terça-feira, 17 de outubro de 2017

Sou um marginal

Margem. Aquela linha ao redor de algo bidimensional. Aquela coisa que ainda é parte de algo mas não está no meio, não é sua essência. Mas que, dando-lhe contorno, é parte integrante da sua definição. Marginal, aquele que está à margem. Não confundir com esse uso deturpado do termo quando referente a criminosos infelizes. Sou da paz. Sou honesto. Mas sou um marginal enquanto aquele que rouba e é desonesto. Isso não. Mas sou um marginal enquanto aquele que está à margem, contornando sem entrar.
Ando pelas avenidas largas, pelas movimentadas estações de trem e pelos grandes aeroportos do mundo. Não sou dessa gente de terno e gravata. Não sou desses operários de macacão azul. Também não sou desses nerds de óculos e nem desses artesãos que fazem belas esculturas de arames retorcidos. Estou à margem. Gosto de ler e não conheço os grandes clássicos da literatura, leio devagar. Gosto de música e não tenho a disciplina ou o desespero apaixonado de estudar todos os dias. Um preguiçoso, talvez. Mas não, não é a preguiça porque sou muito inquieto. Estou sempre fazendo algo mas nunca é o mesmo algo. Hoje é o clarinete. Amanhã é a máquina fotográfica. Depois são as equações de elementos finitos nos modelos estruturais do MATLAB. Depois os mapas abertos para traçar os planos de voo. Estou em todos esses lugares e, saltando de um para o outro, não estou em nenhum. Porque é o que a margem faz: percorre, contínua, os contornos de toda a figura. Uma fronteira linear abraçando todo o mapa. Quero abraçar toda a realidade. Quero ser fotógrafo, jornalista, piloto, músico, artesão, operário, deficiente e alpinista, gay e freira, direitista e esquerdista, negro branco japonês índio e inuit. Quero implodir as definições confundindo-as sem fugir, olhando-as nos olhos. Quero ser médico e doente, quero ser astronauta e mergulhador. Quero ser imortal e um defunto. Quero ser sentimental e empresário, apaixonado e contador, honesto e advogado. Quero ser engraçado e mentiroso. Quero ser filósofo e estúpido. Correndo pelas margens vou dando voltas. Sigo não sendo fundamentalmente nada disso e, de um jeito estranho, sigo sendo tudo ao mesmo tempo.

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