Em um relacionamento, você tem que ser feliz. Namoro tem que ser bom.
Ouvi este conselho algumas vezes.
Briguei esses dias. Briguei com minha namorada. Estou cansado. Nossas diferenças. Os momentos que eu quero ter para mim. As coisas que não concordo nela. Somos diferentes. Somos opostos em muitas coisas. E quem diria que, logo eu, teria problema com os amigos dela? Mas tenho. Não gosto de alguns deles. Não é uma intolerância absoluta, mas preciso de um contraponto. Um espaço para viver meus amigos. Meus lugares. Minhas distrações. Ela vê isso imediatamente como uma pequena rejeição. Não é isso. Não é ofensa.
Invariavelmente, triste, sozinho no meu quarto, paro para pensar: até onde as pessoas são compatívei?
Estamos insistindo em um absurdo?
Por que eu quero ficar com ela?
Por que ela quer ficar comigo?
Por que nos sentimos cansados um do outro de tempos em tempos?
Não sei encontrar todas essas respostas.
Confesso que me permito agir por instinto. E duvido dos meus instintos, ou chego mesmo a concluir algo oposto a ele.
Estou longe dela e sinto raiva. Ela tem idéias políticas erradas. Ela trata as pessoas, muitas vezes, de um jeito que eu não concordo. Não tem as mesmas opiniões que eu sobre quais lugares são legais de serem visitados e quais não são. É quase o oposto do que eu penso, em todos esses aspectos, sempre.
Mas aí eu a encontro. Aí ela vem me visitar. A quem mais eu consigo falar de todas as minhas maluquices mais pessoais, mais escondidas? A quem mais eu consigo falar das coisas que estou escrevendo? Dos meus sonhos bizarros, não convencionais? Talvez, justamente por ela discordar de tudo, mas continuar me ouvindo, eu me sinta acolhido em um nível mais fundamental, e tenha esse ímpeto de retribuir. É uma tentativa de explicar o inexplicável. Quantas vezes sentimos algo e não temos uma completa certeza da explicação?
Consciência. Consciência do que acontece. Quero ser mais honesto comigo sobre essa nossa realidade. Quero ser mais ativo em falar para ela todas as contradições que sinto. Porque nem sempre ela percebe. Sou eu a pessoa que tem a tendência a colaborar, a me controlar para deixar as coisas aceitáveis. Ela é a personalidade impulsiva que, de repente, está reclamando disso e daquilo. Eu me adapto, deixo as coisas mais convenientes. Mas tenho meus limites. Parece coisa de adolecente, de criança. Mas de repente, meio assim na marra, descubro que fazer isso ou aquilo de final de semana não é um mero capricho. É uma necessidade profunda. Minhas caminhadas pelo centro da cidade. Encontros com amigos. Livros que vou ler e meu jeito de passar um tempo a toa. Tudo isso difere do modo dela de curtir os dias livres, assistindo seriados no sofá. Não que eu não tenha dias livres, à toa. Mas nossos modos de vivê-los são diferentes. E isso precisa ser respeitado.
Qual o nível máximo de diferença que ainda permite duas pessoas ficarem juntas?
Às vezes eu acho que somos tão diferentes que é impossível continuarmos juntos. Às vezes eu acho que, justamente por sermos tão diferentes, e ainda querermos ficarmos juntos, a única explicação é a de que nos amamos de um modo bem elementar.
Eu sou uma pessoa barulhenta. Estou sempre cantando e ouvindo umas músicas num volume um tanto quanto intrusivo. Não sei se ela aguentaria ser, sequer, minha vizinha. Quanto mais vivermos juntos um dia. As músicas que gosto de berrar por aí nem sempre são do agrado dela.
Estou acostumado a ser sozinho. Estou acostumado a decidir e fazer. Amo improvisos. Num instante, nada está combinado. Nada está decidido. Nada está planejado. Aí vem uma ligação, ou uma inspiração, ou uma idéia de algum site maluco na internet... E dez minutos depois estou de malas prontas, pegando estrada para viajar algumas centenas de quilômetros sei lá aonde. É uma das melhores sensações que conheço. Como dividir isso com outra pessoa sem parecer que você não a está levando em consideração? Não se trata de ignorá-la... Como valorizar o acaso, o improviso, e também, ao mesmo tempo, fazer com que a outra pessoa se sinta incluida no processo? É uma dificuldade técnica... Talvez fosse simplesmente o caso de a outra pessoa também amar improvisos. Talvez fosse o caso de extender um pouco o horizonte. Antes improvisos eram resolvidos em dez minutos. Agora vão ser resolvidos em dois ou três dias porque envolve alguma coordenação com a outra pessoa. Mas isso tira um pouco da graça, e não é nada pessoal com ela. Improviso é improviso. O impulso de abraçar uma idéia e sair viajando por aí.
Ela não gosta de ler. Declaradamente, não gosta. Até se esforça. Depois que viajamos com um casal de amigos dela, e eu fiquei um tempão conversando sobre livros com a amiga, ela tomou um livro de minhas mãos e agora o está lendo. Diz que é a leitura do ano. Está mais ou menos na metade do livro, e meses já se passaram. Eu olho isso com uma certa admiração. Não que ela esteja se convertendo em uma leitora. O hábito de ler envolve uma paixão por livros. Ela só vai se converter em leitora quando encontrar algum livro que desperte tal interesse nela que ela queira continuar lendo. O que ela faz agora é uma espécie de obrigação, de meta pessoal. Ela não quer se sentir fora do grupo de pessoas que lêem, mesmo pertencendo a ele invariavelmente. Eu olho a iniciativa com uma certa admiração, com um certo respeito.
Fiz um monte de perguntas aqui. Não tenho respostas. Só tenho mesmo uma confissão, que é uma constatação também. Eu tomo atitudes por instinto. Penso nos nossos problemas e sinto muita raiva. Penso nas nossas coisas boas e sinto uma espécie de paz realizada. Uma pessoa diferente que aceita olhar para dentro do meu mundo e me ama mesmo assim. Seria um egoísmo dela? Ela não gosta de diversas coisas em mim, mas gosta de quando eu a estou tratando bem, e sonha que eu, pouco a pouco, abandone minhas coisas pessoais?
Perguntas, perguntas, perguntas.
Eu penso demais.
- Você pensa demais.
Talvez essa seja uma lição... Se aprendêssemos a passar mais rápido pelos problemas e a nos determos mais nas coisas boas, a vida já não melhoraria, instantaneamente, um tantão assim?
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