segunda-feira, 30 de junho de 2008

Indelével

Quando ele ia escrever uma carta de amor tirava todas as coisas de cima da escrivaninha. A bagunça e a poeira. Arranjava uma folha sulfite dentre as que estavam no meio do pacote, perfeitamente lisa e plana. Ajeitava sobre a madeira limpa. Usava só a caneta tinteiro, num capricho que lhe era peculiar.

E odiava sua caligrafia sofrida que parecia engasgar a cada vogal. Fazia esse esforço descomunal para endireitá-la, enquadrá-la aos moldes bem definidos de suas boas intenções. E lá iam ós engolindo os ésses. Os érres se derretendo em êmes disformes. E as linhas ondulavam incertas sobre onde encontrar o outro lado da folha. Desesperadas.

Comum que acontecesse de amassar a folha, arremessá-la ao lixo e reiniciar o ritual todo.

E no silêncio de seu perfeccionismo ele sofria essa agonia secreta de não poder apagar assim os garranchos passados de seu coração.

Um comentário:

Maína Machado disse...

Entendo bem a vida de um pseudônimo, costumo me envolver com tipos mais complicados ainda, os heterônimos!! Ah!!! Estes são piores!!! Espero que vc não esteja ressentido comigo, mas enfim... o café fica então no plano do imaginário que é lá que habitam as circunstâncias literárias, um abraço (imaginário tb)! Nina