Os mares se alargaram. As terras se tornaram grudentas, lamacentas. Os milhares de quilômetros se alargaram em milhões. Intransponíveis anos-luz lhe raptando a uma escura lonjura. E eu aqui desesperado para apaziguar sua dor. Uma dor injusta. Imaginar suas lágrimas drenou meu olhar. Senti raiva dos horizontes. Senti raiva de não te abraçar. Senti ódio não da injustiça do mundo - mas de sua profunda indiferença. Não importa o quanto eu compreenda essa frieza da natureza, jamais vou me adaptar. Ou, melhor dizendo... Posso sim me adaptar em tudo o que se refere a mim. Mas é impossível aprender a aceitar essa indiferença quando ela recai injustamente sobre as pessoas que amo. Queria reclamar a todo a todos os deuses o quão descabida é essa dor que lhe foi despencada. Mas o universo inteiro, a despeito dos meus gritos, olha adiante.
terça-feira, 22 de maio de 2018
segunda-feira, 21 de maio de 2018
Foi assim
- Finalmente eu fui conhece-la!
- É mesmo? Não acredito! E aí?
- Ela é linda, linda! E tão, tão... tão interessante!
- E o que aconteceu, me conta!
- Então, conversamos pouco, eu estava tímido, sabe, sei lá, leve, por um lado, e tímido por outro; duas coisas que deixam a gente quieto.
- Ué, então não conversaram muito?
- Na verdade não, porque ela tinha que trabalhar. Mas rascunhamos algumas perguntas sobre as nossas vidas, nos olhamos...
- E depois?
- Depois os anos se passaram, cada um vivendo sua vida no seu canto. Depois um morreu. Depois morreu o outro.
domingo, 20 de maio de 2018
GPS
"Você chegou ao seu destino."
Toda vez que o GPS fala comigo desse jeito eu fico preocupado.
"Então era esse o meu destino? Essa padaria sem graça? A casa do Thiago? Essa agência do Banco do Brasil?"
É uma piada que outros fazem também. Um amigo diz que jamais procura por um cemitério no GPS. Chega aos velórios pedindo informação à moda antiga ou colocando referências próximas. "Já pensou? Estacionar em frente a um monte de tumbas e o GPS dizer que é o meu destino? Prefiro colocar alguma referência próxima. Se for um extra, tanto melhor. Todo mundo chegando pra tumba e eu levando um Extra!"
Rimos.
Mas, piadas à parte, há duas observações mais sérias a fazer sobre essa corriqueira frase dos pilotos eletrônicos.
Primeiro: é a máquina falando ao homem. É ela que o trouxe ali. E é ela que determinou que o objetivo final havia sido alcançado. O pedido inicial do endereço foi inserido por um humano. Detalhe. Logo isso mudará, aguarde.
Segundo: todos os dias, a todos os instantes, pessoas estão ouvindo essa frase ao redor do mundo. A frase "Você chegou ao seu destino" é dita ao menos 150 mil vezes a cada minuto em algum lugar da Terra por um dispositivo eletrônico se dirigindo a humanos.
Não posso deixar de pensar que eles estão certos. A todo instante, e isso vale para todo mundo, chegamos ao nosso destino. A algum destino.
Quando o GPS anuncia o fim de nossa viagem geralmente é motivo de alívio. Chegamos a algum lugar, agora vamos aproveitar esse lugar (não vale para o cemitério, ok, mas o argumento permanece). Hora de aproveitar o barzinho, resolver as coisas no Banco ou assistir um filme na casa do Thiago e pedir uma pizza.
Noutras vezes podemos simplesmente ignorar o aviso. "Você chegou ao seu destino." Aí você olha para o bar e desiste. Mereço algo melhor. E continua indo.
Vale o mesmo para a vida.
A cada instante, ainda que nem os GPS's revelem tanto, Você Chegou ao Seu Destino. E a cada instante cabe a você a decisão de aproveitar um pouco por aí ou seguir viagem.
sábado, 19 de maio de 2018
Eu te amo
Eu te amo
É isso que você não sabe
Eu te amo
Faz tempo
Escondi
Fiz de tudo para que não fosse
Acreditei não te amar,
Só pra ver se conseguia não te amar.
mas eu te amo
Eu te amo
Todos esses anos
Eu te amo
Quando você sentiu saudade de mim
E quando comemorou eu ser seu único amigo
E quando me contou suas histórias
E quando pediu meus conselhos
E quando rimos juntos à toa
E nos telefones
E nos filmes
E nos chás na sua casa
E nas caminhadas à tarde
E na festa de formatura
Eu te amo
Eu te amo e dói
Dói não dizer nunca
Por isso digo, digo e digo, pra ver se sara,
E porque preciso dizer
Eu te amo
Eu amo você
Você não sabe, não acredita e não entende
Mas eu insisto
Eu amo você.
Eu amo você.
sexta-feira, 18 de maio de 2018
Medo
Vou aprender seu mundo. Vou entender sua vida. Vou olhar seus gostos. Vou ver como você posiciona a xícara sobre a mesa.
Vou trazer você para meus imaginários. Vou te abrir minhas memórias. Vou te sentar com meus sonhos.
E depois vai embora? Não vai não... Fica. Abraça um abraço quente. Pra sempre...
quinta-feira, 17 de maio de 2018
Desenvolvimento humano
E aí tinha o metrô que era mais limpo do que eu pensava mas fora dele a estação estava pichada, mijada, suja e zoada. E eu andei no táxi, com o motorista do BOPE, que fazia trampo de taxista pra levar um a mais. Todos têm sua índole, dizia. E uns acham uns meios não muito legais para completar o bolso, enquanto outros se viram com a consciência tranquila. Era o discurso dele. Discurso justo. Qual discurso é injusto? Eu não sei o que ele faz, o que ele fez, o que vai fazer. Sei que me deixou na porta do hotel. Combinado, conforme combinado. Fui pro quarto com a cabeça explodindo. Deixei o Flamengo pra lá. As praias e as avenidas. Deitei na cama e pensei que estava longe.
E aí era um outro país e tinham problemas, mas outros problemas. E eu fazia coisas também, mas outras coisas. Eu tinha um jornal pequeno, que tratava da venda de válvulas. E ninguém queria saber de válvulas. Exceto nos congressos de válvulas, onde iam engenheiros, industriais, homens de negócios, e todos falavam de expansão e planos e depois era tudo a mesma coisa. Aí comecei a animar meu jornal. Aí comecei a escrever feliz e contente as notícias mesmo nos artigos técnicos. Deixava que escrevessem piadas, os textos riam pra falar de coisa séria. E em pouco tempo tinha mais gente lend, gente que nem mexer com válvulas mexia. Que coisa, que coisa... E aí tinha gente comprando válvula que nem precisava, inventavam um uso. Faziam a água dar alguma volta, fosse o caso dela ir reto demais. E ali metiam a tal da válvula. Tudo pra justificar ler a revista simpática. E o país virou a capital mundial da tecnologia de válvulas. Tudo graças a essas tecnologias que a Tecnologia não entende.
quarta-feira, 16 de maio de 2018
Meu irmão é um babaca
E não digo babaca no sentido engraçadinho e debochado. Digo babaca como quem se refere a um indivídiuo que deu errado, que não chegou aos mínimos qualitativos exigidos para participar da civilização. Um funcionário, ao sair da empresa, ameaçou processá-lo. Ele, que estaria errado na causa trabalhista, dissuadiu o funcionário de fazê-lo colocando uma bala de revólver em cima da mesa. Ele pode ser imbecil demais para entender, mas ainda que por vias não-verbais, foi uma ameaça de morte. "Me processe e eu te mato" foi o que meu irmão disse mesmo sem falar. Se iguala, nisso, aos piores bandidos que espera que o candidato-escória trate justamente na bala. Eu estou desanimado e desapontado. Porque tenho descoberto que meu irmão é tão burro que não vai conseguir nem mesmo vislumbrar os contornos da própria burrice. Não sei o que falar. Não sei para onde apontar. Se uma pessoa com uma vida confortável como o meu irmão, vindo de uma boa família e com acesso a muito mais estudo do que a maioria da população desse país, ainda assim está afundado até a cintura nesse mar de ignorância, o que dizer dos outros? Carecemos urgentemente de mais cultura. Mais cultura humana, empática, mas intelectual também. Precisamos de um mundo com menos burros babacas.
terça-feira, 15 de maio de 2018
Não me diga
Então ele inventou que era depressão, porque era o nome mais cômodo para dar para aquela vagabundagem toda.
E então ele disse que eram dúvidas aqueles medos todos emoldurados em preguiça. Medo de trabalhar. Preguiça de sair de casa. Medo de ser outra pessoa, de ser adulto. Medo de deixar o tempo passar ainda que visse que passava mesmo assim. "Fiz minha parte para que não passasse. E se ainda assim passa, não é culpa minha." Não era só um irresponsável. Era um alguém que não queria se responsabilizar. Por nada, nadinha. Medo de amar, medo de ter. Medo de ganhar. Medo de aprender.
Os livros são melhores nas estantes do que em suas mãos, em suas leituras. Os folheia e aí joga lá de volta. Em seus lugares. Arrumados, organizados, novos e não lidos.
Ele inventou que era assim mesmo bem agora que podia ser do jeito que quisesse; eventualmente de todos os jeitos.
Era viciado em sonhar.
Sonhar era a melhor coisa que já experimentara, dentre tantas outras.
E quem poderia culpá-lo? E a que tribunal se leva um caso assim?
Sonhar era sempre um delicioso amanhã talvez. Sonhar com algo que quem sabe fosse amanhã era uma fé quase concreta. Esticava-se o dedo e quase podia tocá-la, ali logo depois de uns poucos tiques do relógio no outro quadrinho do calendário.
Um sonhador. Que feridas enormes na sua vida todas as coisas que são. Que invadem o tempo presente.
Traumas? Um fraco? Incapaz de desassociar os fracassos de determinadas experiências das possibilidades de fracasso de outras?
Traumatizado seria se fosse apenas a incapacidade de se aproximar de histórias potencialmente felizes por conta da cegueira que os medos antigos lhe produzem. Mas não é isso. Efetivamente, histórias felizes lhe abraçam. Quentes, completas, envolventes, profundas e inusitadas. Felicidades acima das felicidades dos cidadãos comuns. Mas durava pouco lá dentro. Lá dentro morria logo esse desfrutar. Um arqueólogo que nunca chegava a abrir o sarcófago porque se desesperava em procurar outra tumba. Um piloto que nunca cruzava os muros de um aeroporto porque embarcava direto em outro avião, desesperado por pilotar mais. Um pescador cujo barco afundou de tantos peixes acumulados no convés - mas era irresistível continuar ali pescando mais e mais. Um desesperado. Um desesperado incorrigível. Sem controle de si. Sem controle de nada.
E foi inventar que era depressão...
segunda-feira, 14 de maio de 2018
Progresso
A próxima grande revolução científica será o entendimento detalhado, e sistematizado, da mecânica social. Insisto em um termo que caiu em desgraça depois da empolgação infantil com que sociólogos e economistas quiseram copiar Newton, mas o faço conscientemente. Temos hoje plena noção das diferenças entre o que se pode chamar de mecânica social e o determinismo límpido e claro da mecânica newtoniana quando aplicada a sistemas simples. A sociedade, assim como o clima e a hidrodinâmica, é determinista, mas seus detalhes precisos serão inacessíveis (mesmo com toda a xeretice do Facebook e smartphones). Sistemas caóticos como o clima são ainda assim determinísticos. Restará saber para onde esse conhecimento irá nos levar. Como sempre, o fator determinante será: quem está no poder? Quem está fazendo uso desse conhecimento? A ciência pouco se lixou para a humanidade enquanto ficou mais ocupada desvendando a origem do universo e os segredos do átomo. Deu no que deu. Teremos um dia cientistas capazes de entender que não se dissocia progresso científico de progresso da humanidade? Deixar todo o progresso científico nas mãos de bebezões estúpidos que brigam por petróleo é uma estupidez equivalente.
domingo, 13 de maio de 2018
Mudo
A gente às vezes é plano e às vezes tem tantos lados. Arestas. Cantos. Fundos e rasos. E eu me perco. Não faço a menor ideia de onde estou. De qual dentro de mim que sou. Hoje foi assim. Hoje você falava, falava, falava. E eu quieto. E eu me procurando. Covardia. Covardia? Foi o que foi. Foi como aconteceu. Guardei coisas que não sei onde estão. Não sei onde foram parar. Procurei, procurei procurei procurei. Só que não achei.
sábado, 12 de maio de 2018
Mimimi
O que mais me irrita no mi mi mi é o desprezo com as outras notas.
Gosto que alguns dias sejam assim logo pela manhã: sol sol sol.
E tem gente de quem só sinto dó dó dó.
Curto quando estou em um pub e toca Psycho Killer: todo mundo junto em coro cantando "fá fá fá fá, fá fá fá...".
E quando estou cansado de tudo só quero viajar. Pegar estrada com a janela aberta cantarolando meus lá lá lá.
E quando chegam as bifurcações da vida? Aqueles momentos em que coisas caminhos se mostram? A gente mergulha fundo num mar de si si si.
Não sei se acrescentei algo de útil aqui. Mas no fundo, na vida, o importante é ser feliz, né? Então ria comigo: ré ré ré