quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Eta

O prazer é um dos combustíveis mais poderosos para a atividade humana. Será? As grandes criações da humanidade não são necessariamente frutos do prazer, do trabalho apaixonado. As pirâmides e a esfinge, as grandes metrópoles, ou mesmo o envio do homem à Lua. Emprego maciço do trabalho escravo, uso intensivo de assalariados vivendo nas camadas mais baixas da cadeia econômica, ou então uma rígida estrutura burocrática coordenando os esforços de um grande número de pessoas mais díspares. Quais dessas realizações surgiriam se, por hipótese, não tivéssemos que nos preocupar com nossas necessidades básicas e pudéssemos empregar todo o tempo da vida à satisfação de nossas paixões?
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Dez anos depois: Fica claro aqui o quão difícil é deixarmos os equívocos da humanidade para trás e pensarmos com a própria cabeça até ver o que olhamos por nós mesmos. "Grandes criações da humanidade"? Sim, quando ohamos o coliseu, as pirâmides e a esfinge, sabemos que esse monte de pedras não se amontoa sozinho daquele jeito. E se você e seus amigos quiserem construir outros pra vocês, não vai dar. A não ser que você tenha uns milhares de amigos (não de facebook; amigos mesmo!) Hoje está claro para mim que quando a sociedade classifica algo de "grande" está frequentemente deixando algo de lado, varrendo algo para baixo do tapete. Nem mesmo a ciência, desafio real de desvender os segredos da natureza, escapa dessa sede de hipocrisia. O que seria da ciência sem a matemática das balísticas, a quimica da pólvora? O radar que hoje salva aviões de colisões foi desenvolvido para poder derrubar outros aviões. As radiações que hoje encontram e tratam doenças foram compreendidas para destruir cidades inteiras.

Curioso que sociólogos, cientistas, políticos, turistas... todo mundo, continuam considerando coisas como a música e a literatura como eventos "lúdicos" - sempre com uma certa conotação de vagabundagem, mesmo quando esta não é explícita. Deveríamos nos questionar mais quanto às nossas motivações - e lidar com todas as vergonhas que virão à tona no processo.

Talvez esse seja um ponto central de uma devida definição de estágio civilizatório - se alguém ousar tentar tal definição. A mudança em nossas motivações. Quando deixarmos de considerar manifestações de poder e capacidade de opressão como nossos maiores feitos e passarmos a valorizar e admirar abertamente, mais que tudo, as verdadeiras grandezas, então teremos finalmente passado a um estágio significativamente diferente. Até o momento temos apenas a ilusão. A ilusão em forma de tecnologia, gravata e pib. Mas não passamos de selvagens estúpidos segurando uma tecnologia fantástica sem saber o que fazer com ela. Ainda estamos no primeiro estágio. Ainda apresentamos um rendimento extremamente baixo quando comparamos a felicidade real que obtemos com o esforço empreendido e com o conhecimento disponível.

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