quarta-feira, 16 de julho de 2014

dos goles de vinho

Aí eu fico pensando no sentido de tudo isso e eu sei lá, não sei mesmo o que pensar. Estou aqui jogado, sozinho, meus medos e minhas raivas. Você está aí, indo dormir, ou conversando com suas amigas. O que foi que aconteceu neste final de semana? Um capítulo novo? Um evento novo? Ou aquela famosa gota d'água? Eu estou preocupado. Estou preocupado com a gente. Estou preocupado comigo. Vivo enfiando o pé pelas mãos. De certo modo eu sabia que ia dar nisso. Eu paguei pra ver. Quem não sabia? Você sabia também, não é? Tem sua parcela de culpa. Com uma diferença: agora é você quem quer que isso dê certo e sou eu quem está de saco cheio. Quem diria que a coisa poderia se desenrolar assim?

Eu estou solitário. Me sinto sozinho. Sozinho dessa solidão mais ácida, corrosiva e pesada: sozinho de mim. Tenho passado muito tempo com você mas me sinto abandonado. Porque eu passo muito tempo no seu mundo, vivendo os tempos como você gosta de vivê-los, falando das coisas das quais você gosta de falar. e meu mundo fica jogado ao esquecimento. Quero meus livros, minha música, meus passeios. Chega de sofá e filme, que isso é coisa pra depois da morte. Chega das histórias do seu trabalho. Você precisa de uma vida. É irônico que, nas brincadeiras da turma, voê seja a pessoa que mais teme envelhecer e quem mais tem crises com essa coisa de idade: você é a pessoa que mais cultua a velhice e o abandono do tempo como um ideal. Ficar jogada no sofá vendo TV sem fazer nada. Com tanta vida lá fora. Com tanta gente preciosa por conhecer. Lugares bonitos para ver. Bons momentos para experimentar.

Eu não sei o que vai ser daqui para a frente. Eu estou aqui no meu quarto sem conseguir ir dormir. A garrafa de vinho está pela metade. É tinto, Góes. Será que você gostaria desse vinho? O vinho nunca foi o principal para mim. Nunca vai poder ganhar das conversas que giram em volta do vinho. Amigos rindo, conversando, gostando da vida, gostando do momento. Sei que para você não é exatamente assim. Você tem seus padrões. As boas marcas para sapatos, relógios, roupas, vinhos. Sugiro procurar um namorado de marca, coisa que eu não sou. Sou um vira-lata até o fundo da alma. Quantas e quantas vezes eu quis acreditar que você gostaria de descobrir o melhor que se esconde dentro de você, mas vezes sem conta você insistiu em me desiludir. Se ao menos você soubesse gostar das pessoas com uma pequena fração do amor que tem pelos animais, então tudo estaria resolvido. Mas você tem um princípio, e é um princípio claro: vai sempre olhar tudo pelo pior ângulo possível, a não ser que seja uma das coisas sobre as quais tem um preconceito bom: dinheiro, Europa, marcas badaladas. Estou errado? Prove... Prove com algo inovador. Porque em um ano de convívio próximo eu nunca vi uma prova. E se está escondendo alguma grande prova de integridade do escrutínio do nosso convívio, então diga por que faz isso comigo. Por que me submeter a tanto.
Eu vou me perguntar e serei perguntado, diversas vezes... Errei em ir tão longe com tudo isso? Errei em dar tantos e tantos votos de fé a esta relação quando uma postura algo mais conflituosa teria colocado todos os pingos nos ís logo no começo?

Quando você falou mal das minhas roupas, depois de ficar chateado por um tempo decidi ir com você ao shopping e empreender uma profunda reforma no meu guarda-roupa, mas com uma condição: você se encarregaria de doar minhas roupas velhas. Você topou. Eu não estava interessado em roupas novas. Eu não ligo para roupas. Mas vivi em minha mente estúpida a imagem de você doando roupas e sentinto, ao menos por meio segundo, alguma compaixão de uma criança carente ou de um velhinho num asilo ou de sei lá eu que tipo de necessitado. Essa imagem, de você experimentando essa compaixão, e a alegria de fazer uma doação que deixava um estranho mais feliz, me tomou por completo e levei a idéia adiante. E, que eu saiba, as roupas ainda estão no porta-malas do seu carro. Cinco meses? Seis meses já? Passa rápido o tempo. Fiz minha parte do trato. A sua foi completamente ignorada.

Quando você falou mal de eu ir nos meus shows de chorinho, conversei a respeito e pouco tempo depois aceitei comprar por algumas centenas de reais um ingresso para ir com você em um dos seus shows de rock preferidos. De um artista que até então eu nem sequer conhecia. E você nunca entendeu esta trégua. Você tem certeza que eu gosto do roqueiro tanto quanto você e encara seu desgosto pela minha música como algo natural, instrinsecamente justificável.

Nenhuma concessão para você é aceitável. Seus princípios são absolutos e não estão abertos a uma leve e momentânea compreensão do outro. Você quer me ver feliz, eu sei que quer, mas desde que seja a sua felicidade. Minha felicidade é incompreensível demais para você. A garrafa de vinho está acabando. Espero que me ajude a dormir. Imagina só se todos os problemas da vida pudessem se resolver assim... com copos e mais copos e um pouco de esquecimento, não seria fantástico? Mas muitos já tentaram essa via criativa e até agora não funcionou. Sei que é um imperativo dos princípios empiristas que novas tentativas sejam feitas, e por isso ofereço à ciência meu esforço de hoje, gota por gota.

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