico das coisas que são simplesmente assim: são.
Desespero. Senti o chão sumir nos medos de não ser ninguém. Entendi que minha história era cada vez mais uma mistura pastosa de fatos e vontades, de lembranças e invenções. Eu não sou de verdade! Aí o alívio: e quem o é?
Escovei os dentes mas a escova não machucava a gengiva. Eu estava então do outro lado do espelho e vivo dali adiante neste mundo. De sensações que existem quando eu invento. De mundos que são concretos quando fecho os olhos. Controle. Liberdade... Mas as coisas não são feitas só com a metade boa do maniqueísmo. E assim é que esta minha condição implica em muitas coisas. Junto com a sede de abandonar todas as minhas histórias para inventar outras, fiquei sem nenhuma... Sou retalhos de idéias. Sou rascunhos misturados. E o doloroso é que às vezes vou pra gaveta. Às vezes fecham o caderno velho e não escrevem nada. Às vezes vejo fotos dos meus filhos mas não sei ainda quando nasceram. Às vezes fui viajar, às vezes nunca fui.
Tenho o infinito pra mim como que uma posse mágica: futuro e passado são o que eu quiser. Mas, estranho descobrir isso depois de fugir pra longe correndo: esse insignificante ponto na eterna linha do tempo me faz falta... O presente tem lá seus caprichos. Na imutabilidade dura do mundo que se impõe está uma poesia que não se inventa, que não se toma em posse. Transfigurei-me em pseudônimo para sentar no alto desta montanha de abstração e olhar de longe, com toda a inveja que sente quem aprecia de fora, o realismo fantástico das coisas que são simplesmente assim: são.
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sexta-feira, 7 de março de 2008
Gerentes engravatados. Macacões engraxados. Estalos metálicos. Cliques de mouse. Aço grunhindo. Telefones tocando. Todos ali, paredes apart. Contas do mês. O futebol de quarta. Reformas na casa da praia. Chamar amigos pra encher a lage do puxadinho. Todos ali, paredes apart. Planilhas de cálculos. Gambiarras e improvisos.
A maldição da elite é ter intelectualidade suficiente para tentar planejar a própria felicidade. A maldição da plebe é ser tão visceralmente humana quanto qualquer outra inveja infundamentada.
À noite. Dois lares diferentes. Crianças pulam aos pescoços que voltaram do trabalho. Seriam ambos iguais?
O bom da pobreza é que ela abstrai em sonhos distantes as artificialidades fúteis da vida. Ninguém deveria existir além de seus momentos humanos.
Trânsito. Ar condicionado. Trânsito. Ônibus lotados. A mesma avenida. A mesma cidade. A mesma economia. De quem são os muros?
São milhões de pessoas na megalópole. Todas acreditando que seus conhecidos próximos são os únicos honestos e confiáveis do mundo. Vamos desconfiar de todos nas ruas... este é um denominador comum dessa gente, não importa que panos usem. A diferença é que a plebe não consegue comprar seu particular cenário de ignorância e é forçada a misturar-se ao mundo dia após dia. E no meio de tanto cansaço, nem sabe a bênção que é...
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