quinta-feira, 5 de março de 2020

Se os Japoneses viessem aqui

Alexandre Gracinha é um jênio do jôrnalismo.

Tá bom, estou de mal humor com ele mas nesse ponto específico (nesse) estou exagerando e sei disso. Porque na palestra em que ele fala que se os japoneses viessem para o Brasil iriam transformar "isso aqui" em uma potência mundial em 10 anos, a intenção dele ao final foi dizer "eles não virão, a responsabilidade é nossa!". O que é uma postura mais louvável e defensável, no geral. Mas a tese sub-entendida é uma tese perigosa e que está profundamente entranhada nos nossos grilhões psicológicos.

A tese da individualidade, da meritocracia, a tese de que as vítimas são culpadas porque são os grandes responsáveis pela sua condição através de suas escolhas e atitudes.

Não que não exista alguma verdade aí.

Eu acho, sim, que o pobre brasileiro é culpado por ser pobre.

Mas não é o papinho simplório de que ele é um vagabundo. Porque o pobre brasileiro rala pra cacete. Eu conheço vários.

Vi uma família vivendo há gerações dentro de uma fazenda de cacau. Pagavam aluguel do casebre em que moravam lá e pagavam também pela comida. O que sobrava mal dava para roupas, remédios, e não sobrava para mandar os filhos para a escola mais próxima, a mais de 40 km dali. O dono da fazenda, um playboyzinho cuja família também vivia ali há gerações, havia morado mais de 5 anos na Inglaterra num intercâmbio para aprender inglês mas não se sentia seguro em arriscar o idioma gringo. Seu orgulho pessoal? Contar das baladas de Salvador em que pagava mais de R$2.000,00 para entrar. E ia todo final de semana. E reclamou quando o governo do PT corrupto quis aumentar o salário mínimo de seus trabalhadores em R$50,00.

Conheci um cara que tem vários imóveis em São Paulo. Comprou tudo com o dinheiro que fez com uma empresa de informática que montou ainda nos anos 80. Ele conta a história de quando instalou um HD em uma empresa, recebeu pelo serviço e, com a grana na mão, comprou um carro a vista. Bons tempos, não é? Nos anos 90 ele comprou imóveis, mas depois a empresa fechou porque não acompanhou as mudanças tecnológicas. Ele gostaria de continuar no ramo da tecnologia. Já com a idade mais avançada, muitos se contentariam em viver de aluguel. Outros tentariam atividades tradicionais. Abrir um restaurante. Tentar simplesmente investir dinheiro. Não. Ele resolveu estudar Física. Foi fazer uma graduação e emendou um mestrado. Tudo com o sonho de montar uma nova empresa de tecnologia. Idéias e visões de mercado não lhe faltaram. Mas toda vez que fez um estudo de mercado se deparou com os investimentos necessários e com os juros que viriam dos empréstimos. Sábio, pisou no freio.

Mas muitos não pisam. Conheço um empresário que teve mais de 40 funcionários em uma empresa de automação. Deve as meias e as cuecas para o Itaú mas culpa os "vagabundos do bolsa família" pelas catástrofes do país. Veja bem... ele dá todo o dinheiro que gera para um banco que lucra mais de R$25 bilhões por ano (R$26.583.000.000,00 em 2019), mas acha que o que atrapalha mesmo o avanço da nação são os R$25,00 que cada pagante de imposto no país pagou, em média, ao Bolsa Família no auge do programa. Com o detalhe de que super-ricos, pessoas físicas ou empresas como o Itaú, não pagam todos os impostos que deveriam.

Alexandre Garcia não contou o principal. Não contou COMO os japoneses ou qualquer outro povo faria disso aqui uma super potência em 10 anos.

Porque aí ele teria que explicar como essas pessoas se revoltariam com os absurdos dos nossos governos e instituições financeiras para tomar de volta o país às mãos, e essa é uma coisa que ninguém quer comentar.

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