sábado, 7 de março de 2020

Modernidade

Estou em um país da Europa. Primeiro mundo. Tudo moderno. A ciência, a tecnologia e a política da estruturação social a serviço da sociedade. Da sociedade?

Vou comprar uma passagem de ônibus. Pego o celular. Um site, outro. Cadastro. Senha. Repita o e-mail. Número do cartão de crédito. Código de segurança. Confirma.

Chego ao local do ônibus pouco antes do horário. Estou com fome. Tudo ao redor é concreto. Não há muitas pessoas por perto. Elas já sabem da pontualidade dos ônibus e não ficam chegando muito antes da hora.

Estou com fome. Penso em comer alguma coisa. Onde tem um barzinho? Não há barzinhos por aqui. Não existe coxinha no primeiro mundo. Nada de enroladinho com presunto e queijo amolecendo na umidade da estufa.

Logo vem o ônibus.

Pego o celular. No e-mail de confirmação da passagem há esses códigos quadriculados. Um código de barras só que mais complexo. O motorista toma em mãos o próprio celular e aponta a câmera para o meu. Lê o código e, assim, vê meu nome e diz meu assento: dezessete. Embarco.

Duas horas depois o ônibus sai da estrada. O motorista aproxima um microfone de sua boca e diz, em uma voz baixa, quase murmurada: parada de quarenta e cinco minutos, solicito a todos que tomem o que desejarem levar pois o ônibus será fechado para proteção dos seus bens que permanecerem a bordo, agora são quatro e treze, então retomaremos nossa viagem às quatro e cinquenta e oito.
Impossível não comparar com o Brasil. Números precisos. Matemáticas precisas. No Brasíl o ônibus pararia por "meia horinha" e partiria "lá pràs cinco".

Entro no restaurante. Há apenas duas pessoas trabalhando lá. Uma senhora no caixa do mercado e uma moça na lanchonete. Há diversas máquinas para bebidas quentes. Você insere moedas ou aproxima o seu cartão sem contato - uma espécie de bilhete único pra valer mesmo - e recebe sua bebida escolhida. A senhora no caixa tem seu trabalho automatizado também. Diz bonjour a todo mundo que chega. Passa os códigos de barra na leitura. Depois recolhe o dinheiro e dá o troco ou pergunta "cartão? insira aqui, por favor". E depois agradece, sorridente. Merci, bonne journee.

E assim segue-se. As pessoas movendo-se como peças automatizadas de um sistema maior. Insere o cartão aqui, ali. Moedas. Come, embarca. Celular. Likes. Cliques. Não se ouvem conversas. Não se ouvem risadas. Não se ouvem as vidas.

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