terça-feira, 12 de março de 2013

Plástica

Ela, Célia, já tem uma filha. A menina está quase em idade de prestar vestibular. Se chama Luisa. Célia é divorciada, mas não quer saber de ficar sozinha. Arrumou um novo namorado. Não sem antes fazer plástica nos seios. Aproveitou as férias, período em que está longe dos comentários do trabalho e em que é possível repousar. Mas a vaidade não se conteve já ao primeiro telefonema com a secretária amiga dela. Não, contava Célia, não fui viajar não porque fiz uma operação, estou bem, é coisa de estética. Coisa de estética, ela diz, plástica nos seios, pensa a outra. E a fofoca se espalha. Confiante e de namorado novo, Célia agora não quer que a filha faça apenas engenharia civil, quer que faça arquitetura ou teatro, quer a ela uma vida de prazer artístico, pois descobrir que todos os prazeres da vida são assim, meio artísticos. Era como se a filha, derivação sua, obra sua, tivesse também seios novos, uma nova alma, mais acabada, mais perfeita, mais capaz e mais merecedora. A filha não conectava as duas coisas. Imaginava a mãe como vítima de uma loucura meio genérica, dessas que acometem as mães em tantos momentos inescapáveis. Seguiu com a vontade anterior de fazer engenharia civil. Inconformada, lá foi a mãe, ela própria, estudar teatro. Trabalhava durante o dia e dividia o tempo livre entre o teatro e o novo namoro. Sérgio, o namorado, trabalhava em um escritório de investigação de dados contábeis. Caçava gente que de um jeito ou de outro desvia dinheiro para si sem matar ninguém, sem roubar nada material, gatunamente, mas ainda assim ilicitamente. Estava enciumado. De repente a namorada, uma mulher já séria, adulta, fazendo teatro? Andando com aqueles jovens todos com os hormônios à flor da pele? Não era aceitável. Não era possível. Não era lógico. Deu um basta naquilo tudo, um esporro cheio de autoridade masculina selvagem, à moda das cavernas. Célia não se abalou. Olhou para ele, nos olhos, e decretou: você precisa de seios novos.

Um comentário:

Paula Oliveira disse...

hahaha... Gostei! Vaidade, juventude, estética, ciúmes... muitas coisas em poucas palavras.
Primeiro achei uma pena ela se sentir "capaz e merecedora" de uma vida diferente só depois dos "seios novos". Depois pensei "hmm... ela deve estar se sentindo jovem outar vez, e o namorado não gostou nada da ideia..."