quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Onisciente

Subiu as escadas, devagar para não atrapalhar a preguiça inspirada pelo sol. Chegou ao velho escritório. Todos os livros ali, dos livros do primário às teses que ele próprio escrevera nos tempos de pós-graduação. Suspirou por um instante de todo aquele volume de informações, sem saber distinguir-se vencedor ou perdedor diante do desafio a que anos atrás se propôs.

Encontrou um velho livro de geografia. Uma feira do livro ainda no primário, quando as equações da matemática ainda não haviam aparecido e quando a geografia não passava de uma palavra mágica dessas sobre as quais se pode imaginar qualquer coisa que interesse. Foi pouco a pouco lembrando dos detalhes do desafio.

Tirou o livro em suas mãos, começou a folhear. Nigéria, Zimbabue, Estados Unidos, Japão, Panamá. Taxas de natalidade. Taxas de mortalidade. Guerras. Economia em tempos de paz. Hoje ele era capaz de entender tudo aquilo. E mais que capaz: entendia, dominava e ensinava.

Perdeu as contas dos minutos que corriam indiferentes enquanto imaginava todas essas diferenças que se distribuem pelo mundo, e da clareza com que agora essas coisas se desenrolavam ao seu entendimento. Os intrincados mecanismos que vão mudando a sociedade. Sentiu-se por alguns instantes conhecedor profundo das pessoas próximas, das pessoas distantes, das pessoas desconhecidas mesmo.

Foi tomado de assalto pelos gritos vindos da cozinha. Fechou o livro. Ouviu os passos duros vindos pelo corredor. Quase no mesmo instante sua mulher estava lá, dedo em riste:

- Olha! Eu desisto... Não sei o que fazer com esse garoto. Terminou com a namorada de novo, ama ela e está todo acabado. O filho é seu, sabe porque ele fez isso? Porque eu não sei!

- Não! Também não sei!

Ficou ali olhando sua esposa alguns instantes, voltou a olhar o livro e, antes de ir falar com o filho, disse baixinho:

- Mas vou querer revanche!

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