domingo, 15 de setembro de 2019

Mãe

Ela cuida da cozinha, mas deixa que a cozinha a agrida. Ela suspira, ela bufa. Movimentos rápidos, gestos descoordenados de uma felicidade forçada que não engana ninguém. Panelas, pedaços de frango, o gás, fósforos. E ela bufa, olhar pesado, reclama duas frases soltas ao ar, entremeadas de um "não quero reclamar, não estou reclamando", que jamais conseguirão mentir o que querem. Ela se pôs embaixo da própria vida e deixou-se esmagar. E de repente ela canta, uma música alegre, mimetiza alguma espécie de passo dançante enquanto transita a bandeja da pia à mesa. Tiras de carne queimadas pela mesma desatenção e descapricho que ela tem consigo mesma. E ela cantarola algum "tchu-ru-ru" em ritmo de juventudo beatle-maníaca. É assim no hospício: a ausência completa de coerência ou continuidade entre humores e atos. Ela está louca. Não consegue ser quem quer. Não quer ser quem é.

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