terça-feira, 28 de abril de 2015

No sofá dos réus

Bem poderia ser o banco dos réus. Mas é mais largo e estofado. É o sofá dos réus. Porque no momento todos os que estão ali são meus acusados. A mãe. O pai. O filho. A filha. A família toda. Mas confesso que simpatizo com o pai e acuso mais gravemente a mãe.
Não se faz isso com os filhos. Ambos estão profundamente afetados e, a esta altura do campeonato, é provável, praticamente certo, que as sequelas sejam para a vida toda. Vamos por partes.
O filho. Portador de um ego colossal, acredita que o universo vai conspirar para lhe dar o que merece e qualquer coisa que o distancie de uma vida rica e bem sucedida deve-se pura e simplesmente ao azar. Criação. Sempre foi dono de todos os direitos e alheio a toda e qualquer obrigação. Nunca teve que prestar satisfações e foi desses jovens que, logo cedo, ganhou um carro para poder usar como bem entendesse. Sim, é culpa sua, ó mãe que se faz de desentendida, vendo a TV como se a conversa não fosse com você.
A filha. Acredita que está velha. Trinta e poucos anos. Conheci tanta mulher que, aos cinquenta, tem um espírito muito mais jovem. Também não se aceita. Não quer aparecer em fotos mostrando a barriga. Ou deixando o papo no queixo aparecer.
E eu, desavisado, pensando que fossem traços dela, só dela. Um excesso de vaidade, falta de auto confiança. Mas descobro, olhando para este sofá, que a culpa é sua, mãe desnaturada. Pelo visto sempre deu mais valor à aparência dos seus filhos, ao modo como eles se portavam e se mostravam diante dos outros, do que a qualquer conteúdo genuíno deles. Talvez você nunca tenha conseguido realmente ler o interior de seus filhos, tamanha foi a preocupação constante com as aparências.
O pai, de algum modo que ainda não consigo entendre, fica alheio a tudo isso. Criou uma bolha imaginária dentro da qual as coisas estão bem. A família se reúne para o almoço, todos juntos. Sentam-se no mesmo sofá para ver televisão. Uma família perfeita. Mesmo sendo que os pensamentos não poderiam estar mais estilhaçados. Uma cabeça pensando mal do Brasil que aparece em uma cena na televisão, outra cabeça criticando a foto tirada na praia, porque mostra sua barriga. Outro pensando que a vida está sendo muito injusta com ele porque vai ter que viajar para Belo Horizonte a trabalho quando gostaria mesmo é de ir para Londres para ficar longe desse país de merda. E o pai ali no canto, feliz da vida, porque a família está reunida.
Com licença, preciso vomitar.

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