quinta-feira, 5 de junho de 2008

Sala São Paulo


A estação de trem, Julio Prestes. Onde as pessoas passam apressadas de manhã. Aposentados mostram suas carteirinhas provando o que o rosto não faz duvidar; passam finalmente pela portinha ao lado.

A Sala São Paulo. Concertos de música da maior qualidade. Eventos. Pessoas bem vestidas, felizes por experimentarem a aparência de serem elas próprias. Silêncio. Celulares desligados.

Plataforma lotada. Todos os olhares ao longe, o trem vindo. A questão existencial metafísica profunda que perturba milhares de almas justapostas: onde é que as portas irão parar? Alguns têm lá suas regras astrológicas próprias... Outros partem para espécies diversas de adivinhações seguindo abstrações platônicas. A boa e velha preguiça científica vence por fim e o empiricismo diz a todos, sem sombras das dúvidas: cá há porta, lá não há. Amontoam-se.

Aplausos. Todos de pé. Músicos vindos de todos os cantos do mundo olham pessoas vindas de muitos cantos da cidade. Por vezes de muitos cantos do estado. Ou do Estado, raramente. A música há séculos refina e evolui nesse borbulhar de novas gerações de virtuosas pessoas capazes de dedicarem-se com afinco à exacerbação de seus pontenciais mais escondidos.

"Os bancos de cor cinza são reservados a gestantes, idosos e pessoas com deficiência física. Respeite esse direito."

"A obra que vamos apresentar a seguir é de Igor Stravinsky..."

Um vidro. Um vidro que a arquitetura da ópera escolheu ao bem do estilo e que tanto mais faz ali. Um vidro, fino, transparente. Uma película. Uma fronteira. Olham-se por ele mundos diferentes que coexistem assim, sempre assim: justapostos, olhando-se, mas tocando-se o mínimo. Um protegido da sujeira suada do outro, o outro protegido da futilidade superficial do um. O terno elegante olha o trem chegando e lhe é um espetáculo bonito, um quadro quase distante da "realidade" da cidade. O estudante cansado, já quase meia noite, olha para os vinhos nas taças de coquetel das celebrações especiais. Chegará ali um dia?

O nome é perfeito. Sala São Paulo. É Sala, é um espaço único, amplo porém acolhedor, aglutinador. E é São Paulo, na ruptura, no contraste, no convívio incompreensivelmente harmonioso de contradições tão profundas.

6 comentários:

Fernando Gomes disse...

parece um local que vale a pena ser visitado.

gostei do post, nem sabia que essa Sala São Paulo existia.

http://www.andisaidgoddamn.blogspot.com/

Jamile Gonçalves disse...

É magnífica a maneira como tu consegues colocar nas palavras de forma tão sublime o grande problema sócio-econômico do país.
Sem dúvida és um dos grandes escritores do nosso país que ainda estão no anonimato.

Respondendo ao seu comentário.. Digo que sim, cada cabeça é um mundo e tantos mundos reunidos seriam o que nós chamamos de universo social.

;)

Dani disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Leiliane Lopes disse...

Belíssimo post.

parabéns.

realemnte esse contraste na cidade é gritante!!!


Dta

Dani disse...

olá!
obrigada pela mensagem de boas vindas!! Adorei!
vc escreve mto bem, virei sempre visitar o seu blog.
tudo de bom!!
bjs

Flávia Ferraz disse...

Tanta contradição na existência desta sala, que dá até preguiça...
Porém o texto passou em determinado momento, tanto prazer...tanto aconchego e beleza...que até deu pra esquecer tais contradições dessa cidade e da vida...deu vontade de estar lá de olhos fechados...e coração aberto.