segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Tudo isso aqui

Todos eles nascem assim, hoje. Assim em dois berços. No berço hermético que habita em mim, berço fechado em si que se projeta pra si que só quer saber de si. E nos exorcismos. Nas erupções incontidas. Nas cuspidas escatológicas pra fora no último desespero abrupto que salva de um engasgue mortal. Exorcismos herméticos. Expressões desesperadas de mim que precisam nascer antes que me matem, mas cujas raízes e ligações finais guardo pra mim, covardemente demais talvez, prudentemente demais, espero. Eu sou um escritor no sentido mecânico de gastar tempo considerável na lida de escrever. Mas sou um leitor também, e como leitor estou longe de ter meus escritos como preferidos. Sou medíocre. Sou consideravelmente medíocre. Na variedade dos temas, na criação de cenas, nas fronteiras do vocabulário e no trançar do estilo próprio. Bem medíocre. E gosto disso, por fim, é estranho, difícil de explicar aos outros e difícil de explicar a mim mesmo. Mas gosto dessa mediocridade. Ela me dá a paz de saber que vou poder continuar escrevendo única e exclusivamente por conta disso: precisar escrever. Porque em outros domínios da vida já me deixei admirar em meus méritos e sei o fardo que é uma admiração próxima toda cheia das expectativas que cheiram de perto, olham de muito perto e querem tocar o tempo todo. Não se tem paz. E se tem algo que quero quando escrevo e que eclipsa toda minha mediocridade e me conforta é bem isso: essa paz.

domingo, 19 de agosto de 2018

Curto circuito

Eu não acredito nesse papinho barato de exotéricos exóticos místicistas que saem por aí falando de "energia". Energia positiva dali, negativa de lá... Eles não sabem calcular a energia cinética de uma pedra movendo-se a um metro por segundo e muitas vezes, nem mesmo, avaliar corretamente uma conta de luz. Pergunte a eles o que é um "quilowatt-hora"... Então, sem nem precisar discutir a viabilidade filosófica de algum conceito de realidade exótica, posso dispensá-los pura e simplesmente por estarem fazendo um péssimo uso do vocabulário disponível.

Mas embora a fenomenologia que professam esteja errada, devo admitir que ao menos alguns dos fenômenos que buscam explicar de fato ocorrem. Dizem esses místicos que há pessoas por aí que sugam nossa energia. Não, não há pessoas que sugam nossa energia. Mas há, de fato, pessoas que colaboram para que nosso ânimo se esvaia. Há todas as combinações possíveis... Duas pessoas podem fazer um bem danado uma a outra. Qualquer uma delas pode se sentir ótima com o relacionamento que têm ao passo que à outra este é extremamente danoso. E pode ocorrer também que a ambas nada de bom se manifeste.

Duas possibilidades são muito boas: pessoas que se fazem muito bem e pessoas que, mutuamente, se fazem muito mal. Sim, este último caso também é bom, pois em pouco tempo ambos reconhecerão que não há que se misturarem e pronto, problema resolvido, mutuo acordo, sem traumas. Mas duas combinações são potencialmente catastróficas... Sim, pois quando uma pessoa faz um mal danado a outra, mas essa outra faz um bem danado à primeira, tem-se uma forte assimetria que induz uma espécie de instabilidade dinâmica: se a coisa toda já era ruim inicialmente, tende com o tempo só a agravar-se.

Não preciso apelar a energia negativa, vibrações do astral ou sei lá mais o quê. Esse fenômeno do transfluxo de ânimos deve de alguma forma assentar-se sobre explicações físico-psicológicas que não impliquem em abalo nenhum à ciência moderna. Mas fica a conclusão de que devemos reconhecer o que uma pessoa recém-conhecida é pra gente para que possamos administrar tudo da melhor forma possível.

sábado, 18 de agosto de 2018

Os outros

Não se trata de você. O Ministério da Cultura não tem a ver com artistas. Quer dizer, tem. Mas não é por isso que ele é importante. Não me interessa saber quais artistas sobrevivem ou não sem este ministério. O importante, e o que deveria estar em discussão, é o acesso à cultura. Você, artista, consegue se virar sozinho. Tem um trabalho reconhecido. Nunca teve um projeto que passasse por projetos de apoio do governo. Parabéns. O ministério da cultura pode não ter nada a ver com você mesmo.

Mas então me diga... Quantas vezes você utiliza dinheiro do seu próprio bolso para viajar a lugares distantes e realizar apresentações para pessoas que não podem pagar? De resto... Financiamentos indevidos devem ser combatidos. Regras inadequadas precisam ser alteradas.

Na política não existe linha reta. Na gestão de um país não existe rota direta. Adequações devem acontecer o tempo todo mas uma coisa é fundamental: não perder de referência o norte. Em muitos países avançados e com bom cenário cultural não há uma entidade autônoma dedicada exclusivamente à cultura.

Muitas vezes é uma área ligada ao ministério da educação ou alguma grande área qualquer. Mas o Brasil tem sua história própria. Tem sua inércia própria de ignorar a cultura. Ou melhor, ignorar a descultura daqueles que mais dela precisam. Um ministério autônomo facilita, dentre outras coisas, a fiscalização de suas ações. A denúncia de seus problemas visando melhorá-lo o quanto antes.

E, lembrando, caro profissional da cultura... o foco não é você. Acho sim escandaloso que artistas endinheirados como Ivete Sangalo ou outros "grandes nomes" (grandes contas) recebam dinheiro público para apresentações. Mas não acho que a briga seja por "deixar de pagar os grandes artistas para pagar os pequenos". O objetivo central de uma boa política pública de cultura deve estar centralizado, repito, nos destinatários... Cursos, teatro, música, acontecendo naquelas cidadezinhas abandonadas. Ou naquela periferia que é um mundo à parte. Aqueles lugares em que muito artista não vai topar ir nem pagando. A cultura precisa chegar a essas pessoas. E esta deveria ser a discussão.

E nem vi ninguém discutindo isso.

Vi gente reclamando que o ministério deveria voltar porque vai acabar dinheiro para atividades culturais. Vi pessoas falando que o ministério não deve existir porque dá dinheiro para quem não deve.

É mais ou menos o seguinte: todo mundo num farto jantar em torno de uma mesa bem recheada, discutindo sobre a fome no mundo, enquanto lá na calçada os mortos de fome continuam a cair pelos cantos.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Contágio

Condorcet acreditou que o progresso científico implicaria em um progresso humanístico da sociedade. Seu erro foi olhar puramente para o acúmulo de conhecimento sobre a natureza, o acúmulo de domínio técnico, e ter ignorado um outro ingrediente fundamental para o que desejava: a transmissão de conhecimento. Ou, mais precisamente, a transmissão de inspiração pelo saber. Algo que a humanidade tem ignorado sumariamente e que tem sido o principal ingrediente para o ziguezaguear da história.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Freud

Ela tinha pernas deliciosas. Não que estivessem completamente à mostra, ou muito menos que eu já as tivesse experimentado. Mas era visível, era notável, óbvio, impossível deixar passar. Deliciosas. Aquele vestido azul de tecido fino e leve descia até pouco abaixo das nádegas. E as nádegas estavam a uns meros centímetros do meu rosto, quase nada abaixo da minha linha de visada. Como não olhar? A escada rolante é uma invenção dos homens, uma criação do sexo masculino. Essa obra prima da tecnologia moderna veio ao mundo mitigar o risco de tropeções indevidos enquanto investimos toda nossa atenção aonde ela deve estar: na gostosa mais próxima.

Não resisti. Resolvi morder. Mordi.

De repente estava num jardim meio abandonado. Pessoas conversavam comigo, queriam saber se deveriam carregar as coisas até a garagem ou deixá-las ali no terraço. Eu estava com frio...

De repente o sol queimava meus olhos. Na boca, um gosto horrível. Olhei para o lado e de repente meu corpo todo sentia o gelo do piso do quarto. Cadê ela?

Das apreciações

Confesso duas maneiras distintas e opostas de apreciar a manifestação intelectual. Ambas coexistem em mim.
Por vezes admiro a paciência e o capricho das longas e detalhadas explicações.
Noutras tantas acho que só a manifestação direta e sucinta faz sentido. Afinal, se gastarmos a vida toda lendo longas análises para por fim compreender o mundo, não haverá mais tempo para por nada em prática.
Creio que a manifestação ideal não pertença a nenhum dos extremos.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Dilema

E é interessante isso... Ninguém sabe o que vai acontecer! Ninguém sabe... E mais ainda, digamos logo de uma vez! Ninguém sequer sabe o que acontece! Duas pessoas juntas, dizendo coisas, dividindo gestos, e pensando universos secretos. E sempre será assim... Às vezes as coisas se acertam, discussões, brigas ou sorrisos, coisas leves... Todo jeito é vivido por alguém.

Tem alguém aí sem afinidade com o futuro. Esse alguém talvez seja eu, embora eu costumeiramente minta sobre quem sou. Mexo nas minhas coisas... Compro promessas de futuro e espalho pelo meu quarto. Fico mexendo nelas... Sonhando serem certas histórias emocionantes.

Eu gosto de abrir portas, não de viver dentro da sala. Gosto de folhear livros, de ver filmes, de abrir gavetas, de conversar com estranhos. Adoro conversar com estranhos. E tenho esse problema, esse problema sobre amanhã... O que vai ser amanhã?

Tenho medo do futuro mudar, mas tenho medo de já sabe-lo... Se eu já sei do futuro, tenho um pouco menos dele por desvendar. O inesperado me assusta, mas me seduz...

sábado, 4 de agosto de 2018

A mansidão que mata

A mansidão dos intelectuais é o tal do "silêncio dos bons" que tanto assustou Luther King. As pessoas que realmente são capazes de tomar boas decisões para o mundo, que são realmente capazes de entender a economia e as relações culturais diversas, essas estão quietas. Vivendo suas vidas de livros interessantes e programas culturais enriquecedores. Mas uma vida desprovida de ações exceto em casos extremos. O paradoxo é esse: pessoas boas são mansas, mas a mansidão não favorece a propagação cultural dela própria ou a ascensão ao poder das pessoas assim formadas. É assim que temos um mundo oscilante. É preciso que a coisa degringole demais para que as pessoas mais corretas se mexam. Aí depois elas relaxam e os Trumps e Bolsonaros da vida assumem os postos de poder.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

De novo


Boca seca.

Peito mole, respirando estranho.

Não, eu não sei chatear ninguém.

Bem que deveria.

Sei que deveria.

Mas não gosto de ter que chatear ninguém.

É estranho esse peso de ser quem se é.

Porque é preciso agir sobre o mundo,

Interferir, mudar, agredir...

Boca seca...

Braços largados...

Vontade de cair na cama

E não amar nunca mais.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Da leitura e da fala


As conversas deveriam ser o meio principal de interação humana e de troca de ideias. Mas não são. Não é coincidência que precisamos da linguagem escrita para que a humanidade pudesse acelerar seu progresso humano, científico, econômico e tecnológico. A leitura, ainda que seja um contato com o outro, é uma experiência solitária, individual. As palavras alheias soam em nossa mente com nossa própria voz imaginária. Dividem espaço direto com nossos próprios pensamentos sem violentar nossos ouvidos. Há o tempo de ponderação. Há a oportunidade de se completar um raciocínio em algumas páginas.

Donde concluímos que o progresso da humanidade deve ser correlacionado ao progresso da experiência de leitura - quantidade E qualidade.

Donde concluímos que estamos na merda.

Assim

Eu desejei. Que mal há em desejar? Macia, apertável, cheia. Água na boca só de olhar. Deixei meus pensamentos pensando o que quisessem, ninguém estava olhando. Tirei toda sua roupa em meus pensamentos, mordi seu corpo. Nos amamos até a exaustão. E ninguém nunca viu. Nem você.