quinta-feira, 18 de março de 2010

O imbecil

Qual a receita para ser um completo imbecil? Ele sabe, é claro que ele sabe. Ele chega aqui todo dia e repete a receita. Eu, que não sou imbecil, confesso uma certa dificuldade para entender todos os meandros desse mecanismo de imbecilidade. Não é que apesar de não ser imbecil eu seja burro. Não é isso. É que a imbecilidade é intrinsecamente aleatória e toda aleatoriedade desafia com garras duras as delicadezas da razão. Então eu não cheguei ainda a uma fórmula geral, tenho apenas os eventos isolados. Os comentários jogados, os sorrisos conclusivos que declaram não reconhecer a completa impertinência do que se disse. Isso é importante, ora como é. Um sorriso, qual belo é um sorriso, não é mesmo? Mas ele não é algo de valor absoluto, de forma alguma. Há sorrisos sarcásticos, há sorrisos que produzem ódio. O sorriso do imbecil, logo após ele ter dito alguma imbecilidade, atesta o tamanho de sua burrice. O que é pior do que se orgulhar abertamente de algo que não apresenta o menor mérito? Em uma criança, atribui-se todos esses momentos à infantilidade. Ela ainda não entende, que bonitinha! Está aprendendo, olha que doce. Mas o imbecil, o imbecil é diferente. Ele deveria saber, mas não sabe. Esse não saber causa um grande incômodo. Não se trata necessariamente de um saber técnico, enciclopédico, que deveria estar na cabeça dele mas não está. É em geral um saber mais profundo, social. Ele conta uma piada que não tem a menor graça, que ofende o bom gosto de todos os ouvintes, e ri. Ri com uma sinceridade que irrita, incomoda, desconcerta. E inicia-se um carnaval de calamidades. O riso é medonho não só porque acontece, mas também porque permanece. Ora, um idiota que continua a rir de algo completamente desapropriado, que saiu de sua própria boca, é claramente incapaz de captar os gritantes sinais de desaprovação de todos. Não se trata de ceifar a criatividade. Não se trata de um elitismo verbal de minha parte, como se eu preferisse que todos parassem de falar merda. Falar merda é ótimo, é sensacional, é uma condição essencial para a existência humana ser humana. A pertinência completa e mecânica de todas as sentenças ditas em todas as situações vividas sugeriria com grande ênfase que estaria na hora de nos substituirmos por máquinas, ou que talvez já tivéssemos terminado de nos metamorfosearmos em tal. Não é isso. Mas, quando falo merda, das duas uma... ou eu acreditava falar algo totalmente genial, e então percebi, com a ajuda do espelho público que é o rosto alheio, o tamanho da asneira que proferi, ou então eu já sabia de antemão o desordor da intestinice que iria proferir e cuidei para adotar uma reação cabível. Em suma, o que incomoda no imbecil não é a imbecilidade em si, não é o conteúdo de sua manifestação, propriamente dito. O que incomoda no imbecil é sua completa incapacidade de se saber idiota. De entender o que lhe dizem todos, e enfatizo, todos os que estão ao redor e reagem aos seus ditos com um olhar que não deixa dúvidas: nossa cara, como você é imbecil! Fora isso, não consigo mesmo captar uma receita geral. Às vezes ele é imbecil na reunião. Às vezes é imbecil quando fala de mulher. Quando emite opiniões técnicas sobre os assuntos do trabalho. Quando oferece café. Quando conta uma piada. É um imbecil muito pró-ativo, e eu terei que conviver com isso.

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