domingo, 12 de dezembro de 2010

Penumbra

Madrugada. Às vezes o som de um ônibus passando longe. Ele andava pela rua. Olhava sombras. Gatos andando sem maiores preocupações, esquivos. Lixo espalhado. Os barulhos de seus tênis. Seus pensamentos jogados. Aquelas palavras. O emprego errado. Tudo machucava. Tudo perturbava. Pensou em gritar. Alívio? Lua indiferente. Madrugada. Aproximava-se daquela casa. Aquela casa... De manhã, bem cedinho, passando ali em frente ainda antes da cidade acordar, era possível vê-la por entre frestas da cortina acordando, no quarto de cima. As frustrações de sua vida. A dor de uma rejeição tão violenta. O emprego entediante. A madrugada quieta e indiferente. E a casa daquela mulher se aproximando. Ela poderia estar lá. Salvaria o dia, a noite. Salvaria a caminhada. Lhe daria um sono tranquilo. Ver aquelas costas lisas. Aquele sutiã branco de volume perfeito para suas mãos. Aquele cabelo desenhado com ondas perfeitas. Foi se aproximando. Viu a casa ao longe. Apagada. Triste. Neurótico. Não passou em frente à casa. Abriu o portão e entrou. Não fez menção de encoleirar o silêncio; deixou-o fugir a longe! Subiu as escadas com pés pesados de sede. Respirava fôlego tenso. A maçaneta. A luz da lua era cúmplice. Ela já estava acordada, apoiando a cabeça sobre a mão direita, o ombro sobre o travesseiro. Não quebrou o silêncio, só remodelou-o com sussuros.

- Então é você mesmo...

- Sabia que eu viria?

- Não esperava a essa hora. Mas estava destrancado, não estava? Vem... vem!

Quebraram a cama, o segundo andar e o quarteirão.

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