terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Oitavo andar

Eu precisava dizer a ela o quão impróprio seria depositar sobre mim qualquer esperança de relacionamento mais duradouro. Não estou disposto a esticar meus compromissos além daquilo que consigo controlar, e no momento meus receios sobre mim mesmo impedem que eu controle com precisão mesmo os compromissos mais grosseiros da minha próxima semana. Olhei-a nos olhos. Ela me desejava. Isso era tão claro, tão evidente. Charme com olhar de lado e sorriso de canto dos olhos, um pouco exagerado até, a ponto de estragar um pouco o romantismo do tipo que prefiro, que é espontâneo e sem exageros, mas baixei a guarda do meu senso estético e deixei passar. Enquanto pensava sobre todas essas seriedades que aguardavam por serem ditas, tomei-a contra mim. Lembro-me dos meus amigos perguntando, no bar, na noite em que eu iria encontrá-la, mas e aí, qual é o perfil dela? E eu só respondia que ao que pude ver, era um perfil bem saliente. E era, era mesmo. Trouxe o tronco dela para colado ao meu. Aqueles seios me apertando. Apertava as costas dela, por vezes com força, por vezes correndo a ponta dos dedos sobre a espinha, de cima abaixo.

Olhava ela nos olhos e pensava, sério, não me ame. Não me deseje. Não amarre nenhum pedaço de sua felicidade à minha. E beijava. Beijava demoradamente. Beijava sabendo que não haveriam muitos beijos daquele pela frente. E por beijar assim, despertava nela o desejo de mais daqueles beijos. Traição da lógica. Inversão das percepções. Assim é. Ao meu ego jurarei até o fim dos dias que eu estava envolto em muitas dúvidas, tomado pela beleza daquele corpo que se desnudava diante de mim, quente, todo pronto, desejoso. Entretanto, aqui à noite, sozinho, eu sei que eu fui homem no péssimo sentido em que todos os homens, vez ou outra na vida, o são. Antes de mergulhar nela, mergulhei em meu presente e despi-me de toda responsabilidade sobre o curso das coisas. Comê-la e nada mais. Sentir as coxas dela batendo nas minhas, nos meus quadris. Lamber aquele corpo, cada pedacinho, ouvindo gemidos trêmulos, incontidos. Que importa, aí, o que acontece com sentimentos mais abstratos? Por acaso meus sofrimentos todos de tantas e tantas vezes em que me apaixonei não me autorizavam a assumir que as outras pessoas são também capazes de cuidar dos próprios sentimentos? Dos próprios sofrimentos? Das próprias esperanças descabidas?

As mulheres pagam umas pelo sofrimento causado pelas outras. Eu seria até hoje um homem perdidamente mergulhado em meu primeiro amor, não tivesse ela nunca me visto. Eu seria tão menos frio com o sentimentalismo alheio, não fosse aquela vadiazinha que me deixou sozinho com todos os meus sonhos, à beira do nada. Autopiedade? Ou empiricismo subjetivo? Ou estou sendo fraco em não superar meus traumas para permitir viver um presente de uma forma mais pura?

Sou o que sou... E enquanto puxava os quadris dela contra os meus, não pensava nisso. Pensava em demorar mais para gozar, porque estava bom. Pensava que eu podia puxá-la com mais força, porque ela estava gostando. Pensava em arranhar as costas dela, deixar marcas de que estive ali. Não pensei, em momento algum, no que ela sentiria, dias depois, sozinha, ao contemplar estas marcas no espelho.

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