Não vi o processo. Fechei o olho. Abri e o mundo já era outro. Virei um rabugento. Ainda sou contido, não explodo, não percebem. Mas hoje meu quarto é meu outro mundo, um espaço meu. Não existe mais o simples ato físico de entrar no meu quarto. Existe o ritual religioso de me desligar da Terra. E quando invadem meu santuário, odeio. Ainda vou resmungar, eu sei. Tempos atrás eu gostava de mostrar meus livros. Era a exposição vaidosa de posses materiais conseguidas a moedas sofridas. E eram diferentes. Meus livros já foram meus moicanos, minhas tatuagens, minhas botas diferentes, minha jaqueta reacionária e meu cabelo comprido. Hoje não. Hoje eles guardam pedaços de mim. Começam a olhar meus livros e fazer perguntas. Me sinto desnudo. Incomodado. Quero mandá-los embora. Quero mandá-los tirar a mão dali e deixá-los todos em paz. Neurótico? Rabugento, rabugento talvez, só rabugento...
Olha! Você se interessa por genética? Por que é que tem um livro de dinâmica aqui? O que é esse livro sobre a louruca?
Calem a boca! Não lhes diz respeito! Acham que entenderiam? Acham que entenderiam se eu explicasse como cada livro que ocupa os pedaços da minha mente compõe a história de meus anseios, meus sonhos amputados ou ainda por aflorar, como cada um deles guarda em segredo uma história de perturbações e de desespero para que eu me encomunhasse com o resto do mundo... Acham que entenderiam que eles são minha chave secreta para momentos de solidão que me recompõe de dentro pra fora e me permitem tocar novamente o mundo? Fossem capazes deste tipo de entendimento, jamais agiriam como agem! Jamais entrariam aqui como fuinhas adrenaladas remexendo as coisas para fora de lugar e cuspindo interrogações sem sentido e bestamente invasivas. Entrariam no meu mundo com um respeito solene que não precisaria de modo algum ser chato ou sem graça. Bastaria não ser vulgar. E olhariam. Contemplariam. Sentiriam. É por isso que existem tantos estúpidos no mundo hoje. As pessoas não param pra sentir. Sentir explica muita coisa. As pessoas não se dão o tempo necessário para sentir. E quando sentem algo, quando o sentimento lhes rouba a atenção, não confiam no que sentem. Ignoram. Pulam por cima. Idiotas... Vão embora. E deixem meus livros em paz. Deixem meu mundo em paz.
domingo, 4 de maio de 2008
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Um comentário:
"As pessoas não se dão o tempo necessário para sentir."
As pessoas não têm se dado tempo necessário para muitas coisas, mas sentir é de fato uma das que julgo mais importantes, e q vem sendo substituida por perguntas vazias e automáticas, que facilitam (ou dão a impressão de o fazer) o caminho para conhecer o outro...
eu também tenho momentos de rabugice, e momentos fortes...rs
Gostei do texto!
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