quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Outsider

Eu não pertenço a nada. É minha tragédia. É o resumo da minha vida. E é meu mérito também. Mas não porque seja um mérito em si. Antes por ser apenas uma característica primitiva, irremovível, inerente à minha pessoa, tão fundamental que tudo de ruim e de bom que me aconteça pode ser, de um jeito ou de outro, reduzido à essa origem. Não sou institucionalizável. Não consegui me comprimir ao que exigiam de mim as profissões que tentei. Não pertenço a país nenhum. Meus documentos são antes equívocos que constatações. Não me defino nem mesmo como escritor, essa vagabunda profissão de não exercer nada além de delírios. Não que não me faltem delírios. Mas transformá-los em profissão exige disciplina, exige domá-los. De algum jeito, louco e inconsequente como todo o resto, rejeito submetê-los a tal atrocidade. Delírios domados já não são tão delirantes.

Mas o pior, é o mais assustador, é que delírios domados já não são capazes de encontrar sua própria verdade: curvaram-se à loucura que criou os moldes de sua dominação.

É essa a dor do parto: permanecer louco como único modo de não sucumbir à loucura dos outros.

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