Estávamos na mesa mais próxima à calçada, logo na entrada da pizzaria. O Diego falava mal de comunistas e esquerdistas. Essa gente que vive de mortadela doada em manifestações com dinheiro de corrupção. Essa gente que quer vida fácil sem ter que fazer nada. O Rafa concordava com tudo. E adicionava eloquentemente a necessidade de se meter bala na fuça dos vagabundos logo. Bolsonaro neles!
Foi então que ele se aproximou. Sujo, caminhando com pés arrastados. Parou à extremidade da mesa dando-se uns segundos a nos olhar antes de dizer qualquer coisa. Aquela atitude de cachorro acuado certo de que vai ser chutado e apedrejado a todo instante. Tinha em mãos uns papéis que pareciam mastigados e cuspidos de tão torturados que estavam pelas circunstâncias.
"Boa noite. Desculpe atrapalhar a janta de vocês. Eu sou trabalhador. Trabalhei a vida toda. Mas estou sem trabalho agora. Procuro, procuro todo dia. E não estou achando. Será que não poderiam me ajudar a completar uma cesta básica?"
O Rafa tomou a palavra.
"O senhor trabalha com o que?"
"De tudo um pouco. Ajudo em obra. Carrego as coisa. Corto madeira. Subo nos andaime. Tudo. Sou ajudante pro que precisá. Mas não tá tendo trabalho não. As criança tão com fome."
"Quantos filhos o senhor tem?"
"Tenho cinco. Tem as pequetitica, tadinha. A mãe tá lá cuidando. Se não fossem tão pequenas, ela vinha mais eu buscar alguma ajuda também. Desculpe atrapalhar a janta de vocês."
O Rafa prosseguiu.
"Olha, não tenho dinheiro aqui não. A gente só tem cartão. Dinheiro pra dar, não tenho. Então, posso ir no mercado e commprar alguma comida pra você. Pode ser?"
Os olhos daquela magreza caminhante se dilataram todos, indisfarçados: "Pode, nossa! Pode!"
Eu não acreditava no que estava vendo. O que deu no Rafa? Fiquei tocado. Orgulhoso. Senti-me culpado pelos inúmeros julgamentos negativos que eu fazia com base no discurso político deles.
Não havia mercado ali próximo. Dissemos para o Diego aguardar. Fomos ao carro. Acho que o tal pedinte nunca havia entrado num carro.
"Nossa, carro! Vocês tem carro! Puxa, gente? Eu não imaginava. A gente vai de carro mesmo? Eu vou também! Nossa, como é cheiroso, né? Tem cheiro de coisa nova, de coisa limpa! É muito chique!"
Era um Fiat Uno alugado. Mas nos sentíamos proprietários de uma limosine dourada graças à admiração daquele pobre homem.
Compramos a cesta básica. Demos a ele. Nos despedimos em frente ao mercado.
Quando entramos no carro para voltarmos ao restaurante, o Rafa disparou:
"Filho da puta, né?! Achei que iria negar a comida! Da última vez que me vieram com esse papinho de filhos com fome, ofereci comida e o cara não quis. Agora esse aí aceitou, a casa caiu, né? Tive que vir comprar, carái!"
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