quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Trabalho pela frente

Há algo na liberdade de escrever que é intimamente conectado à liberdade da vida, de modo mais amplo, mais geral. Esse algo anda perdido, não sei bem aonde foi parar. Talvez eu tenha deixado em algum canto bagunçado no meu quarto. Há, ultimamente, muitos cantos bagunçados no meu quarto. Talvez tenha sido a rotina, com sua previsibilidade nunca inspirada e totalmente não inspiradora, que derreteu meus pensamentos até o ponto em que só se sente fácil pensar o que já foi pensado antes. Pensamentos novos andam proibidos. Vai que não agradam. Já pensou, ter pensamentos que não agradam? Sai de mim!

Estive lendo minhas páginas velhas, empoeiradas. Senti uma saudade dos dias passados. Um ano, dois anos atrás. Algo em mim estava melhor do que está agora. Não sei dizer bem o que é mas desconfio que o leitor saberá do que estou falando. Mudamos, sempre mudamos. Há momentos na vida em que sentimos um profundo orgulho de nosso momento presente. Há outros momentos em que o presente parece nos engolir. Aí olhamos para o passado e vem esse saudosismo entorpecente. Olhamos para o futuro e fica fácil, bem fácil, se perder em sonhos e imaginações bem diversos.

Eu vou me afogar em clichês, não tem jeito: o momento é de desafios, de aprendizado, demanda serenidade, preciso de confiança em mim mesmo.

Blá.

O discurso chega a ser tão chato que a tentação recai mesmo para soluções menos ortodoxas: deixa rolar, vamos ver no que dá. Hora de arrumar outras distrações para que essas esferas da vida que tanto perturbam se desgastem pela falta de atenção e aí de repente os problemas mudam de figura.

Do que diabos eu estou falando?

Eu sei lá! Emprego, vida amorosa, carreira, família.

São sempre os mesmos temas de sempre.

Que ser humano, na face deste redondinho pedregulho flutuante, teve já a competência de arrumar um tema genuinamente diferente? Religião? O futuro da humanidade? Um impasse cinetífico?

Sei lá, no fundo não somos tão criativos assim.

O que é bom. É nossa pieguice que cria gênios. Li o Caim, de Saramago. E li críticas diversas de religiosos e outros nem tantos. Muita gente gostou, claro. E muitas muitas outras odiaram. De repente Saramago narra uma cena de êxtase sexual. E um pessoal fica abismado, horrorizado. Acha um jeito de criticar: a narrativa não foi literária como seria cabível a um autor-nobel. O conhecimento bíblico do Saramago é pífio e amadoresco.

Pieguice que estabelece padrões e se amarra a eles.

Talvez um dia eu vire escritor ou qualquer coisa parecida. Mas que Alá me proteja, que os céus conspirem, que Deus me acuda... e que não me deixem, de jeito nenhum, virar uma espécie de crítico mal-almado.

Há aqui na minha escrivaninha um formulário com exatas quarenta e sete linhas. Preciso preencher o formulário. Doze linhas já estão preenchidas. São quase três da tarde. Vou até o banco, há uma conta por pagar. Fatura do telefone. Pagar por internet? Nem morto! Quem confia nessa tal de internet? Até eu escrevo o que quiser na internet, não dá pra confiar.

Falta um tipo de liberdade no meu momento presente e preciso sair para procurar. Depois de pagar as contas, quem sabe?

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