quinta-feira, 29 de março de 2018

Diagnóstico

Você está sendo narcisista. Quer atenção para você. Mas que atenção tem para os outros? O equilíbrio fica quebrado. A gente quer atenção, mas precisa doar também. Você diz que está solitária. E como eu me sinto pensando em todas as vezes que quis sua companhia e não tive? Pensando em como todas minhas ambições maiores foram deixadas de lado como se fossem gracejos casuais e em como todas as minhas demonstrações de afeto, preocupação e interesse nunca produziram um eco equiparável? Estou cuidando da minha vida. E você está pedindo mais ao mundo do que está disposta a dar. Ou, então, está vivendo a mesma coisa que todo mundo. Esse vazio carente de um maior contato quando ninguém sabe como romper essa barreira. E quando não conseguimos enxergar aquela pessoa que está realmente disposta a bisbilhotar nos nossos recantos escondidos.

terça-feira, 27 de março de 2018

Machismo não existe

- E o que é que as mulheres conseguiram neste ano, as feministas?
- Conseguiram que o prêmio de melhor cantora fosse para um homem. Conseguiram tomar uma surra de um homem no vôlei. Conseguiram deixar desempregadas as modelos da fórmula um. E também levaram uma surra de um homem na luta de MMA.
- Caralho, né velho?
- São umas arrombadas, chupadoras do cacete. Burras cara, muito burras.

Essa é a conversa que ouvi hoje dentre a minha equipe de trabalho. Sim, hoje, precisamente hoje, dia internacional da mulher.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Ensinei uma puta a falar inglês

Dia desses, colhi em meus ouvidos este depoimento:
-Cara, eu acho que essas pessoas que escondem as coisas das mulheres, das namoradas ou esposas, acho que isso aí não tá com nada. Sabe, quando eu fui na despedida de solteiro do Marcão, a gente estava no carro e meu celular tocou. Minha namorada. Todo mundo no carro ficou quieto. Mas depois ficaram boquiabertos quando me ouviram falar 'não mô, tô indo no puteiro com o pessoal, é despedida de solteiro do Marcão'. Ficaram até bravos comigo. Como assim falar uma coisa dessas? Mas acho que a gente não precisa viver mentindo. A única coisa que eu aprontei no puteiro foi... conseguir uma aluna nova. Fiz amizade com uma puta com quem fiquei conversando e ela me disse que sonhava em passar no vestibular mas não tinha condições. Caíam coisas muito difíceis, como inglês, por exemplo. E eu sou professor de inglês. Falei para ela. Combinamos uma primeira aula e ela virou minha aluna. Não sei se chegou a prestar vestibular, mas pelo menos no inglês ela avançou.

domingo, 25 de março de 2018

Gigantes

Li uma entrevista recente do Chomsky, agora que ele está com noventa anos. Como pode? Como pode essa percepção tão profunda sobre o mundo? Esse olhar sobre o tempo, sobre a civilização. Essa compreensão de diferentes atores da sociedade. Há pessoas que enxergam as coisas mais do alto. Não sei como elas fazem, mas fico admirado. O segredo está no tempo? Nas leituras? Nas viagens? Nas pessoas com quem ele interagiu ao longo da vida? De onde vem tudo isso? Fico admirado. Positivamente admirado. É uma esperança saber que é possível que pessoas cheguem a tanto. Talvez nós, meros mortais, possamos progredir ainda um pouquinho mais.

sábado, 24 de março de 2018

:)

A internet evoluiu... E-mails, HTTPs, mIRC, ICQ, MSN, Orkut, Chat do UOL... Facebook, e então a era dos aplicativos nos celulares. Mas nós, criaturas exóticas que somos, temos sempre um jeito especial de usar a modernidade. Eu, por exemplo, tenho essa coisa com algumas pessoas próximas: podemos não trocar longas mensagens, mas pelo menos uma carinha, feliz ou triste, curiosa ou espantada, enviamos via WhatsApp. É um "ping", um sinal de "estou aqui... está aí?". Só isso. E já é tanto.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Cegueiras

Há vários níveis de cegueira. O mais óbvio é a dos olhos. A que turva a percepção da luz que chega até o olho.
Há aí um paralelo direto com a leitura, com a discussão sobre analfabetismo. O nível mais básico de analfabetismo é aquele em que a pessoa não consegue sequer ler palavras individuais.
No caso da discussão sobre analfabetismo fica óbvio o que queremos dizer com "analfabetismo funcional". Ler as palavras não basta. É preciso compreender a frase. Compreender uma frase não basta. É preciso acompanhar a lógica argumentativa do parágrafo, do capítulo, do livro. É preciso conectar o que foi lido com um conhecimento de mundo mais amplo, exterior ao texto, de modo crítico e ponderado. E isso é raro.
Acontece que o mesmo se dá com a visão pura e simples. Há pessoas que enxergam apenas o que lhes chega aos olhos. E nada mais. Estão presas no tempo presente e na ilusão do momento. Não são capazes de compreender os relativismos do mundo ou enxergar os fluxos da história. Falo aqui de um número enorme de pessoas. Mas não se engane... Não estou me referindo apenas a acadêmicos contra não acadêmicos. Nem mesmo fazendo uma distinção entre místicos e não místicos. Ainda que você seja um cético com uma visão mecanicista do mundo, perceba que muitos místicos têm sim uma visão para além de suas cercanias imediatas. Se essa visão é uma descrição correta do mundo e da vida aí já são outros quinhentos. O importante, aqui, é a diferenciação entre quem coloca a percepção de seu momento em um contexto maior e quem não o faz.

quinta-feira, 22 de março de 2018

Argumentos

Falei com o fazendeiro, que já estava se tornando meu amigo, e ele me explicou que era comum a prática de exterminar invasores. Quando se escolhia esse caminho a única ressalva é que ninguém poderia sobreviver. Nem uma velhinha. Nem um bebê. Claro que era uma bagunça. Aquele monte de corpo amontoado. Mas as fazendas tem esses fornos de secagem. Chegam a novecentos graus. Serviam para sumir com os corpos. Depois mudou o governo e com mudanças na fiscalização e na polícia ficou mais difícil adotar esse tipo de prática definitiva. E foi com essa história que ele tentou me convencer que o novo governo é ruim...

quarta-feira, 21 de março de 2018

Porto seguro

A vida havia seguido outros caminhos. Para longe, distante. Outra cidade, outras pessoas, outro trabalho, outras perspectivas, outro dinheiro, outros cheiros, outros programas na TV, outras reuniões aos domingos. Mas, tempos depois, desamparada pelos desequilíbrios da vida, dos hormônios, da bolsa, ela ligou pra ele. Ele, do passado. Ele, daquela história estranha. Ela precisava falar com ele. O tempo havia enterrado rancores, raivas, mágoas e incompreensões. E novamente ela encontrou, naquela conversa, as risadas e distrações. O breve "oi" se desenrolou em uma conversa de duas horas e meia. Assuntos aleatórios, pequenos fatos do dia a dia, comentários engraçados e espirituosos. Depois, ambos desligaram e seguiram suas vidas separadas por milhares de quilômetros. Mas haviam se redescobertos como pessoas fundamentais um para o outro.

terça-feira, 20 de março de 2018

Latência

Os sonhos muitas vezes acontecem rapidamente. Uma semana de férias. Um dia de casamento. O dia da formatura. Mas apoiam-se sobre um profundo alicerce. Esse período em que nossos objetivos existem apenas em sonho são de profunda importância. Toda gestação tem um período em que a nova cria é ainda frágil demais para vir ao mundo. E dessas verdades conclui-se uma outra: quando um sonho está demorando demais, isso não significa que ele é impossível... significa, isso sim, que seu alicerce é profundo e forte e que seu nascimento será vigoroso. Por isso, diga não ao aborto de sonhos!

Ecos

"Eu preciso de qualquer manifestação de saudade, de qualquer manifestação de afeto..."
"Eu não estou disposta a mudar, nem por você e nem por ninguém no mundo..."
Eu não sei, até agora, se o que machuca mais foi o derradeiro fim, ou a descoberta dessa dureza glacial que preferia terminar uma história de amor a dizer "estou com saudades".
Dói. Não tenho outra coisa a dizer. Dói. Todo o resto é explicar a dor.
Todo dia desde então, em algum momento traiçoeiro, o peito aperta pesado. Escuto de novo sua voz como se uma loucura estivesse se instalando em mim. Sólida, presente, real: "Eu não estou disposta a mudar, nem por você e nem por ninguém no mundo..."
Todos os dias machuca de novo.
E foi ontem, só ontem, já meses depois, que me ocorreu a curiosidade: por que é que é justamente essa sua frase, sobre essa sua relutância em mudar, que ecoa todos os dias em minha mente? Deveria ser quando você disse "é melhor a gente parar por aqui então". Afinal foi ali que tudo se cortou, não foi? Ali é que a minha sentença foi dada. Mas esse momento não retorna a mim se não como uma lembrança buscada. Nunca me persegue. Estou em paz com essa lembrança.
Percebi que minha dor não é pelo fim. Não é pela nossa história. É pela sua desistência em amar. É pela sua escolha, deliberada, consciente e ativa, por dizer não ao amor. E, num sentido mais amplo, a mudanças em geral.
Quero crer, no fundo do meu coração, que foi um equívoco. Que foi uma agressão deliberada mais do que uma declaração consciente de si. Quero crer que, na hora certa, você irá mudar. Quero crer que ainda que eu não tenha sido a pessoa capaz de lhe inspirar as mudanças adequadas, alguém um dia irá, ou então você concluirá por si mesma pelos caminhos a seguir. E seguirá, dará seus passos.
Porque todos nós mudamos. Todos nós precisamos mudar. A declaração pela vontade de não mudar foi uma das coisas mais dolorosas que já presenciei na vida. E foi aí que compreendi que a dor que sinto não é uma dor por mim. Pela perda do nosso namoro, da parte que me cabia. É uma tristeza por você. Como se eu houvesse sido derrotado em minhas vontades de lhe inspirar um sentimento maior.